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Habitar Palavras: Luana Souza

Somente uma carta

Olá! Está tudo bem? Espero que sim, eu quero lhe contar algumas coisas que aconteceram depois que você viajou, falar sobre as mudanças ocorridas no ambiente, acredito que não terá muitas surpresas, bom! As roupas que eu deixava sobre a cama de forma toda desorganizada, agora estão indo para o cesto de roupa suja, sei que aquela bagunça a deixava muito irritada.

Depois comecei a observar a casa, e fui tomada por um espírito de metamorfose como nos momentos em que se quer tirar as coisas de um lugar e colocar em outro. Então, resolvi descer ao centro da cidade e fazer umas comprinhas. Vi num bazar, uma garrafa de vidro cor-de-rosa e lembrei que as garrafas de água da geladeira são de refrigerante; imaginei que você amaria ter garrafas novas. Não pensei duas vezes! Comprei-as. Andando pelos corredores da loja, vi um porta retrato e lembrei que encontrei uma foto antiga de um passeio que fizemos; logo, conclui que o objeto ficaria perfeito sobre a estante da sala, afinal, não queria esquecer aquele momento tão bom. Em seguida, continuei andando e encontrei, nas prateleiras, uma linda xícara de porcelana, decorada com tema de café da manhã e de repente relembrei-me do hábito que você tem de tomar o café no meu copo de plástico. Este seu costume deixava-me brava, especialmente, porque o copo pegava o cheiro da bebida. Olhei para a xícara novamente e pensei que seria bom comprá-la.

Enquanto estava na loja, vi a Dona Marina, a nossa antiga vizinha, começamos a conversar e, quando percebi, já tinha se passado uma hora, despedimo-nos e combinamos de conversar mais em outro momento. Ao sair do estabelecimento, caminhei para o carro e, antes que chegasse nele, abaixei-me para pegar um folheto de uma escola que oferecia curso de francês. Fiquei tentada em fazer a matrícula, mas já tinha gasto muito e precisava controlar o dinheiro, a crise está grande! Mesmo assim, guardei o folheto, quem sabe as coisas não fiquem melhores.

Fui para casa, tomei um banho e coloquei as roupas para lavar, não podemos bobear, não quero ficar doente. Resolvi sentar no sofá, liguei a televisão e assisti ao filme de que você gosta “Os três homens em conflito”, ri em várias cenas; se você estivesse aqui, sei que riria também. Depois que terminou o filme, fui para o quarto descansar. Agora que você está fora, coloquei ar condicionado no quarto, sei que você não gosta, mas não aguento mais passar calor. Tive uma noite tranquila de sono, até sonhei com você. No dia seguinte, levantei-me e observei que a ração do gato estava acabando, se não fosse a sua viagem, você já teria falado para ir ao mercado comprar. Depois que tomei meu café já sai para ir comprar.

No fundo sei que você nunca lerá esta carta, sei que sua viagem não terá volta, mas fico imaginando o que diria de todas essas coisas. Não foi fácil acompanhar os seus últimos dias no hospital. Sabia que lhe faltava ânimo para tudo, todos procuraram fazer o melhor, mesmo que não adiantasse muito. E assim foram as últimas conversas, as últimas carícias, o último “eu te amo” este o mais duro de todos, mas isso é somente uma carta.

  

O Tempo

Eu estava pensando na vida e fiquei triste, porque não havia construído nada de importante, nada que, realmente fosse significativo. Então, levantei-me, arrumei minha mochila e resolvi fazer uma viagem. Nela queria descobrir a morada do Tempo e, quando descobrisse sua residência, bateria na porta e o chamaria para uma bela conversa. E assim fiz, separei as peças de roupa e um calçado. Andei sem rumo por horas e horas, parei perto de um riacho para me refrescar e descansar um pouco.

Sentei-me e vi um cachorro com a perna quebrada e fui acudir o pequeno animal que estava magro e com os pelos desgrenhados. No primeiro momento de aproximação, ele teve medo e se afastou, mas acabou permitindo que chegasse perto. Tirei da minha mochila uma bolsinha de primeiros socorros, arrumei um graveto e enfaixei a perna do cão, falei: O que será que fizeram com você? Estava ficando tarde para continuar a caminhada; então, montei a barraca e acendi uma fogueira para me aquecer. O cachorro ficou tão agradecido pelos cuidados que permaneceu comigo a noite toda. Pela manhã, desmontei a barraca e continuei minha jornada, agora com a companhia de um cachorro, mas não poderia deixar que aquele animal me acompanhasse pelo caminho mancando. Tirei uma blusa de dentro da mochila, enrolei em meu corpo e depois coloquei o bicho enrolado em mim, como se fosse um bebê. Olhei para ele e dei-lhe o nome de Pequeno, porque era um cão de porte franzino.

Então, eu e Pequeno já estávamos com fome e decidi passar no mercado para comprar comida. Terminei minhas compras e vi que uma senhora não conseguia carregar as compras e ofereci-me para ajudá-la no transporte até sua casa. Depois que fiz isso continuei meu caminho e, durante meu percurso, presenciei um acidente de moto. Fui ao encontro da vítima que não se mexia e, com a permissão dela, chamei o resgate através de seu celular. Aguardei o resgate chegar e me despedi da vítima, já estava cansado e ainda não tinha encontrado o Tempo. Vi uma igreja com uma torre e um relógio. Entrei para orar e, enquanto fazia a minha prece, ouvi o sino soar. Abri meus olhos e notei que havia uma escadaria, ela levava à torre da igreja. Resolvi subir as escadas e, quando cheguei lá no alto, vi um senhor e perguntei pelo seu nome:
- Quem é você?
- Sou o Tempo, em que posso te ajudar?
- Por que me fez andar tanto tempo de forma inútil? Não fiz nada de importante. Então o Tempo respondeu:
- Você está vendo o Pequeno? Eu o coloquei em seu caminho, porque sabia que ele estaria em boas mãos, e prosseguiu:
- Lembra da senhora que ajudou no mercado? Ela estava precisando de sua companhia, naquele dia, ela iria se jogar da ponte e sua presença impediu que isto acontecesse; já o motociclista ficaria por horas sem socorro se não tivesse passado por lá. Como você ousa dizer que não fez nada de importante? Fiquei sem palavras, desci da torre e voltei para minha casa. Agora tenho uma nova companhia, o Pequeno. Passaram-se dias, e refiz o caminho da minha viagem e, para minha surpresa, a igreja não estava lá, entendi que o tempo não tem residência fixa, sua morada é o percurso de nossas ações.    

Vazio

Oh Morte!
Tu deixaste
Meu coração
Em pedaços
    
Carregaste
Contigo alguém
Muito estimado

Quem és tu
Para dividir
Minha alma
Ao meio
Sem pedir
Permissão?

Abaixe tua
Foice!
Pare de agir
Com crueldade
Afaste-se da
Humanidade
E tenha
Piedade.

Depressão!
Pare de fazer
Pressão
Minha mente
Já não suporta
Mais a escuridão
Afasta te de mim
Leve para ti
Toda a tristeza
E dor

Dias nublados,
Lágrimas escorrendo
Coração ardendo
Saudade batendo

Em meus sonhos
Converso
E escuto
O meu amor.

Meu conforto é
Dormir

 

 

 

Sobre a autora

LUANA MARIA BARBOSA DE SOUZA nasceu em Ourinhos e vive atualmente em Birigui, interior paulista. Graduou-se em Pedagogia e Letras pela Uniesp, fez Pós graduação em A Produção de Texto na Escola pela Fateb de Birigui e Pós em Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade Campos Elíseos. Seu primeiro trabalho escrito foi o livro infantil O Sol não quer brincar e o segundo A Linha, ambos pela editora Pindorama. Em trabalho conjunto com outros autores escreveu o livro ‘Vôti’, uma coletânea de poesias. Atualmente, segue desenvolvendo outros trabalhos escritos, o que é a sua paixão.

 

Habitar Palavras - Biblioteca Sesc Birigui

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