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Planeta água

O Sesc São Paulo administra ao todo 89 piscinas; conheça um pouco do trabalho de bastidores para manter essas águas limpas e seguras

texto: Bruno Lazaretti  

Amadas por frequentadores e disputadas pelo público em geral, as mais de 80 piscinas do Sesc São Paulo compõem um mundo à parte no universo da instituição. E, por trás da construção, manutenção e segurança delas, está um grupo especialmente apaixonado de profissionais que dedicam suas carreiras à água e ao lazer.

“Às vezes alguém pede as plantas [plantas baixas que mostram os projetos do ponto de vista técnico] das piscinas e o pessoal daqui fala: ‘não precisa, é só falar com o Bacana, ele mostra onde fica tudo’”, conta José Airton Fernandes Costa, o Bacana, figura já folclórica que cuida das piscinas do Sesc Itaquera há mais de 25 anos.

José Airton começou seu romance com o primeiro parque aquático da cidade de São Paulo, formado por cinco piscinas e oito toboáguas, antes mesmo de as escavações começarem. “Sou um nordestino cearense que chegou aqui com 18 anos e foi direto para o canteiro de obras”, relata. Ele começou como servente de pedreiro em 1986, e, aos poucos, foi galgando posições na equipe de campo da construtora, até se tornar encarregado de obra.

Seu trabalho no Sesc Itaquera começou assim que a terraplanagem do terreno de 350 mil metros quadrados foi concluída – o processo envolveu a remoção de toneladas de terra arenosa e sua substituição por terra argilosa, capaz de sustentar a fundação. “Foi ali que virei encarregado de obra e comandei uma equipe com trinta e tantas pessoas. Como eu trabalhava com diferentes equipes, isso foi chamando a atenção do Sesc”, lembra. Já nas etapas finais da construção, entrada a década de 1990, a construtora contratou uma empresa canadense para fornecer o material e o treinamento para a instalação dos toboáguas. Doze funcionários foram selecionados para receber esse treinamento. Bacana foi um deles.

Hoje, Bacana comanda uma equipe de quatro tratadores de piscina cuja rotina envolve manter limpo um volume de água que ele sabe de cor: 5,3 milhões de litros, em 5.000 metros quadrados de espelho d’água. Seu dia de trabalho começa com “um bendito café”, como ele mesmo faz questão de destacar, e logo seu time se embrenha no túnel técnico para fazer uma análise do sistema de filtragem, que utiliza oito tanques de areia com três toneladas cada. As amostras de água são avaliadas de hora em hora, e os produtos que controlam o pH, a dureza e a presença de micro-organismos do sistema são injetados na saída do filtro. A equipe divide as tarefas de limpeza da superfície das piscinas com peneira, aspiração do fundo e inspeção dos toboáguas antes de o parque aquático abrir as portas.

Durante o resto do dia, enquanto o público de mais de 3.000 pessoas curte o dia nas piscinas, a correção da água é constante. O fim do expediente muitas vezes acaba com uma sessão de natação: “Nadar faz parte do trabalho, eu preciso conhecer o que estou entregando, e me ajuda a ficar atento à qualidade da água. Você ver a alegria dos frequentadores e saber que está colaborando para aquilo é um dos retornos”, conclui Bacana.

Quanta história

Durante os quatro meses finais da obra no Sesc Itaquera, Jozenildo Benicio Sobral, de 52 anos, havia acabado de ser transferido da área de piscinas do Sesc Interlagos para lá. Se um passou de funcionário de construtora para funcionário do Sesc, Nildo, como gosta de ser chamado, teve uma trajetória diferente: passou de frequentador a funcionário. Sua história com a instituição começa em 1988, quando passou a frequentar a unidade de Interlagos. Encanador, aproveitou a primeira oportunidade de emprego que a unidade ofereceu e se tornou encarregado pela hidráulica da unidade. “Cuidava dos poços artesianos e de tudo o que envolvia água. “Todo o sistema de captação de água e preservação das nascentes em Interlagos foi muito bem executado e mantido. Tínhamos inclusive um curso de conscientização ambiental para as crianças do Curumim, que usava a unidade como exemplo de conservação”.

Jozenildo se especializou em tratamento de piscinas e assumiu essa área na unidade. Passou quatro anos cuidando de um sistema de três piscinas que eram filtradas usando três tipos de areia com granulometrias diferentes. Depois desse período, foi ajudar na inauguração da unidade em Itaquera, onde passou os 18 anos seguintes. “É o maior volume de água de São Paulo. Quem tem a oportunidade de trabalhar ou estagiar lá tem uma experiência muito boa”, afirma. Em 2010, foi convidado a assumir o tratamento de piscinas no Sesc Belenzinho, onde permanece até hoje.

O trabalho que desenvolve nessa unidade é muito semelhante ao que executava em Itaquera, com duas diferenças cruciais: não há toboáguas, e há um sistema de aquecimento inovador. Ali, são seis piscinas, sendo que duas (a semi-olímpica e a infantil) são internas, o que envolve um sistema de aquecimento mais complexo. “Nas internas, estipulamos uma temperatura de trabalho de 28ºC a 30ºC. O aquecimento é feito prioritariamente pelo expurgo do ar-condicionado, e há um aquecedor a gás que ajuda a temperatura a alcançar e manter o valor desejado”, explica. É um sistema de reaproveitamento de energia que se assemelha, como Nildo descreve, a um radiador de carro. “Imagine duas paredes, sendo que em uma passa o ar quente canalizado do expurgo do ar-condicionado, e na outra passa a água da piscina. Essa troca de calor muitas vezes é suficiente para atingir a temperatura necessária”. As placas desse “radiador” precisam ser higienizadas a cada seis meses, aproximadamente.

Cloro

Em uma linguagem técnica que domina perfeitamente, Nildo descreve com minúcia a função do cloro nas piscinas: “Ele decanta a piscina. Ou seja, ele aglutina as partículas de impureza, formando flocos que são mais pesados do que a água e vão, portanto, para o fundo da piscina. Então parte vai direto para o filtro e parte precisa ser aspirada. O cloro também mata bactérias e algas para dar segurança ao banhista”. A análise de água, que ocorre de hora em hora nas seis piscinas diferentes do Belenzinho, permite manter todos os parâmetros, inclusive de cloragem da água, equilibrados. São 80 leituras de água por dia, e a quantidade de hipoclorito – nome técnico do cloro – chega na casa das 120 toneladas por ano na unidade.

Nildo tem esses dados na ponta da língua porque costuma convidar os frequentadores que demonstram curiosidade pela qualidade e temperatura da água a um tour pelos túneis técnicos da unidade. “Isso muda muito a visão das pessoas, e podemos sentir uma valorização do nosso trabalho”, considera. “Eu faço esse trabalho há 29 anos. Me identifiquei muito rápido com essa área porque, pessoalmente, sempre gostei de água. Já tive convite para trabalhar em outras áreas de infraestrutura, mas o que eu gosto mesmo é de trabalhar com água. O Sesc nos dá condições de desenvolver um trabalho eficiente, e isso volta na forma de reconhecimento interno e do público”, conclui. Sente-se como um peixe dentro da água.

Os guardiões

Alan Lauritti compartilha dessa sensação: ele é salva-vidas há 26 anos e guardião de piscinas do Sesc Consolação há 15. “Eu nadava por um clube quando tinha 18 anos, e uma coisa levou à outra. O pessoal me chamava para fazer bico de fim de semana, depois recomendaram que eu fizesse um curso de salva-vidas e acabei trabalhando lá durante dez anos”, relembra Lauritti. Em 1992, ano em que se tornou salva-vidas, a única porta de entrada para a profissão em São Paulo era um curso gratuito ministrado pela Secretaria de Esporte e Turismo, que oferecia exatas 40 vagas, preenchidas de acordo com o desempenho dos candidatos em testes físicos: uma prova de nado livre de 400 metros, 25 metros em apneia, e um minuto se mantendo suspenso no mesmo ponto, com a mão pra fora da água, se equilibrando só com os pés. Alan se saiu bem, fez o curso e se tornou salva-vidas pelo mesmo clube por 10 anos.

Foi lá que lidou com seu resgate mais marcante: “Lembro até hoje. Era dia 25 de janeiro, feriado de São Paulo. Foi meu primeiro caso de afogamento que precisou de RCP [reanimação cardiopulmonar]. Era um jovem de 20 anos, alcoolizado. A piscina estava cheia e nem vimos ele se afogando. Quando nos demos conta, ele já estava no fundo da piscina. A piscina tinha oito metros de profundidade, porque era uma piscina de salto. Pulamos, tiramos ele da água, e começamos o RCP, que naquela época ainda era feito com boca a boca, método que nem é usado mais, atualmente. Continuamos o procedimento na ambulância até chegar ao hospital”, relata. Foram bem-sucedidos: salvaram a vida do rapaz.

Felizmente, durante seus anos de atuação no Sesc São Paulo, Alan nunca precisou fazer um salvamento tão dramático. “Diferentemente de um bombeiro, que é chamado só quando o incidente ocorre, a prevenção faz parte do trabalho do guardião de piscina. Às vezes acham que não estamos fazendo nada. Ótimo: um dia bom de trabalho é quando as orientações e prevenções que fazemos são efetivas e nada acontece”, explica. O melhor momento do dia, segundo ele, é assinar uma ficha no término do expediente com os dizeres “nenhuma ocorrência”. 

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“Guardiões de piscinas são anjos”

Há quatro anos como guardiã da piscina do Sesc 24 de Maio, Cristiane Franciulli Maia, de 28 anos, fala sobre a profissão.

Por que se atraiu pela área?

Sempre gostei de atividade física, especialmente de nadar. Comecei em academia quando criança e não parei mais. Gosto da profissão de guardiã de piscina porque ela mexe com a gente. Você trabalha com vidas, está ali para proteger as pessoas. Isso não tem preço. Guardiões de piscinas são anjos.

Como ingressou?

Fiz um curso na praia de Itanhaém, de GVT (guarda-vidas temporário). É um estágio de três meses durante o verão, e você sai com o certificado de guarda-vidas. As provas são feitas no mar, tem uma prova inicial que é corrida, aptidão física, e depois você exerce a profissão na própria praia.

Como é o trabalho no Sesc?

É um trabalho necessário, cuidadoso, que envolve mais orientação e relação com o público. Sempre quis trabalhar nesta unidade. Ela é nova, e acho que tenho muito a contribuir para seu crescimento. Quero ajuda a criar uma diretriz aqui.

Qual é a pergunta mais comum que lhe dirigem durante seu expediente?

Sempre perguntam o que é aquele negócio no meio da piscina. Acham que é uma fonte, uma cascata. Mas não é. Aquela é a saída de um duto de ar, o respiro do prédio. Caso aconteça um incêndio, algo assim, toda a fumaça sobe e é expulsa por ali. É um respiro do prédio.