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A música e seus caminhos

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Eu me lembro bem das primeiras semanas da pandemia, quando comecei a entender que a coisa era séria, que não era algo que ia passar em um mês, que estar junto com as pessoas não seria uma possibilidade por um bom tempo. É importante explicar: meu trabalho envolve estar junto com as pessoas, e fazer música com elas, grupos de 20, 50, 100, 200, 1.000 pessoas.

A primeira reação foi medo, afinal esse é o meu propósito, é isso que eu sei e amo fazer, se não puder fazer isso eu sirvo pra quê? Lembro de pensar que talvez nesse “novo normal” eu não servisse para nada, lembro de como isso me assustou... Ao mesmo tempo eu sabia que as coisas mais incríveis acontecem quando a gente se coloca a serviço de algo importante e necessário. Comecei a olhar para fora, a imaginar que talvez outras pessoas estivessem sofrendo com o isolamento e a incerteza, sem tocar, sem abraçar, sem estar junto. E me perguntei: qual a contribuição, mesmo que pequena, que eu posso dar?

A resposta estava menos em “mim” e mais em “nós”. Decidimos nos encontrar virtualmente, eu e as pessoas que participavam dos cursos de canto do Centro de Música do Sesc Vila Mariana, que estavam isoladas em casa, algumas totalmente sozinhas há semanas.

No primeiro encontro só nos escutamos sobre como cada um estava lidando com esse desafio, algo tão simples, mas que fez toda a diferença, porém além de estar juntos queríamos também cantar juntos.

Minha primeira tentativa de conduzir um encontro musical pelo virtual foi frustrante, a sensação foi de que “não era a mesma coisa”, aquela mesma coisa que eu sabia fazer e gostava de fazer. Refletindo sobre o encontro percebi que de fato não fazia sentido querer viver no virtual o que estávamos acostumados a viver no presencial, o caminho era aceitar essa “outra coisa” e encontrar sua potência, descobrir o que a gente ganha por estar nesse meio, mas para isso eu precisava aprender, me reinventar, precisava abraçar o novo.

De lá pra cá foram horas assistindo a vídeos tutoriais, lendo artigos, encontrando as melhores configurações para computador, placas de som, microfones, webcam, loopstation, controlador midi etc.; estudando e experimentando softwares de áudio, edição de vídeo, apps diversos; pesquisando ferramentas como Zoom, Google Drive, YouTube e outros; preparando áudios, vídeos, textos, links...

A cada semana eu e os participantes descobríamos juntos novas experiências e aprendizados que o meio virtual propicia. A conexão e o senso de comunidade que o cantar junto cultiva se manifestavam também ali na tela, e ao mesmo tempo o estudo individual era muito potencializado pelas ferramentas que usávamos. Vivemos coisas que nunca havíamos vivido antes, chegamos a resultados incríveis, crescemos, aprendemos e nos fortalecemos, enxergamos com clareza como é importante, especialmente em momentos como esse, nos reunirmos para trocar, para nos apoiar e para cantar juntos.

Eu não vejo a hora de estar junto presencialmente cantando e criando música, é uma experiência única, especial e insubstituível, mas é impensável voltar para as coisas como elas eram. O virtual abriu possibilidades incríveis das quais o presencial vai se alimentar e, além disso, nós do projeto do Centro de Música do Sesc sempre vamos lembrar desses tempos incertos quando sentirmos na pele que, assim como a flor que rompe o asfalto, a música, que é da essência do humano, sempre encontra um caminho.

 

Zuza Gonçalves é graduado em Música (curso de Composição e Regência) e educador do Centro de Música do Sesc Vila Mariana.

 

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