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Uma cartografia de aproximações sucessivas

Mapa de todas as iniciativas do projeto Cartografias Possíveis (Mapa de Bruno Muller)

Descrição da imagem: Imagem horizontal, cor de fundo amarelo, com escrito “Cartografias Possíveis” no canto superior esquerdo. A imagem ilustra um mapa com as cidades onde as iniciativas convidadas estão localizadas. De cada cidade partem linhas retas e círculos demonstrando as ligações entre os municípios e os raios de atuação de cada iniciativa. Fim da descrição da imagem.

 

Por Cibele Mion do Nascimento*, Luiz Eduardo Benini** e Suianni Cordeiro Macedo***

Compreender um lugar é esmiuçar o que nele acontece para além do que se vê. É um exercício de visitar e revisitar o espaço para percebê-lo como arranjos de coisas, gestos, paisagens, pensamentos, permanências e inconstâncias que nos dizem sobre as pessoas que ali estão, seus modos de fazer e pensar no mundo. Cartografar as linhas desses possíveis é desenrolar as histórias que identificam o território: partes interconectadas e desconectadas que se organizam e se desorganizam permanentemente.

Cartografias Possíveis, projeto de Sesc Bauru, iniciado no segundo semestre de 2020, partiu do desejo de escuta do lugar. Para tanto, a metodologia desenvolvida precisou atender às solicitações de um espaço movente e à observação atenta de um contexto bastante adverso: distanciamento físico e aumento das desigualdades sociais. No tempo presente, as implicações da pandemia de Covid-19 e da condição de vulnerabilidade acirrada transformaram os elos que conformam os territórios, tornando-os mais imprevisíveis e, na maior parte das vezes, mais precários. Conhecê-los demandou acionar, por meio de aproximações sucessivas, os elementos que pudessem apontar as potencialidades dos agentes, bem como as suas fragilidades.

Com a proposta de construir ações colaborativas a partir de iniciativas e atividades de agentes socioculturais de Bauru e cidades da região, o projeto adotou diferentes ferramentas de pesquisa: a difusão de um formulário on-line, a realização de um fórum e a criação de um documentário e um zine virtual. Este trabalho de reconhecimento, feito em camadas interconectadas, foi o meio pelo qual se tornou possível concretizar o principal objetivo do projeto: identificar as redes que conectavam as iniciativas da região e mobilizar novos arranjos por meio das ações do próprio projeto, fazendo ele funcionar como mais um ponto na trama já existente. 

 

 

O formulário on-line serviu para que projetos (individuais ou coletivos) com atuação em ações de interesse colaborativo, por meio de práticas educativas ou de pesquisas, como artesãos, artistas, assistência social, esporte, meio ambiente e saúde, pudessem registrar as percepções sobre si e sobre o contexto da pandemia, na tentativa de aproximação com os demais agentes sociais. O questionário não indicou os limites espaciais prévios, mas, a partir dele, se consolidou a extensão geográfica do projeto, chegando a 91 iniciativas de diversas áreas de atuação.

“Seguimos aquilombados virtualmente”. Paulo Guerra (contramestre Tico), do Angoleiros do Sertão | Bauru – SP, durante o “Fórum Cartografias Possíveis: invenção de realidades socioculturais durante e após a Pandemia”.

O documentário, o Fórum e a publicação digital, por sua vez, foram concebidos para agirem como etapas seguintes de aproximação e como mecanismos de ativação dos eixos centrais do Cartografias do Possível: território, cultura e saúde. Ao todo, essas ações mobilizaram 22 iniciativas de seis cidades da região. Cada parceiro foi convidado a se aproximar trazendo consigo a sua rede e ensaiando novas costuras entre as já existentes.

A premissa geral que agrupava os projetos convidados foi a de que cada uma das redes funcionava como ferramenta para auscultar o lugar do qual o Sesc Bauru também é parte. Essa premissa orientou, por um lado, a curadoria dos agentes, que foram escolhidos pelas suas experiências em atuar em rede e por centrarem suas ações em propostas transversais (temas, modos de fazer e de criar, públicos etc.).

GIF dos mapas das iniciativas convidadas para o Fórum e suas respectivas redes de atuação (Fontes: Mapas de Bruno Muller)

Descrição da imagem: Imagem com animação, formato quadrado e cor de fundo amarelo. Com desenho de pontos, linhas retas e sinuosas, forma-se um mapa que mostra as áreas de atuação das iniciativas convidadas para o Fórum “Cartografias Possíveis: invenções de realidades socioculturais durante e após a pandemia”. Fim da descrição da imagem.

 

Por outro lado, para escolher as ações concretizadas, apostou-se nos diferentes linguagens e formatos que mobilizariam modos de escuta e ativariam formas de conexão distintos. Em todas as etapas, cada iniciativa teve a liberdade da escolha de seus representantes e estimulou-se que fossem vozes diferentes, justamente para ampliar os repertórios e os conteúdos debatidos. Reconhecer a diversidade de atuações, de formas de fazer e de pensar, criou reverberações ao longo de todo o projeto.
 

Fórum Cartografias Possíveis

Angelo Diogo Mazin, do Assentamento Luiz Beltrame de Castro | Gália – SP, durante o “Fórum Cartografias Possíveis: invenção de realidades socioculturais durante e após a Pandemia”  (Foto: Arquivo Sesc Bauru)

Descrição da imagem: Imagem horizontal, cor de fundo amarelo, com título Fórum Cartografias Possíveis centralizado no alto com datas. Ao centro, imagem de Diogo Mazin que usa boné vermelho do Movimento dos Sem Terra e está dentro do carro. Fim da descrição da imagem.

 

O “Fórum Cartografias Possíveis: invenção de realidades socioculturais durante e após a Pandemia” apostou em reflexões coletivas e articulações em rede, a partir do compartilhamento de práticas e pensamentos entre as iniciativas. Ao protagonizarem e trocarem experiências entre eles, os representantes puderam revisitar suas trajetórias (diagnósticos) para conceber futuros possíveis (invenções). Nos cinco dias do evento, os temas Identidade, Comunidade, Saúde, Criatividade e Território fizeram parte de debates cíclicos, com o tema de um dia se conectando ao tema do dia seguinte, bem como o último voltando ao primeiro, numa espécie de ciranda.

“O sistema fratura. Que tipos de pontes podemos criar para que esses grupos se emancipem?”. Angelo Diogo Mazin, do Assentamento Luiz Beltrame de Castro | Gália – SP, durante o “Fórum Cartografias Possíveis: invenção de realidades socioculturais durante e após a Pandemia”.


Outras ações digitais

O documentário e o zine virtual tiveram em comum o fato de serem criados por coletivos da rede, que escreveram, conversaram e refletiram sobre outros projetos. Ainda que carreguem proximidades entre si, o formato de cada intenção corresponde a uma particularidade.

O documentário possibilitou uma aproximação entre a equipe de criação e as iniciativas em si. Por meio dele, foi possível conhecer seus representantes e seus espaços, ressaltando o quanto cada um deles legitima suas atuações, além de estabelecer vínculos entre pontos da rede antes dispersos, traçando conexões no plano do vídeo com potência para se dobrarem sobre o território.
 


 

Já o E-Zine, reúne textos inspirados nas entrevistas realizadas pelo coletivo responsável pelas iniciativas convidadas no projeto. Das conversas registradas, emergem também os fluxos espaciais no tempo presente; a publicação digital, como forma inventiva, funcionou como uma memória do lugar reencontrado ao longo do projeto, diferente do ponto de partida e que gesta arranjos ainda inexistentes.

“Eu penso a partir de alguém, a partir do pertencimento, a partir da comunidade. Sozinho, eu chego mais rápido, mas com vocês eu chego mais longe”. Lilian Pires, do Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros Jaú/SP, para o Documentário Cartografias Possíveis.

Cartografar os possíveis foi, portanto, o acompanhar desses processos, seguindo seus fluxos. Porém, identificar os percursos pelos quais o território se constitui é também envolvimento; a cartografia implica participação. Assim, o projeto Cartografias Possíveis partiu da premissa de coimplicação e de reconhecimento das interações entre os agentes já existentes, ao mesmo tempo, um movimento de criação de novos encontros.

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Para ampliar possibilidades de trocas de conhecimentos e práticas entre as pessoas e coletivos envolvidos e interessados no tema, o Sesc São Paulo realiza de 1º a 15 de agosto o projeto Territórios do Comum, ação em rede voltada ao tema da cidadania em suas múltiplas dimensões e possibilidades de colaboração entre iniciativas sociais. 

A programação está dividida em dois eixos: mobilização social, que aborda estratégias de desenvolvimento de ações comunitárias voltadas para o bem comum, para a geração de renda, acessibilidade a pessoas com deficiência e sustentabilidade; e tecnologias sociais, que buscam ampliar a inclusão social por meio da utilização de tecnologias digitais e ancestrais, para alcançar a melhoria das condições de vida levando em consideração aspectos sociais, ambientais e culturais do contexto local. 

Para saber mais e acompanhar a programação completa, acesse: sescsp.org.br/territoriosdocomum
 

*Cibele Mion do Nascimento é graduada em Arquitetura e Urbanismo. Atua como animadora cultural na área de Educação para Sustentabilidade no Sesc Bauru.

**Luiz Eduardo Benini é graduado em Educação Física e mestre em Aspectos Socioculturais do Movimento Humano. Atua como monitor de esportes no Sesc Bauru.

***Suianni Macedo é doutora em Educação. Atua como animadora cultural no Sesc São José dos Campos.