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Para ler quando não mais precisarmos de encontros virtuais

Encontro 3. Do Teatro ao Zoom. Do Zoom ao Teatro.


O Teatro, com a sua experiência de portas fechadas - uma quase morte - tal qual uma árvore como o ipê, tenta produzir o máximo de sementes para se manter vivo. São várias as sementes que coletamos no processo do Entreato. Uma delas é a dramaturgia escrita para essas janelas do Zoom. É preciso deixar registros sementes do que vivemos. Sementes para voltar a florir. Florir em um palco, nas ruas, nas telas de um computador, ou onde mais o teatro ocupar.

Os experimentos cênicos e as reflexões que nos foram apresentadas anteriormente eclodiram as metáforas que foram fonte de linhas e linhas de uma dramaturgia. A dramaturgia deste momento. A dramaturgia das janelas do Zoom. A dramaturgia do Entreato.  Dramaturgia semente.

Percorremos o caminho nada linear das metáforas ao texto, e, do texto às metáforas.


“O apartamento segue fechado há meses. Tudo está em seu lugar, e há meses não saio de casa. Não sinto cheiro das ruas. Não sinto cheiro de nada que não seja de mim mesma. Nua, eu me levanto da cama, ajeito o escafandro, busco o chinelo com os pés, que estão dançando perdidos pelo chão. Neste tempo de solidão tenho me perdido inteira.

Num tempo de meses anteriores

Eu, escafandrista, reclusa, mergulho profundamente na minha história. Desço às profundezas de um armário emperrado de tanta coisa guardada dentro dele há tanto tempo. Imersão profunda. Desencontros de mim levaram-me ao encontro da sereia.”


As nossas janelas virtuais mais pareciam pequenos aquários acolhendo a leitura coletiva desta Dramaturgia semente. No texto, uma escafandrista, um menino, um pai sereia, sirene, relógio, rachadura e um ipê. Os escritos das quatro dramaturgas na boca dos nossos oito atores. Cada um a seu tempo.


“Meu pai esteve lá, acompanhando todo o trabalho de parto. Nadando, subindo a superfície e respirando. Matematicamente calculando a dilatação e contração.

Não me viu sair das entranhas de minha mãe. Não me viu espirrando para fora do casulo, ovo.

Foi acordar a cidade. Não era possível perder o fio do tempo. Ele tempo.
Ele relógio. Ele pai. Ele a sirene que acorda a cidade que dorme. Ele o homem do tempo que aperta o botão do despertar às sete horas. Ele homem da sereia que canta.
Ele sereia.”


Oito vozes devorando nossas palavras, criadas após a observação dos pequenos experimentos em vídeo de cada ator, no encontro anterior. Somados à exercícios de escrita, reflexão, reescrita e opção. A opção muitas vezes não nos dá a certeza de que necessitamos.  Literatura ou dramaturgia? As duas coisas? Talvez.
 

“Oi, você diz, e sorri. Não te escuto palavra, mas te vejo dizer. Oi. E me estende uma flor amarela, como essa folha amarela clandestina que chegou por debaixo da porta e que eu não tenho coragem de ler. Oi. E ergue no ar essa flor amarela de ipê, pequena, e tão amarela, e que eu não alcanço daqui. Uma flor amarela entre os seus pequenos dedos enrugados. Uma criança de oitenta anos, à sombra de uma árvore que floresce depois do inverno que a maltrata.”


Das certezas que temos e não abrimos mão: flertamos com a poesia!


“Eu dancei,

preenchi meus dias num compasso

três por quatro,

em andamento moderado,

que era para não tropeçar.

Eu convidei

o tempo para uma valsa

mas não o deixei me conduzir

quem guiou a dança fui eu...”

 

Nós, artistas de Teatro, ansiamos por florir nos palcos! Este texto semente, em cena com plateia ao vivo, colheria frutos, certamente. Explodi-lo no Zoom, por meio de um jogo rápido, nos permitiria perceber sua potência cênica online. Foi então que, com apenas alguns minutos de preparação, as vozes dos atores atreladas aos seus corpos, nas janelas aquários, nos revelaram cenas possíveis com o texto.

As apresentações aconteceram na ordem da dramaturgia. Tal qual uma colcha de retalhos, os experimentos sem fala, foram se costurando aos que propunham texto e movimento, luzes desenhadas, ou aos que traziam sons diversos do ambiente. Teve quarto, cozinha, banheiro, quintal, câmera desligada. Espelho, planta, flor, máscara e música!  Teve escuta das nossas palavras! Sim. Esses coletivos nos leram e se entregaram ao jogo das palavras que trouxemos. Dramaturgia tão nossa!

O que esperar para um próximo encontro? Que os atores, tendo um pouco mais de tempo de se entregarem ao jogo já começado, se divirtam e tragam um experimento cênico com o texto, que consideramos finalizado, para, assim, encerrarmos esse processo bonito.

Nossa cápsula do tempo terá muita história pra contar!


Juliane Pimenta
NED- Núcleo de Experimentos em Dramaturgia

 

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ATELIÊ COLETIVO ONLINE: RELATOS

O texto que você acaba de ler integra a programação do projeto Cenas Centrífugas: Entreato do Sesc Santo André.

Enquanto a segunda edição do projeto Cenas Centrífugas permanece suspensa por conta da pandemia causada pela Covid-19, os grupos convidados se encontram para refletir sobre o teatro no contexto atual e para experimentar possibilidades do fazer teatral no meio digital.

Por meio de relatos textuais, o NED (Núcleo de Experimentos em Dramaturgia) apresenta para o público perspectivas sobre a experiência de realização do Ateliê Coletivo Online. Ao longo dos dois meses de encontros, o Núcleo, que orientará a Cia. do Flores, a Cia. do Tijolo e o Coletivo Menelão, produzirá semanalmente um relato sobre essa aventura cênica no campo digital.