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Foto: Allan Richner
Foto: Allan Richner

ESCRITORA ANALISA ASPECTOS DO ENVELHECIMENTO

DA POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA

 

"Na minha infância os mais velhos de qualquer comunidade popular estavam em lugar de comando, de respeito”, recordou a escritora Conceição Evaristo, uma das principais vozes dos movimentos de valorização da cultura negra no país, na abertura da Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, realizada virtualmente pelo Sesc São Paulo, dia 15 de junho. Junto a outros dois convidados – Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional da Longevidade Brasil, e Alexandre Silva, doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) –, ela participou do debate Onde Mora a Violência, realizado pelo Sesc e disponível no YouTube do Sesc São Paulo (assista aqui).

 

 

Nele, a doutora em Literatura, que já foi professora da rede pública de ensino da capital fluminense, levantou questionamentos sobre violência e envelhecimento da população negra no país, bem como o papel da sociedade na construção de uma convivência harmoniosa entre famílias e gerações. “Colocar um indivíduo na situação de impotência é desacreditar que ele possa virar o jogo. Em vez de pensar esse preto velho e essa mãe negra como sujeitos passivos, (remetendo à escravização) eternamente gratos ao senhor, devemos mudar a chave de pensamento, considerando táticas de sobrevivência que as pessoas, mesmo velhas, são capazes de criar”, disse.

REMINISCÊNCIAS

O que nos chama a atenção em uma campanha desse tipo são as várias modalidades de violência que vemos, mas há uma violência marcada pela condição étnica, pelo fato de você ser negro e, por isso, experimentar historicamente a violência. Existe o discurso de que uma arma poderia combater a violência, o que é totalmente o contrário.

Infelizmente, quando pensamos na violência estrutural que rege a sociedade brasileira é preciso considerar que ela não nasce hoje. A violência se aprofundou ao longo da história. A origem está em países inaugurados sob o signo da violência pela própria colonização que se ergueu violentando comunidades naturais. Uma civilização que tem em sua estrutura a violência contra as comunidades naturais e a violência da escravização dos povos africanos.

MUDAR A CHAVE

Falando de sujeitos negros, de sujeitos pobres, há o imaginário em relação às pessoas mais velhas. Criou-se o imaginário, principalmente na literatura, do preto velho e da preta velha como sujeitos passivos. Num dado momento da assinatura da Lei Áurea, esses sujeitos eram conhecidos na literatura  como “pai João”, identificados pelo estado de gratidão e passividade em relação ao senhor.

Esse imaginário é criado a partir da impotência que os sujeitos escravizados experienciavam ao envelhecer.  Colocar um indivíduo na situação de impotência é desacreditar que ele possa virar o jogo. Em vez de pensar esse preto velho e essa mãe negra como sujeitos passivos, (remetendo à escravização) eternamente gratos ao senhor, devemos mudar a chave de pensamento, considerando táticas de sobrevivência que as pessoas, mesmo velhas, são capazes de criar.

 

SE PENSARMOS NA LONGEVIDADE,

QUAIS SUJEITOS PODEM COMEMORÁ-LA?

 

QUE FUTURO?

Por outro lado, na questão da violência contra os idosos, considerando que a expectativa de vida aumenta, cito a frase de Déa Januzzi: “A velhice é uma conquista e não uma tragédia”. Os velhos e velhas podem entender a velhice como uma conquista? Para quem sofre violência, o envelhecer não é uma conquista, mas sim uma tragédia. Se pensarmos na longevidade, quais sujeitos podem comemorá-la? Quais são os grupos sociais que podem pensar nesse futuro?

Se considerarmos uma pessoa de 60 anos como idosa, veremos mulheres nessa faixa etária trabalhando em serviços domésticos ou em empresas de limpeza, o que é uma forma de violência permitida pela sociedade. Na minha infância, os mais velhos de qualquer comunidade popular estavam em lugar de comando, de respeito. Hoje, até que ponto os velhos desses grupos sociais mantêm tal autoridade?

 

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