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Tudo no mundo começou com um sim

Clarice Lispector [A hora da estrela]

 

O tempo, esse grande escultor1. O tempo que gera a vida, mas que também a consome. O tempo necessário à construção da confiança.

O tempo para habitar a nossa história, em vez de sermos apenas habitados por ela. O tempo para o deslocamento de um lugar conhecido para um lugar ainda por conhecer.

Quando o Sesc completou 50 anos, em setembro de 1996, eu estava há um ano e meio na instituição. Era o iniciozinho da história da internet. Poucos sabiam do que se tratava e qual seria o caminho a seguir. Um mundo novo estava se descortinando ali.

Depois de muitos anos trabalhando nas redações da TV Globo e Record e recém-saída da Editora Abril, disse adeus ao tempo devorador dessas redações e atravessei um portal: mergulhei no modo de pensar, sentir e agir do Sesc. No tempo do Sesc. Lendo a Revista E nº 1, lançada em julho de 1994, reconheci a efervescente inquietação que eu vivia nos shows e na área de convivência do Sesc Pompeia. E, ao participar das reuniões de pauta da revista, me encantei com o universo da cultura viva que pulsava ali.

Disse sim à diferença. Inquieta e fascinada com o processo de feitura da revista, recebi em 1995 a missão de trilhar o caminho para levar o Sesc para a internet. Junto com Cristina Tobias, colega da gerência de artes gráficas, imergi numa série de oficinas práticas e teóricas sobre internet. Aos poucos fomos nos aproximando de uma novíssima concepção de conteúdo próprio do ambiente www. Em setembro de 1996, foi publicado o primeiro site do Sesc São Paulo, hospedado na Fapesp. Era o tempo da internet discada e lenta e, um pouco por minha paciência e outro tanto pela paixão que aquela nova linguagem despertava em mim, disse sim ao desafio.

Desbravar caminhos desconhecidos exige tempo, confiança e gosto. Entusiasmada, convidava chefe e colegas para ver os sites que surgiam. A reação era quase sempre a mesma: “agora não dá, estou trabalhando”. Apelei para minha mãe. Afinal, imaginava eu, havia chegado o tempo de encantá-la com o meu trabalho: “Ai, minha filha, não consigo controlar esse negócio (o mouse) e não aparece nada!”

Quando fui ao primeiro congresso da revista internet World Brasil, conheci – no powerpoint – as promessas milionárias do e-commerce. Certamente não era por ali que o Sesc encontraria seu caminho. Seguimos e outras possibilidades se formaram e o desafio ficou imenso: desenvolver softwares interativos que levassem para a Rede o conteúdo das programações das unidades, com o fiel propósito de ampliar o público do Sesc para a dimensão sem fronteiras. Partimos para parcerias com artistas e pesquisadores da internet e, em 1999, encontramos as soluções para realizar o que almejávamos: a “unidade virtual” do Sesc São Paulo. Exposições temáticas foram adaptadas para internet, propiciando a experiência “sesquiana” no ambiente digital. Criamos os sites “Mitos que vêm da mata”, “Procure sua turma”, “Por quê, Pra quê?”, “Paisagem 0”, “Brincadeira de Papel” e “Edgar Morin”, entre outros tantos totalmente interativos.

Os desafios, como o tempo, não param. Pouco a pouco construímos o site como ele é hoje, incluindo a compra online de ingressos, inscrições em cursos, agendamento de consultas odontológicas e de visitas em exposições. E então veio a pandemia que, com sua proporção avassaladora e o necessário isolamento social, firmou a era digital. Mas ela nos encontrou fortes, firmes no propósito de reunir e democratizar o acesso aos bens culturais. Realizada, posso enfim encarar os novos tempos que me chamam e dizer sim a desafios ainda maiores. Parodiando Clarice, tudo pode começar com um fim.

 

Malu Maia é jornalista e psicanalista, editora de conteúdo digital do Sesc.
1  Título do livro de Marguerite Yourcenar

 

 

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