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Juventude pragmática
por Waldenyr Caldas

Há um ano e meio sou diretor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, onde estudam 3600 alunos de graduação e 720 de pós-graduação. Além de administrá-la, tenho pesquisado sobre o que chamo de cultura lúdica no Brasil. Estou trabalhando com um trinômio: o futebol, a telenovela e a música. Na verdade, quero provar que o produto cultural mais popular no Brasil não é a música nem o Carnaval nem o futebol, mas sim a telenovela. Um indício desse fato é que 40 milhões de pessoas em média vêem, todos os dias, telenovela no Brasil; enquanto a cada dia mingua o número de torcedores nos estádios de futebol. Eventualmente, a televisão transmite o futebol e o número de espectadores tem diminuído também. Estou preocupado com essa reciclagem da cultura lúdica no Brasil. A telenovela, hoje, é soberana em termos de audiência.
Outro projeto que estou finalizando é uma análise sociológica da época da jovem guarda. Existem alguns trabalhos sobre a jovem guarda muito bem feitos, mas apenas informativos. Um material que trouxesse uma reflexão foi elaborado, muito rapidamente, por José Miguel Wisnik - um trabalho de coleção sobre cultura brasileira. Dedico-me a esse projeto desde 1999 e pretendo terminá-lo até outubro deste ano.
Em termos administrativos, mantenho contato com o professor Máximo Carevatti, da Universidade La Sapienza, de Roma. Durante dois meses, ele ministra aulas aqui e eu lá. Isso acontece duas vezes por ano, uma no primeiro semestre e outra no segundo.

Os alunos da ECA
Os alunos de hoje são muito diferentes daqueles da minha época de estudante. Na verdade, quase que o oposto, e isso não é somente na ECA, mas em toda a universidade. Tenho contato com as faculdades de Ciências Sociais, Economia, Poli e outras, e vejo que essa diferença se estende por toda a USP. A diferença é que na minha época havia o estudante politizado, principalmente da USP. Durante a ditadura, enfrentávamos o autoritarismo nas ruas e dentro da universidade, dávamos a cara para bater e dificilmente não apanhávamos. Era uma época em que estudávamos não apenas do ponto de vista acadêmico, mas também havia o prazer de estudar fora da universidade. Eu fazia parte de um grupo, no qual também estava José Dirceu, que se reunia no meu apartamento, na avenida Nove de Julho, para estudar marxismo, Lêenin etc. Ou seja, tínhamos o prazer da politização independentemente do aspecto acadêmico, no qual tínhamos de ler todos os teóricos. Por isso, formávamos grupos de estudo, que funcionavam porque sempre havia um líder, que em geral era alguém um pouco mais velho e que organizava leituras e debates.
Hoje o aluno universitário tem um pragmatismo compatível com a realidade sociopolítica do país. Como existe uma democracia, não precisamos dar murro em ponta de faca. Mas quando digo que o país se democratizou, é preciso lembrar a infeliz/feliz resposta do presidente Geisel a uma pergunta feita em 1974, na Alemanha, sobre a existência de uma democracia no Brasil. Ele disse "existe uma democracia relativa". Todos caçoaram dele naquela época, mas se pensarmos bem, é verdade: vivemos uma democracia relativa. Existe liberdade de expressão, mas a divisão da riqueza não é democrática. Contudo, hoje, o aluno não precisa dar murro em ponta de faca, como eu já disse. Ele entra na universidade pensando na sua profissionalização; tanto faz se é um aluno da Faculdade de Ciências Sociais, que era um reduto de jovens extremamente politizados, ou da ECA ou da Poli. Aliás, a ECA é, hoje, fundamentalmente uma escola de profissionalização. Existe um único departamento que fornece uma base de cultura geral; nos outros, a ordem é profissionalizar, seja no teatro, no cinema, na rádio e televisão, no jornalismo, na biblioteconomia, na música, nas artes plásticas... Isso não é diferente na Faculdade de Letras, onde as pessoas entram, realmente, com a intenção de serem tradutores, intérpretes, professores ou terem outra profissão em que possam utilizar o idioma que estão aprendendo. Desnecessário dizer que assim é igualmente na Faculdade de Economia e Administração ou na Poli.
Atualmente, a USP tem um caráter altamente profissionalizante, mas não perdeu o caráter reflexivo. No entanto, é uma minoria que deseja se tornar cientista ou pesquisadora.
Há uma parte da geração dos anos de 1960 - José Serra, Zé Dirceu, Genoíno e o próprio presidente da República - que num certo momento foi de esquerda, principalmente por uma convicção das leituras e pelo contexto internacional. O mundo vivia uma transformação muito grande, não só do ponto de vista político mas também cultural, haja vista o movimento da contra-cultura. Porém, tão importante quanto isso é saber que nós, jovens daquela época, tínhamos um ideal político porque fomos, também, compelidos. Afinal, o contexto político internacional, e o Brasil estava inserido nele, quase que nos dirigia para uma posição de esquerda - diria que mais radical que a atual, mais radical que a mais radical ala do PT, do PC do B ou do PSTU. Mas independentemente disso havia a convicção plena de que o país precisava mudar, ou seja, havia a luta contra a ditadura. Porém, no decorrer do tempo, depois que se percebeu que a queda da ditadura era inevitável, não fazia mais sentido continuar com o mesmo radicalismo. Seria uma insensatez. Seria como se ainda hoje mantivéssemos a ideologia radical dos anos 1960.
A realidade política do país mudou, o contexto internacional é outro, o muro de Berlim caiu... Não é mais possível fazer uma leitura marxista de tudo, ideologizar tudo como naquela época. Concordo plenamente com o que disse o presidente FHC: "esqueçam o que eu escrevi". Ainda que ele, na verdade, não tenha dito exatamente isso. Ele falava sobre o livro que havia escrito a respeito da dependência cultural na América Latina, ele não se referia a todo o seu pensamento. Depois que a ditadura militar desapareceu houve um desencanto. As pessoas de esquerda não sabiam mais contra quem lutar. Elas deveriam se reciclar. Tudo bem que queiram lutar contra a justiça social, mas sem armas. Podemos tomar o poder no Congresso e na Câmara Federal, assim como José Dirceu, Genoíno e outros colegas. Acabamos com a ditadura, agora é hora de lutar com outras armas, que sejam reconhecidas pelo stablishment."