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Somos interdependentes

Foto: Adriana Vichi
Foto: Adriana Vichi

CURADORA DE ARTE E FUNDADORA DA ART FOR THE WORLD DEFENDE

A PROPAGAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA GLOBAL PARA A SAÚDE DO PLANETA

 

Tudo está relacionado. O que comemos, qual o destino dado a resíduos orgânicos e recicláveis, de que forma transitamos, entre outras ações humanas, tudo isso gera impacto na sociedade, mas também, e principalmente, em águas, solos, ar e diversas formas de vida deste planeta. Recentemente, um dos principais escritores de ciência do mundo, David Quammen, salientou essa relação ao dizer que “uma das coisas que a Covid-19 nos lembra é que nós, humanos, somos parte da natureza”. Ele ainda reiterou que “não estamos separados dela, nem acima dela”. Quem faz o mesmo lembrete é a curadora de arte Adelina von Fürstenberg. Nascida em Istambul, ela segue uma carreira itinerante com a missão de instigar as pessoas a (re)ver e pensar o mundo pela arte. Em 1995, criou a Art for the World, organização não governamental associada ao Departamento de Informações Públicas das Nações Unidas e que tem o propósito de colocar a arte contemporânea a serviço de propósitos humanitários. “Para mim, o artigo mais importante da Declaração dos Direitos Humanos é o artigo 27, que diz: ‘Todos têm o direito de apreciar a arte e a ciência’”, afirmou em entrevista à Revista E, um dia antes do lançamento nacional do longa-metragem Interdependence (2019) no CineSesc (15/2). Concebido pela curadora, que também é produtora, o filme reúne 11 curtas produzidos por artistas de cinco continentes, entre eles a cineasta brasileira Daniela Thomas. Exibido pela plataforma de streaming on demand do SescTV, Interdependence alerta para a necessidade urgente de analisarmos a influência das ações humanas sobre o atual desequilíbrio do meio ambiente. Afinal, reforçou Adelina, “somos todos um, interdependentes, na Terra”.

 

Unir pessoas

Não devemos ser pretensiosos, a arte não pode mudar o mundo. Ela só pode conscientizar, chamar a atenção para os problemas. E isso já é muito importante. Então é claro que, no caso do tema meio ambiente, os cientistas sabem muito mais do que os artistas, mas é difícil entender o que eles dizem. Mas, por meio da arte e do cinema, você pode tocar o coração das pessoas e explicar questões complicadas com uma história simples. Você verá, nesses filmes [que compõem o longa Interdependence], que aquilo que vemos é o que sentimos em toda parte. Então, mesmo que geograficamente a Índia esteja longe do Brasil ou da Islândia, as preocupações de todos são as mesmas. A arte é universal e o que ela pode fazer é unir as pessoas. Uma mesma ideia pode viajar sem fronteiras, pois está mais relacionada ao coração.

 

Participação brasileira

Daniela Thomas é uma cineasta muito próxima da arte. Faz cenografia, cria obras. Todos os cineastas [do filme Interdependence e de outros filmes da Art for the World] não são só cineastas. Todos têm alguma relação com a arte, mesmo quando não desenham ou não fazem nada do tipo. Então ela [Daniela Thomas] é esse tipo de cineasta. Era muito importante trabalhar no Brasil e ter uma ótima cineasta como ela. Neste filme [o curta-metragem de Daniela Thomas], veremos que o povo indígena não é apenas o assunto. Por exemplo, temos índios da Amazônia, mas também do Pacífico Sul, temos as pescadoras de uma pequena tribo na África. Essas pessoas são a nossa consciência, porque estão preservando a natureza há séculos, porque têm uma sabedoria e é isso que importa. Assim, o filme de Daniela com a tribo Thã Ingugu, da Amazônia, é importante porque eles falam de água e de como a água criou a vida saudável que eles levam. O que eles dizem toca diretamente o público. Ao ver o filme [como um todo], você percebe que não pode ficar sozinha para proteger sua família de catástrofes da natureza. Precisamos ficar juntos. O relacionamento entre as pessoas em meio a essas mudanças é muito importante. E, quando você se der conta do que está acontecendo, faça alguma coisa. Não jogue lixo no chão, não deixe a torneira aberta o tempo todo. São essas pequenas ações que juntas fazem algo ainda maior.

 

 

Minha escola

Quando eu estava estudando ciências políticas, um amigo ia para a Alemanha visitar uma exposição que acontece por lá a cada cinco anos, chamada Documenta [uma das maiores mostras de arte contemporânea do mundo, acontece na cidade de Kassel]. Era a Documenta de 1972, de Harald Szeemann (1933-2005), um curador muito importante. Aquela exposição foi tão forte que ainda hoje eu conseguiria descrever certas salas. Fiquei tão mexida com aquilo que falei: “Eu preciso trabalhar com arte”. Eu não sabia nada, então, minha primeira exposição foi com artistas conceituais e pensei: “Gosto de arte, mas não entendo o que é essa arte conceitual”. Assim, a única maneira de entender era trabalhar com os artistas, porque meu gosto pessoal era diferente, mas nunca o coloquei à frente. Sempre o deixava para trás e tentava aprender.

Para mim, a arte foi, por toda a minha vida, e é um exercício de aprendizado. Prefiro aprender por meio da arte do que ir para uma universidade e estudar ciências. Então, para mim, a arte é uma escola. Nada mais do que isso. Cada exposição que faço é diferente porque, cada vez que faço alguma coisa, eu aprendo. Com esses filmes [de Interdependence], me aprofundei nas questões que envolvem as mudanças climáticas. Antes, não sabia nada a respeito. Tudo o que eu aprendo, eu compartilho.

 

Arte para o mundo

Minha vida pode ser dividida em dois períodos. Um é o período de arte contemporânea tradicional, no qual fui diretora de um centro de artes, de um museu, trabalhando para promover artistas. Não no sentido comercial, mas promover o trabalho deles e torná-lo acessível ao público em geral. O segundo é a Art for the World. O nome já diz: arte para o mundo. Isso significa que tudo o que fazemos oferecemos ao mundo. Nesse caso, não estamos promovendo artistas, estamos promovendo conceitos que tocam as pessoas. Conceitos e questões problemáticas por meio da arte. Dependendo do projeto, às vezes minha organização cria, faz curadoria de artes visuais, instalações etc. E, às vezes, faz cinema. De tempos em tempos, produzimos filmes, porque durante as exposições também produzimos vídeos, e do vídeo para o filme a distância é muito curta. Naturalmente, o cinema tem um público ainda maior. Mas com a arte também se pode alcançar as pessoas, e elas podem pensar, apreciar e até se curar, pois, para mim, a arte também é uma espécie de cura para a alma. Além disso, a arte e a cultura não são caras. Todos podem apreciá-las. Não é necessário comprar ou possuir uma obra para gostar de arte.

Assista ao filme Interdependence no sesctv.org.br

 

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