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Conferência Gerontecnologia - Gerontech and Innovation Expo Cum Summit - (Hong Kong, 2018)

Foto: Cristiane Ferrari
Foto: Cristiane Ferrari

Texto: Cristiane Ferrari / Gabriel Alarcon Madureira

 

“[...] nas últimas poucas décadas demos um jeito de controlar a fome, as pestes e a guerra. [...] Pela primeira vez na história, hoje [...] mais pessoas morrem de velhice do que de doenças infecciosas [...]” (Yuval Noah Harari, em Homo Deus: uma breve história do amanhã, 2015, p.12)

 

Introdução

O Programa Trabalho Social com Idosos, realizado desde 1963, pelo Sesc São Paulo, tem como característica fundamental de sua ação a constante atualização de seus parâmetros, diretrizes e objetivos. Assim, dois conceitos emergem hoje como paradigmáticos: envelhecimento e longevidade. O primeiro, compreendido como um processo concernente a todas as faixas etárias,  o segundo, como decorrência das transformações sociais, econômicas, políticas, culturais e, principalmente, tecnológicas – viveremos mais, e melhor.

Neste sentido, este olhar para a tecnologia em diálogo com o envelhecimento e com a longevidade fomenta a expansão de um campo de conhecimento interdisciplinar, que expande o terreno da própria gerontologia: a Gerontecnologia – ou seja, a área que se dedica a compreender a aplicação das tecnologias na qualidade de vida das pessoas idosas. De fato, a Gerontecnologia  debruça-se sobre a sustentabilidade de uma sociedade em processo de envelhecimento, tendo em vista o desenvolvimento de uma ambiência tecnológica, capaz de subsidiar a qualidade de vida dos idosos e de seus respectivos círculos sociais nos seus aspectos físicos, cognitivos e culturais. Em síntese, tecnologia aplicada à longevidade se consubstancia em proporcionar autonomia, conforto, segurança e saúde nas áreas da comunicação, do lazer, do trabalho e da cultura – espaços estes que serão cada vez mais protagonizados por idosos.

Assim, em busca de ampliar o diálogo da ação do Sesc São Paulo com a Gerontecnologia, tivemos a oportunidade de participar da segunda edição da Gerontech Expo Cum Summit, evento organizado pelo Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, por meio do Conselho de Serviço Social e em parceria com os Parques da Ciência e Tecnologia de Hong Kong. A Gerontech Expo, em suma, foi um evento voltado para especialistas, empresários da indústria e do comércio, formuladores de políticas públicas, profissionais e interessados na temática da Gerontecnologia e suas interfaces com a longevidade.

 

A Gerontech  Expo

Na edição de 2018, a Gerontech Summit reuniu no Centro de Convenções e Exposições de Hong Kong mais de 50.000 participantes, 140 expositores locais e internacionais, 60 atividades (workshops, mesas de discussão, palestras, etc.) e mais de 400 produtos e serviços. Cabe destacarmos que, durante os quatro dias do evento, foi possível observar uma miríade de profissionais de variadas áreas de atuação, como médicos, engenheiros, cuidadores, assistentes sociais, fisioterapeutas, educadores físicos, gestores públicos, empreenderes e estudantes, mas, principalmente, um grande número de idosos e idosas circulando nos pavilhões, experimentando inovações tecnológicas e interagindo com os funcionários das inúmeras empresas em seus respectivos estandes.

Assim, a Gerontech Summit 2018 realizou uma pesquisa quantitativa e qualitativa com esses públicos e sistematizou os dados, apontando que 96% dos participantes ficaram satisfeitos com a iniciativa da feira, voltada para o mercado do envelhecimento, e que 93% dos presentes atestaram ter ampliado suas compreensões acerca do conceito de Gerontecnologia. Também podemos afirmar, não somente pelos dados fornecidos no site oficial do evento[1], mas, principalmente, pela nossa observação direta, que o evento teve repercussão na mídia local, impressa e digital.

Em síntese, a Gerontech  caracterizou-se como um pavilhão de mais de 8 mil m2, composto por variados estandes com produtos e serviços tecnológicos bem como por áreas voltadas para palestras, workshops, rodas de conversas e apresentações. Enquanto “Expo Cum Summit”, ou seja, como Exposição-Conferência-Encontro sobre Gerontecnologia, ficou evidente a interconexão e a concepção dialógica entre essas esferas do evento, já que muitos expositores apresentavam suas pesquisas e inovações teóricas e os ouvintes podiam conhecer, observar e interagir nos próprios estandes. Ou ao contrário: tecnologias e inovações aplicadas podiam ser vistas, testadas e, posteriormente, as empresas ou pesquisadores responsáveis  apresentavam conceitualmente os mesmos produtos e serviços.

Desta forma, entre inúmeros conteúdos possíveis de darmos ênfase, vamos optar por  destacar algumas discussões a partir de temas específicos, que abrem leques de reflexão para a amplitude de possibilidades de ação socioeducativa nas interfaces da Gerontecnologia, do envelhecimento e da longevidade.

 

O Futuro do cuidado com o Idoso

Assim, iniciamos apontando a mesa sobre “O Futuro do cuidado do idoso”, mediada pelo Prof. Hsu Yeh-Liang, diretor do Centro de Pesquisa em Gerontecnologia, da Universidade Yuan Ze, Taiwan, cuja discussão centrou-se na importância da concepção ampliada do cuidado com os idosos a partir da aplicação de tecnologias assistivas tanto no cotidiano familiar quanto no âmbito das Instituições de Longa Permanência, sejam elas privadas ou governamentais.

Entre as inovações apresentadas, destaca-se, primeiramente, toda a gama de produtos voltados para o binômio cuidado-socialização, com a apresentação dos robôs “Pepper” ,“Now” e “Paro”, respectivamente como humanoides e/ou animais, como cachorros ou focas, os quais utilizam câmeras, microfones, sensores, vozes e inteligência artificial para interações com pessoas idosas, que vivem na condição de isolamento social ou mesmo com demências cognitivas em geral.

Além disso, estavam disponíveis nos estandes da Gerontech, produtos e artefatos tecnológicos para auxiliar os cuidadores de idosos nas tarefas diárias de apoio, com o objetivo de maximizar a qualidade de vida tanto de quem é cuidado quanto de quem cuida. Pudemos observar e interagir com um banheiro completamente acessível e adaptável de acordo com as necessidades e com as características físicas dos idosos, com os mobiliários flexíveis e móveis; uma grande variedade de cadeiras adaptadas para deslocamentos nos ambientes da casa e dos espaços públicos; e até mesmo trajes biônicos para aumento da capacidade funcional e, consequentemente, da locomoção e autonomia dos usuários. Cumpre ressaltar que todos esses objetos de tecnologia assistiva para o envelhecimento já apresentavam a característica da IoT (Internet of Things, em tradução livre: Internet das Coisas), ou seja, conectados à rede e gerando dados e informações em tempo real para acompanhamento da família e dos profissionais da área médica.

Destacamos que ainda no âmbito da discussão sobre o futuro do cuidado, tanto o Dr. Alex Mihailidis, diretor da Age-Well Network e docente da Universidade de Toronto, Canadá, quanto o Dr. Thomas Beck, da Universidade de Munique, da Alemanha, discutiram o aspecto do conceito ampliado da Gerontecnologia e a importância dos artefatos tecnológicos serem não só operados, mas mediados por humanos, pincelando fronteiras híbridas entre o próprio campo da Gerontecnologia e da Gerontologia social. De fato, mesmo a Gerontech Summit tendo seu cerne na apresentação e aplicação de tecnologias de ponta nos cuidados com o envelhecimento, o protagonismo e a importância de "humanos cuidando de humanos” esteve presente em toda a narrativa conceitual e acadêmica do evento. Em síntese, a Gerontecnologia aponta não para tecnologias que substituam as interações humanas e intergeracionais, mas que, ao contrário, as potencializem a partir de gadgets, wearables, inteligência artificial, algoritmos e big data.

 

Casa, família e inovação

Já no que tange ao eixo da longevidade, concebida a partir da casa, enquanto ambiente doméstico, cabe destacarmos, que esteve presente na fala de muitos pesquisadores da Gerontech Expo e também na narrativa de muitas empresas fornecedoras de produtos e serviços, a perspectiva de que os sujeitos do processo de envelhecimento – ou seja, todos nós, em todas as respectivas faixas etárias – temos a inclinação-desejo de envelhecer e viver o máximo de tempo possível não em instituições de longa permanência e na companhia de cuidadores profissionalizados, mas sim na própria casa/residência, em plena autonomia e solitude, ou na companhia da família. Desta forma, como observaram os pesquisadores/empreendedores Birgitte Ettrup, da empresa Kildemarkscentret (Dinamarca), e Joris Wiersinga, da Silverfit (Holanda), há uma potência de mercado para a Gerontecnologia aplicada ao lar, com o intuito de otimizar a qualidade de vida dos idosos que vivem ou viverão sozinhos e para ampliar o bem-estar do cuidado e da convivência intergeracional.

Assim, pudemos observar diversos protótipos das Smart Home - casas com todos os seus cômodos e mobiliários equipados com sensores, câmeras e microfones, gerando quantidades massivas de dados e informações para alimentar aprendizados de máquinas (machine learning) e algoritmos sugestivos e preditivos de comportamentos e condições associadas ao envelhecimento. Mais do que isso, estiveram presentes uma miríade de aplicações tecnológicas concernentes a reconhecimento facial e corporal, utilizadas para prevenir quedas em espaços públicos e privados, e também para otimizar os serviços oferecidos nas instituições de longa permanência.

Tais questões abrem, sem dúvida, o campo para a análise crítica não só da Gerontech Summit, mas da própria Gerontecnologia enquanto campo de pesquisa e como área de modelação de políticas públicas para a longevidade, na medida em que emerge uma tensão entre a autonomia vs controle da pessoa idosa no âmbito da política, da sociedade e da economia, respectiva e relativamente à ação política, à interação familiar e às dinâmicas do silver market – o mercado para consumidores longevos, seniores, idosos ou para todos os rótulos de envelhecimento possíveis (sempre sob disputas, as narrativas e simbólicas de nomeação da inexorabilidade de nos tornarmos velhos).

 

Gerontecnologias: envelhecimentos e acessibilidades

No âmbito da discussão sobre a gerontecnologia torna-se evidente sua interface com as questões da acessibilidade para as pessoas com deficiências (PcD`s), das mais variadas e de graus distintos, na medida em que o envelhecimento biológico comporta transformações do corpo humano, às quais sempre devem ser analisadas sob o ponto de vista de potencialidades a partir de adaptações e não a partir, simplesmente, das narrativas de deterioração da capacidade funcional e da perda motora e/ou cognitiva. É nesta linha que a Gerontech Summit apresentou o conjunto de tecnologias assistidas focadas em ampliar o bem-estar na longevidade - cada vez mais estendida e crescendo exponencialmente rumo a gerações possivelmente centenárias.

A partir das discussões dos pesquisadores Raymond Tong, da Universidade Chinesa de Hong Kong, e de Jordan Nguyen, da empresa Psykinetic, da Austrália, emergiu no evento o já incontornável tema do transhumanismo ou pós-humanismo, elaborando perspectivas instigantes acerca do caráter cada vez mais híbrido entre humanos, máquinas e computadores, bem como da própria definição de vida, de espécie Homo Sapiens e de longevidade. Dialogando com tais fronteiras de reflexão, que estarão na pauta do campo do envelhecimento, observamos artefatos gerontecnológicos voltados para mecanismos de escrita e comunicação através de movimento das retinas; próteses biônicas das mais variadas, ativando conexões entre a musculatura, o padrão corporal de movimentação e dados de geolocalização; e até mesmo uma tiara que processa informações das ondas cerebrais transformando impulsos elétricos em informações acerca de estados de atenção, relaxamento, estafa, etc., ou em padrões de movimentos de máquina – o que em termos leigos e ilustrativos, significou, no estande da feira, mover um dispositivo robótico apenas com a “a força do pensamento”.

Por fim, cabe pontuarmos que a tecnologia aplicada para o envelhecimento que verificamos na Gerontech Summit, mais do que abrir questões relativas à saúde, conforto, bem-estar e acessibilidade, se espraia também na multiplicidade de identidades construídas pelas pessoas idosas, às quais ressignificam suas histórias, projetos de vida e narrativas de si mesmas por meio da própria tecnologia. É nesse sentido que os objetos, artefatos e serviços oferecidos no evento apresentaram design e conceitos com variados sentidos simbólicos, distanciando-se das caricaturas e estereótipos tradicionalmente relacionados ao envelhecimento, subsidiando assim, elaborações de identidades fluídas e híbridas na longevidade.

 

O Sesc São Paulo e a Gerontecnologia

Dessa forma, a partir da experiência imersiva na Gerontech and Innovation Expo Cum Summit, temos a leitura de que o campo da Gerontecnologia emerge como eixo de experimentação, inovação e oportunidade para o Programa Trabalho Social com Idosos desenvolvido pelo Sesc São Paulo. Mais do que isso, temos a perspectiva de que os dilemas e fronteiras criados pelas tecnologias aplicadas ao envelhecimento e à longevidade, principalmente quando tensionam o binômio autonomia-controle das pessoas idosas através dos algoritmos, da big data, do reconhecimento facial e da geolocalização, instigam e fortalecem a atuação socioeducativa da instituição, vocacionada ao bem-estar e à qualidade de vida, ancorada na valorização da cultura do envelhecimento, na defesa da noção antropológica de cultura e no fomento de valores civilizatórios, democráticos e humanistas.