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Dos palcos às telas: a realização da Mostra Sentidos no contexto do distanciamento social

Por Camilo Cazonatto | Eduardo Lopes Salomão Magiolino | Fernanda Dorazio | Gabriel Alarcon Madureira | Gabriela Tufanin Evaristo | Jacy Helena Almeida Silva | Mariani Gasperini Nunes Bernardes | Mauro Lucas | Sandra Regina Feltran

 

Introdução

O programa Trabalho Social com Idosos (TSI) teve seu início em 1963 no âmbito das ações do Sesc São Paulo, emergindo como referência pioneira e paradigmática no desenvolvimento de programações socioeducativas voltadas especificamente para as pessoas idosas. Em consonância com as transformações demográficas do país, com o aumento da expectativa de vida e com as novas formas de experienciar o processo de envelhecimento, o TSI mostrou-se sempre autorreflexivo, em transformação dialógica com seu público-alvo, enfatizando o protagonismo dos idosos e a contribuição para a contínua ruptura com estereótipos e preconceitos da velhice.

Dessa forma, embasado nas diretrizes, parâmetros e objetivos do programa TSI, o Sesc São Paulo contribuiu (e ainda contribui) para a reverberação da efeméride do Dia Internacional das Pessoas Idosas, em 1º de outubro. Essa data foi consolidada em 1991 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AGNU), por meio da resolução 46/91, destacando o papel central da longevidade nas sociedades humanas e a importância de garantir os direitos das pessoas idosas. No Brasil, justamente em 1º de outubro de 2003 foi aprovado o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741), consolidando no ordenamento jurídico que a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa idosa são responsabilidade do Estado, da família e da sociedade, fato que da mesma forma solidificou no país essa data como referência para o Dia do Idoso. Desta maneira, a efeméride fez com que uma miríade de instituições, atores sociais, profissionais e especialistas realizassem ações para discutir esses direitos da pessoa idosa, incluindo o próprio Sesc, por meio de sua proposta socioeducativa, multidisciplinar e transversal.

Diante desse tradicional contexto de iniciativas em torno do Dia Internacional da Pessoa Idosa, no ano de 2017 o Sesc São Paulo propôs colaborar com essas ações por meio da arte e das reflexões que afloram da fruição artística, especificamente das linguagens do teatro e da dança, elaborando a primeira edição da Mostra Sentidos: a Longevidade na Arte. Por meio de uma comissão interna formada por técnicos de programação de referência do programa TSI e por representantes das diferentes áreas de atuação do Sesc São Paulo, com vistas a constituir olhares multidisciplinares e transversais, a Mostra Sentidos emergiu focada em oferecer ações artísticas para todas as faixas etárias, tendo como eixo curatorial o tema da longevidade presente em espetáculos de teatro e dança, cujo assunto do processo de envelhecimento aparecesse em suas narrativas, dramaturgias, elencos, atores, cenografias e, especialmente, nos sentidos de reflexão sobre o envelhecer que poderiam ser despertados nos variados públicos.

Mais que isso, outro objetivo latente da Mostra Sentidos foi estabelecer diálogos com a produção do próprio campo artístico das artes cênicas, fomentando a disseminação de uma visão dialógica e plural da longevidade em consonância com a ruptura de estereótipos e preconceitos diante da velhice e, principalmente, valorizando as múltiplas formas de envelhecimento, perpassadas pela diversidade cultural e pela especificidade dos marcadores sociais de diferença (gênero, raça, classe, etnia, sexualidade, religião etc.). Em síntese, a Mostra Sentidos se posicionou em torno das ações do Dia Internacional da Pessoa Idosa, em 1º de outubro, fortalecendo a pauta dos direitos do idoso, mas com foco principal no âmbito da arte, do sensível e da reflexão tão característica provocada pelos bens simbólicos nos públicos consumidores e produtores de cultura.

A quarta edição da Mostra Sentidos: a Longevidade na Arte, prevista para outubro de 2020, teve sua realização pautada pela pandemia de covid-19 e pelo imperativo do distanciamento físico, fazendo com que não só a mostra, mas como todas as ações do programa TSI passassem a ser desenvolvidas de forma integralmente virtual junto às pessoas com mais de 60 anos. Assim, diante da impossibilidade de realização de espetáculos de teatro e dança em consonância com a curadoria prevista, optou-se por apostar nas potencialidades e no protagonismo das próprias pessoas idosas, transferindo a ação calcada na realização de espetáculos para a ação baseada em processos artísticos – ainda coordenados por profissionais das artes cênicas, mas vivenciados e protagonizados exclusivamente por idosos e idosas das diferentes unidades do Sesc São Paulo (capital, interior e litoral).

Assim, por meio da internet, utilizando computadores e celulares, com base na tecnologia das salas virtuais e das chamadas de vídeo em grupo, foram propiciados oito processos artísticos, de outubro de 2020 a janeiro de 2021, com a participação de 120 idosos e idosas. Tais processos artísticos foram disseminados em diferentes redes sociais, com amplo alcance em compartilhamentos, curtidas e engajamento, cumprindo com o objetivo de atingir variados públicos na reflexão sobre o processo de envelhecimento e as potencialidades da longevidade.

Mais que isso, a Mostra Sentidos: a Longevidade na Arte trouxe inúmeros resultados qualitativos, não mensuráveis, simbólicos, criadores de vínculos, sinergias, amizades, aprendizados e sentidos – resultados esses específicos dos bens simbólicos, expressivos da essencialidade da cultura e da importância da arte. É disso que se trata este painel de experiências, de um relato coletivo que tem a intenção de compartilhar essa experiência e dar ainda mais voz às pessoas idosas, em protagonismo e em primeiro plano nos palcos e nas telas.

 

Metodologia

Acerca da metodologia utilizada no processo curatorial, através de pesquisas e compartilhamento de relatos sobre realizações anteriores dentro da temática, a comissão organizadora da mostra avançou tendo em vista o desafio que seria fazer esta transição dos encontros presenciais para o ambiente digital online. Para tanto, pautou-se justamente pelos parâmetros, diretrizes e objetivos do programa TSI, que sempre iluminaram os caminhos de todo o trabalho realizado no âmbito programático, com destaque para a promoção da cultura do envelhecimento por meio da valorização da pessoa idosa e do estímulo à prática da autonomia e alteridade.

De certa forma, cada um dos oito processos retrata, com maior ou menor intensidade, todo esse arcabouço conceitual. No entanto, com o decorrer das ações, bem como na avaliação de resultados ao final, foram ficando mais pujantes algumas dessas características individuais de cada atividade, conforme será relatado a seguir, atribuindo um conceito-chave para cada atividade realizada. Não como forma de circunscrever uma intencionalidade de um objetivo exclusivo por ação, mas para ilustrar a riqueza de possibilidades que surgem ao realizar um conjunto amplo de experiências como essas.

Antes, se faz fundamental enaltecer o fato de que a organização logística que propôs reunir cerca de quatro a cinco unidades operacionais do Sesc São Paulo, a fim de realizarem conjuntamente a mesma ação, contribuiu de forma substancial em diversos aspectos, como no acompanhamento dos encontros, na otimização dos processos administrativos, no compartilhamento de impressões, na divulgação das inscrições, além de em uma relação mais estreita e dialógica junto ao público participante. A ideia de mostra pressupõe um conjunto de ações reunidas em torno de um mesmo acontecimento, e nessa perspectiva, dia após dia foram sendo criadas as salas virtuais destinadas a essas reuniões com a finalidade de aproximar pessoas desconhecidas através das distantes telas espalhadas de norte a sul e de leste a oeste do mapa do estado de São Paulo.

 

Processos

Título: Dar Voz ao Corpo

Profissional: Carla Gialluca Hossri

Unidades do Sesc: Osasco, Campinas, São José dos Campos, São Caetano e Parque Dom Pedro

Conceito-chave: sociabilizar

 

O encontro, a sociabilidade, o estar junto em um mesmo ambiente são condições basilares para a existência do Sesc enquanto instituição. A convivência não é apenas uma condição do trabalho, mas também dá nome aos espaços físicos na maioria das unidades.

O teatro, enquanto linguagem artística, também está condicionado a esses pressupostos. |Encontro de corpos que dividem um mesmo palco, ou que se faz na troca entre artista e plateia. Uma dúvida, portanto, pairou nos momentos que antecederam a atividade: seria possível fazer teatro pela internet? A resposta foi, sim! Esse processo imersivo junto a um grupo de pessoas com interesses comuns e com certas afinidades adquiridas ao longo dos anos de convívio nas unidades do Sesc proporcionou uma forma nova de estar juntos novamente, mesmo que longe fisicamente. O fazer artístico tornou-se o fio condutor para qualificar essa nova forma de se encontrar, superando as adversidades impostas.

De acordo com Eduardo Magiolino, técnico de programação do Sesc Osasco, não foram poucos os relatos sinceros e sensíveis que versaram sobre da importância do Sesc na vida destas pessoas idosas e de como a presença da instituição foi importante em um momento de tantas ausências. Para ele, o que fica na memória dos processos como um todo são, justamente, esses momentos de partilha, de acolhida e de felicidade.

 

Título: A Poesia que me Move

Profissional: Projeto Fio da Meada (Poliana Savegnago e Monalisa Machado)

Unidades do Sesc: Catanduva, Carmo, Jundiaí, Bom Retiro e Florêncio de Abreu

Conceito-chave: refletir sobre o envelhecimento e a longevidade

 

Falar a respeito das velhices possíveis não precisa ser tema exclusivo das rodas de conversa entre pessoas com mais de 60 anos. Refletir sobre a passagem do tempo e as marcas que essas experiências deixam na vida deve fazer parte do cotidiano de todas as pessoas, afinal, um dia após o outro, todos estamos envelhecendo.

Foi através do resgate da cultura da tradição oral e estabelecendo de forma lúdica as pontes entre a infância e a velhice que se deram os encontros com o Projeto Fio da Meada, relatados pela técnica de programação do Sesc Catanduva, Mariani Gasperini. Uma busca por histórias e memórias através da linguagem teatral e da poesia que foi abrindo janelas e ampliando horizontes, tal como as expectativas que amparam a noção de longevidade.

 

Título: Pulsares

Profissional: Andrea Soares

Unidades do Sesc: Itaquera, Taubaté, Registro, Araraquara e Vila Mariana

Conceito-chave: promover a saúde

 

Como o próprio nome sugere, Pulsares tratou desse movimento constante, ritmado, gerador de energia enquanto ato potente que auxilia, entre tantas vertentes, na promoção da saúde. Diante desse longo período de isolamento e de medos, propor uma experiência artística vinculada a técnicas de terapia corporal seria de grande importância e potência, propiciando uma diminuição de tensões, de cansaços e ativando o corpo integralmente (fisicamente, psicologicamente e criativamente).

Segundo Fernanda Dorazio, animadora cultural do Sesc Itaquera, os encontros buscaram na autonomia uma forma de experienciar práticas de hábitos mais saudáveis, com orientações para o autoconhecimento corporal e o entendimento de que cada corpo é único. Andrea planejou os encontros com explicações teóricas sobre a anatomia humana, seguidos de estímulos e tomadas de consciência do corpo desde a pele, passando por músculos e ossos. Depois, embarcou nas danças, que variaram com ritmos tradicionais brasileiro, como o carimbó, o jongo da serrinha, o coco e com danças estimuladas pelos sons do corpo, do espaço e dos ruídos que adentravam a casa. O processo criativo se deu a partir dessa consciência do próprio corpo, da sua história e da sua relação com o mundo.

 

Título: Danças Brasileiras

Profissional: Mika Rodrigues

Unidades do Sesc: Belenzinho, Guarulhos, Pinheiros e Santo André

Conceito-chave: desconstruir estereótipos e preconceitos

 

Imagine uma programação que contemple as diversas manifestações populares brasileiras em suas mais variadas linguagens e leituras. Que visa reconhecer e valorizar a atuação dos mestres e grupos tradicionais e contemporâneos da cultura popular, proporcionando a ampliação do conhecimento do público como forma de fortalecer a identidade presente nessas manifestações e contribuindo para o respeito à diversidade cultural. A cultura popular legitima o conhecimento dos mais velhos em sua importância como responsáveis pela transmissão e perpetuação dos saberes e fazeres – celebrações e formas de expressão que compõem o patrimônio cultural imaterial brasileiro.

Sob o olhar do Mauro Lucas, técnico de programação no Sesc Belenzinho, a arte educadora Mika Rodrigues trouxe Danças Brasileiras com o objetivo de trabalhar ritmos diversos da cultura popular, como coco e maracatu, além de exercícios relacionados à compreensão de seus universos simbólicos, com o olhar focado nas grandes inteligências que elas nos despertam. Entendendo que essas manifestações são fruto de um olhar diferenciado para o entorno, para o outro e para si mesmo, os encontros foram uma forma lúdica e sensível de entrar em contato com a cultura brasileira e o próprio corpo. De certa forma, a atividade pautou uma perspectiva de desconstrução de estereótipos e preconceitos de duas maneiras, uma vez que buscou romper com a noção de incapacidade do corpo velho, bem como ampliou a compreensão acerca da diversidade cultural em detrimento de construções pejorativas em relação a essas expressões artísticas, que também carregam aspectos tradicionais de religiões de matriz africana.

 

Título: Caminho Percorrido

Profissional: José Rubens Fonseca

Unidades do Sesc: Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Avenida Paulista, Ipiranga e São José do Rio Preto

Conceito-chave: construir conhecimentos

 

A construção de novos conhecimentos ou o aprimoramento de saberes antigos foi algo muito bem observado nesta ação, que teve como facilitador o também idoso José Rubens Fonseca. Não apenas a partir do conteúdo trabalhado, mas também pela necessidade de lidar com as ferramentas virtuais, algo não necessariamente tão simples, seja para o profissional, para as participantes, ou até mesmo para as pessoas que organizaram a atividade.

De acordo com a Gabriela Tufanin Evaristo, monitora de esportes do Sesc Thermas de Presidente Prudente, após ultrapassar as “barreiras” tecnológicas, o espaço construído de fala e escuta “trouxe o Sesc para casa”, como as próprias participantes declararam. É como se tivessem um local onde, além de aprender, se sentiam acolhidas, lembradas, representadas e felizes em absorver novas experiências, construir novos laços e amizades, mesmo a distância.

 

Título: Dançar nossas Histórias

Profissional: Cia. À Fleur de Peau (Denise Namura e Michael Bugdahn)

Unidades do Sesc: Santo Amaro, Interlagos e Santos

Conceito-chave: refletir e provocar ações sobre projetos de vida

 

Existe uma idade limite em que devemos parar de projetar aquilo que faremos dali em diante? Acreditamos que não! E o que seriam os novos projetos de vida diante da velhice? Para essa pergunta não existe uma resposta única. Pode se tratar de refletir acerca de possibilidades infinitas de experimentar algo novo, de retomar algum processo inacabado ou, ainda, ressignificar o olhar para as coisas mais simples do cotidiano. Jacy HAS, técnica de programação do Sesc Santo Amaro, buscou traduzir parte dessas experiências de forma poética:

Às terças e sextas, à tarde, passo o link para todos e abro a câmera. Micha e Denise já estão atarefados recebendo nossos alunos... conversam com um, recepcionam outro, trocam dicas de como posicionar o celular e qual botão apertar. Corre um bate-papo confuso, mas que consigo acompanhar. A Denise passa com um guarda-chuva e lembra a todos que separem os seus objetos. Todos barulhentos.

Aos poucos o ambiente acalma, pedimos para que mutem seus microfones e as orientações sobre a aula são passadas. Logo se ouve uma música. Movimentos tímidos do cotidiano aparecem, algumas sombrinhas são abertas e rodadas, um microfone aberto revela vozes estranhas a este universo. A proposta de descobrir os movimentos do dia a dia vai se incorporando à realidade de estarmos trancados, permite ver coisas novas em um cotidiano pesado e já conhecido demais. Trava um vídeo, outra pessoa perde a conexão, não perdemos a música e cada um vai descobrindo a si mesmo em seus pequenos movimentos, que ora se ampliam ora se intensificam. Depois de tudo, varrer, lavar, pregar um prego, tricotar, subir uma escada tomam um outro valor e por um tempo a dança de Denise e Micha entra em suas vidas.

 

Título: Sempre em Movimento

Profissional: São Paulo Companhia de Dança (Duda Braz, Milton Coatti e Mônica Monteiro)

Unidades do Sesc: Bertioga, Campo Limpo, Bauru, 24 de Maio e Santana

Conceito-chave: incentivar o protagonismo

 

Retomando as reflexões sobre o processo curatorial em si, um aspecto mais refinado dessa construção pôde ser ilustrado pela participação da renomada São Paulo Companhia de Dança. Para além da capacidade técnica dos bailarinos que estariam na atividade, o despertar da comissão para esse diálogo junto ao grupo foi a lembrança da existência do documentário Renée Gumiel, a Vida na Pele, que a diretora da companhia, Inês Bogéa, dirigiu junto com Sérgio Roizenblit.

Sandra Regina Feltran, técnica de programação do Sesc Bertioga, destaca que o filme apresenta a história de vida da protagonista, uma bailarina francesa que chegou ao Brasil em 1957, revolucionou a dança ao lado de outros importantes bailarinos brasileiros e se apresentou nos palcos até os 90 anos de idade. O fato de Inês ter ficado muito próxima de Renée em um relacionamento cheio de carinho e atenção sugeriu que tal delicadeza também pudesse estar presente no acolhimento junto ao público, qualificando uma intencionalidade de incentivar o protagonismo dos participantes com mais de 60 anos.

 

Título: Pequenos Milagres

Profissional: Coletivo Negro

Unidades do Sesc: São Carlos, Pompeia, Sorocaba e Consolação

Conceito-chave: incentivar relações intergeracionais

 

Esse último relato destaca outro fato marcante dentro dos processos artísticos vivenciados e que jogou luz, de forma quase despretensiosa, numa narrativa que busca incentivar relações entre pessoas de gerações distintas. Ocorre que Nádia, uma das participantes inscritas na atividade, era mãe de Aysha Nascimento, atriz do Coletivo Negro e uma das facilitadoras da ação. Distantes, cada uma em sua casa, ao longo dos encontros virtuais essa relação foi ganhando uma dimensão poética que chegou a ultrapassar as figuras de mãe e filha.

De acordo com Camilo Cazonatto, técnico de programação do Sesc São Carlos, não só Aysha, mas os demais atores envolvidos na ação – Raphael Garcia, Flávio Rodrigues e Jé Oliveira –, de forma muito natural, também projetaram em Nádia essa figura materna e suas falas, de certa maneira, foram se espraiando também junto às demais participantes com o mesmo zelo, carinho, cuidado e afeto que essas relações são capazes de proporcionar.

 

Considerações finais

A construção coletiva, no formato online, trouxe muitos aprendizados e a possibilidade de realizar o trabalho em rede, algo de grande valor. Vivenciamos momentos de acolhimento, aquecimento, teoria, prática e finalizamos com processos criativos gravados e editados, todos muito emocionantes e aguardados por todos que deles fizeram parte. Mas, o que fica registrado com mais evidência, foi o afeto, o encontro, as conexões e as reconexões com o corpo, com a mente, com a dança, com o teatro e com o outro. A distância não parecia mais tão grande e a solidão e o isolamento naqueles dias foram menores. A idade, a dor, a hora do programa de TV, o barulho de construção do vizinho, o delay sonoro, a queda de conexão, a dificuldade com o aplicativo, nada disso impediu, desestimulou ou minimizou a potência dos atos vivenciados.

Transformar o conteúdo que antes era levado ao público de forma presencial para as plataformas digitais foi o grande desafio da instituição, que construiu um novo formato a ser testado e que veio a ser muito satisfatório. Um processo extremamente rico, sobretudo pela possibilidade de diálogos entre pares em um intenso trabalho de curadoria que visasse garantir que o profissional que iria desenvolver a atividade, além de possuir um bom currículo, entendesse a extensão do projeto e as questões relacionadas à representatividade e à identidade, principalmente junto ao público idoso.

Além disso, havia outras preocupações como a instrumentalização destas pessoas para participação no meio virtual; o modo operacional de inscrição; a criação de um roteiro-base de aulas para salvaguardar a qualidade da atividade proposta; a preocupação com os sinais de transmissão, equipamentos; e até mesmo o conforto e o bem-estar físico dos idosos ao acompanhar as aulas. O cuidado era junto aos idosos que tivessem dificuldades em acessar as plataformas online, fato que, felizmente, não reverberou tanto na prática, pois a maioria dos participantes conseguiu acompanhar as aulas sem muitas dificuldades em lidar com a tecnologia digital. E tiveram a oportunidade de conhecer melhor o seu corpo, de se movimentar graciosamente, de dançar propriamente, de conhecer gente e, principalmente, de se divertir! Sim, porque a premissa básica da atividade proposta era que fosse prazerosa e divertida! Foi um sucesso!

A alegoria de uma colcha de retalhos talvez seja a melhor forma de exprimir as impressões acerca da construção da Mostra Sentidos, dentro de uma estética caseira devido ao distanciamento social imposto pela pandemia. Diferentes formatos, tamanhos, cores e sabores que foram se amarrando, um a um, que ao final se transformaram em um elemento único com a finalidade de acolher, aquecer e aproximar corpos distantes fisicamente.

As pessoas que tiverem interesse em conhecer um pouco mais acerca de cada uma das atividades que compuseram a Mostra Sentidos do Sesc São Paulo, no ano de 2020, durante o período de isolamento social da pandemia do coronavírus, podem acessar os vídeos nas playlists do canal do YouTube do Sesc São Paulo utilizando a hashtag #MostraSentidos e observar os pontos mencionados acima, porém de uma forma bem mais poética.