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Limites da imunidade

Juristas debatem alterações de emenda constitucional e da Cofins

No dia 10 de fevereiro de 2004, o Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, reuniu-se para analisar a proposta de emenda constitucional 227/04 e a medida provisória 164/04.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS – Damos início à nossa primeira reunião do ano com a posse de três novos conselheiros e juristas conceituados: o professor André Ramos Tavares, o professor Carlos Miguel Aidar e o secretário e tesoureiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcos da Costa. Em breve contaremos também com a vice-presidente da OAB, doutora Marcia Regina Machado Melaré – filha do nosso conselheiro, professor Rubens Approbato Machado –, e com Luiz Flávio Borges D’Urso. Hoje discutiremos a proposta de emenda constitucional (PEC) 227 e a nova medida provisória (MP) 164.
O governo conseguiu um acordo no Senado quanto à EC 41, quando mandou à Câmara dos Deputados a PEC 227, abrandando um pouco aqueles critérios rígidos em relação a subsídios e vantagens dos servidores públicos. A PEC 227 é exatamente uma proposta com esse objetivo.
Na EC 41 ficou definida a imunidade para os servidores públicos, até 50% no regime geral e 60% na União. Para os estados, a partir de R$ 1,2 mil haveria a contribuição previdenciária, e para os servidores públicos da União a imunidade foi elevada para R$ 1,44 mil. Vale dizer que sempre que se fala em imunidade estamos perante cláusulas pétreas. O artigo 150, que cuida das imunidades tributárias dos impostos, aponta para uma cláusula imodificável.
E como a contribuição tem natureza tributária e o inciso II do artigo 195 da Constituição Federal diz que no regime geral de previdência social há imunidade, é evidente que o limite deveria ser de R$ 2,4 mil, de acordo com a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) 2.010. Como houve decisão contrária à do governo, afirmei, na Câmara dos Deputados, quando debatia o assunto com os parlamentares, que se não mudassem essa PEC, aumentando a imunidade até R$ 2,4 mil, haveria o risco de o Supremo Tribunal Federal (STF) eliminar tudo. E o STF já considerou que se trata de uma imunidade, é cláusula pétrea e está nos direitos e garantias individuais.
Um outro aspecto, determinado pela EC 41, diz respeito ao artigo 37, inciso XI, da Constituição, que eliminou a expressão "vantagens de qualquer outra natureza". Mas em direito constitucional não há palavras inúteis. Se tínhamos aprovado a expressão "de qualquer outra natureza" e uma outra emenda constitucional retirou essa expressão, interpretamos que foi em busca de maior flexibilidade, enfraquecendo a meta de conter privilégios.
A PEC 227 vai reduzir a pouquíssima expressão o que se tinha conseguido com a EC 41, e o STF decidiu que o teto corresponde ao subsídio do ministro do Supremo, mas nada impede que alguém continue recebendo como ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou lecionando em universidades estatais. São as vantagens de qualquer outra natureza.
Embora o STF tenha estabelecido em R$ 19 mil o teto, nos estados e municípios teremos o correspondente a 90,25% do subsídio mensal do ministro do Supremo. O desembargador só pode atingir isso. Na EC 41 foi retirado o teto que, conforme o poder, era do prefeito e do governador. Como as vantagens do STF são consideradas em paralelo, os desembargadores, os que lecionarem e outros servidores vão entender que têm direito a elas. Para alguns estados e municípios, que sofrem para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, será difícil atender a essas reivindicações. A PEC 227 foi altamente reduzida em seu impacto de não permitir o déficit que ocorreu em 2002, de R$ 52 bilhões, em relação aos servidores da União, dos estados e municípios. A essa altura, a EC 41 já representou inúmeros acordos para diminuir o impacto que se pretendia no início do governo Lula. Com a PEC 227 reduzimos a proposta a quase nada; a tendência sinalizada pelo STF é de que o direito adquirido representa também a expectativa de direito até o momento em que for aprovada. O grande problema da Previdência Social vai permanecer e, enquanto o governo é obrigado a cortar R$ 6 bilhões no orçamento federal de obras sociais, a melhor parte de todas as emendas do governo foi reduzida.

CARLOS CELSO ORCESI DA COSTA – Penso que estamos vivendo um período de desconstitucionalização da Constituição Federal, que está se transformando numa lei ordinária. Raciocinar em termos de princípios, cláusulas pétreas, alegando a inconstitucionalidade de uma lei é uma coisa, outra é alegar inconstitucionalidade da Constituição.

NEY PRADO – Eles vão atropelar qualquer resquício de direito individual. O problema é de caixa, portanto, a idéia é buscar os recursos independentemente dos meios. O que estranho é o fato de os beneficiários legislarem contra si próprios. Se a medida fosse tomada como está na EC 41, muitos parlamentares seriam sacrificados, o que é uma coisa inusitada em nosso país. Essa medida objetiva recursos, mas vai mexer com os direitos individuais. Não penso que tudo é pétreo, acho que pétreos são aqueles princípios que estabelecem e configuram a natureza do regime. Se considerarmos todos os direitos e preceitos individuais como pétreos, não haverá margem para mudanças.

ANDRÉ RAMOS TAVARES – Parece-me que na PEC 227 realmente há um retrocesso, reduzindo bruscamente o que foi alcançado com a EC 41. Numa leitura atenta da nova redação do inciso XI do artigo 37, verificamos na alínea d, que trata do teto para o Poder Legislativo, que é facultado estabelecer como limite os 90,25%. É o único caso em que o limite não está dado de antemão pela própria redação da emenda. Em relação ao Poder Legislativo, diria que o único parâmetro seria o subsídio mensal dos deputados estaduais e distritais, mas sem estar atrelado aos 90,25%, como ocorre nas demais alíneas, por causa da palavra "facultando-se", que não aparece nelas. O artigo 2º manda aplicar o inciso XI desde a data de vigência da EC 41, ou seja, retroativamente. Nestes tempos, há uma dessacralização da Constituição, que se torna quase uma lei ordinária, perdendo a aura de mito; para o restante da sociedade é a Constituição que vale e continua como mito. Quando ela se torna quase uma legislação comum, transfere-se maior poder ao STF, que tem de decidir todas as dificuldades decorrentes de sucessivas redações. Não é problema de desconstitucionalização, pois para a sociedade a Constituição mantém o poder imperativo e mitológico.

NEY PRADO – Os estrangeiros, os investidores também acham que o que vale é a Constituição; querem conhecer as regras do jogo antes de investir.

AMÉRICO LACOMBE – O importante não são essas regras, mas sua permanência; mudá-las a toda hora é que não dá. Acho que as cláusulas pétreas são muito mais amplas do que o doutor Ney Prado disse. A Constituição diz exatamente o que são cláusulas pétreas; direitos e garantias individuais são muito amplos, incluem todo o artigo 5º, todo o artigo 150, limitações constitucionais ao poder de tributar, tudo isso é cláusula pétrea. Imunidade é cláusula pétrea. Se não fosse, estaríamos perdidos.

NEY PRADO – Pétreo é o princípio, não o preceito.

AMÉRICO LACOMBE – Sim, a redação do preceito pode mudar, desde que o princípio permaneça.

SAMANTHA MEYER PFLUG – Vejo a questão da desconstitucionalização como uma grande ameaça ao direito constitucional. A Constituição tem sido constantemente violada, e o princípio da segurança jurídica desrespeitado. Fica difícil falar numa teoria do direito constitucional. Não há mais como justificar tantas mudanças nas regras do jogo. Isso atinge não só a nós, juristas, que temos a compreensão do mito da Constituição, mas a toda a sociedade.

GASTÃO ALVES DE TOLEDO – Gostaria de chamar a atenção para o parágrafo 9º do artigo 195, que sofre uma nova alteração. Ele diz que as contribuições sociais previstas no inciso I desse artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra e do porte da empresa ou da condição circunstancial do mercado de trabalho. Qual é o critério para dizer que uma empresa é de porte maior, menor ou médio?

IVES GANDRA – Concordo com o professor Orcesi: há um processo de desconstitucionalização da Constituição. Analisando o que ele e a professora Samantha disseram, verificamos a impossibilidade de conformar uma teoria. Em matéria de direito tributário já desisti. Quando se analisam os princípios gerais dos artigos 145 ao 149, cada nova contribuição que eles criam tem uma característica diferente. Temos 250 artigos, alguns extremamente longos, e 94 disposições, quando começamos com 70, em 1988.
O artigo 150 diz "sem prejuízo de outras garantias", mas o 160 fala em direitos e garantias; diz que imunidade é cláusula pétrea. Se eu disser que a imunidade não é cláusula pétrea, sou obrigado a afirmar o mesmo para o princípio da legalidade e da anterioridade.

ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL – O senhor poderia clarificar seu pensamento sobre imunidade? Não consegui identificar sua relação com a PEC.

IVES GANDRA – Isso é muito simples. Essa PEC está vinculada à EC 41, por isso poderiam corrigir o dispositivo de que haveria imunidade só em 50% do regime geral. O artigo 195, inciso II, diz que é imune à contribuição social aquilo que se recebe, e o STF declara que o que está no 195 é uma imunidade. O Supremo interpretou que o regime geral se aplica também ao servidor público, e essa imunidade teria de ser mantida.

RUBENS MIRANDA DE CARVALHO O que me dá medo nisso tudo é a invocação do bem comum, que permite a utilização de qualquer meio e a redução dos direitos individuais. Isso não é critério. Foi o que George W. Bush fez com o Patriot Act nos Estados Unidos: reduziu ao limite os direitos dos cidadãos em favor do bem comum. Alegando o bem comum, o senhor Adolf Hitler levou a Alemanha para onde levou. A noção de bem comum, como alguém já disse, é uma prostituta que está a serviço de quem a invoque.

IVES GANDRA – É exatamente o conceito que o dono do poder tem do que seja bem comum. Vamos passar agora à discussão da MP 164, que cria a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre a importação.

RODRIGUES DO AMARAL – A MP 164 foi recém-editada, portanto, fiz uma análise muito breve de alguns dos seus aspectos principais, que trago à apreciação dos senhores. O deputado Virgílio Guimarães, no relatório da reforma tributária, dizia que o governo iria apresentar uma medida de equalização, porque era inconcebível o tratamento não-isonômico do produto nacional relativamente ao importado, isento da tributação cumulativa. A solução não baixou os impostos sobre o produto nacional, mas tornou mais cara a importação de bens e serviços. Saímos das discussões tarifárias e criamos a contribuição por via da alteração do texto constitucional. Numa rápida apreciação da medida provisória, temos uma matéria pertinente à formação da alíquota e da base de cálculo e as suas implicações com a alteração do texto constitucional.
Há pouco tempo houve um julgamento, num dos painéis da Organização Mundial do Comércio (OMC), em que se determinava a aplicação de direitos compensatórios pelas sobretarifas ao aço, entre elas a do aço brasileiro. Nosso país poderia lançar mão desse recurso. Nossa importação é de insumos, matérias-primas ou bens de capital. Se aplicarmos o direito compensatório, daremos um tiro no pé. Isso vale para essa medida da Cofins/PIS, relativa à importação: estamos aumentando o custo do insumo ou do bem de capital nacional. Como 60% do trigo consumido no Brasil é importado, essa medida vai elevar o preço do pão francês e do macarrão. A MP 164 cria a incidência da contribuição para o PIS e a Cofins sobre a importação de bens e serviços, com exclusões normais, próprias do regime aduaneiro. O interessante é que trabalhamos com a alíquota de 1,65% para o PIS e de 7,6% para a Cofins. Sabemos que os contribuintes brasileiros sujeitos à alíquota de 1,65% e 7,6% estão no regime de lucro real, de não-cumulatividade. Se o importador estiver no regime do Simples ou do lucro presumido, vai sofrer incidência muito mais elevada, sem ter o crédito dos 7,6% da Cofins e do 1,65% do PIS. Quem opta pela não-cumulatividade em tese tem o crédito dos 7,6% e do 1,65%, senão fica na alíquota de 3% ou de 0,65%. Essa é uma distorção a que a lei não dá nenhum tratamento preferencial.
Outro ponto importante é a questão da base de cálculo. O artigo 7º da MP 164 diz que a base de cálculo será o valor aduaneiro usado para o cálculo do imposto de importação. A tarifa inclui-se na base de cálculo do produto importado mais o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o valor da importação, da tarifa 10, do ICMS 18 e o valor das próprias contribuições. Introduzimos o cálculo por dentro, ou seja, a alíquota de 1,65% do PIS e de 7,6% da Cofins incide sobre si mesma, como é o caso do ICMS, o que dá uma alíquota de 10,1%, não de 9,25%. Criamos uma contribuição social sobre a importação de bens e serviços do exterior, de caráter subjetivo. Num raciocínio absurdo, cobra-se do importador sobre o valor de sua casa. Deve haver uma relação de pertinência lógica entre o fator gerador descrito na Constituição e o tributário, sem ter de tributar sobre o valor da residência do importador. Ao valor aduaneiro sobre ele mesmo, atribui-se o cálculo por dentro. Se a idéia era equalizar, teríamos de dar ao produto estrangeiro o mesmo tratamento, o que não ocorre, pois para o produto nacional não há o cálculo por dentro. As discussões do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) incluíam a validação do tratado e as alterações feitas por lei ordinária. Agora a Constituição origina uma contribuição de caráter subjetivo. Concluindo, para dar uma certa prevalência a esse tratamento equânime no nível de tratado, a saída é pelo artigo 98, que é infraconstitucional.

IVES GANDRA – O artigo 146 ainda está vigorando na Constituição? Se ele permanece, e a EC 41 introduziu a possibilidade de cobrança, como uma medida provisória pode ser veiculada sobre matéria introduzida por emenda recente? Parece uma inconstitucionalidade formal muito clara. O outro ponto é o do cálculo por dentro. Quando diz respeito à própria estruturalidade do cálculo, há necessidade de lei complementar, na medida em que a Constituição diz que é possível tributar. A Constituição previu a tributação do próprio tributo? Não, no ICMS não foi previsto, mas há menção à necessidade de lei complementar no artigo 146. Ora, para tributar o próprio tributo, precisaria haver lei complementar na explicitação.

GASTÃO DE TOLEDO – Ultimamente, temos debatido essa possibilidade de o governo instituir ou estender o PIS/Cofins às importações, para equalizar as importações ao produto nacional. Verificou-se depois que uma contribuição social que incidisse sobre as importações e fosse não-cumulativa, como esta, seria inócua do ponto de vista da cadeia produtiva, porque o importador se creditaria a seguir o valor atribuído à importação. Ela só teria eficiência sobre o importador final, o que importasse para uso próprio ou as empresas que operam pelo lucro presumido ou empresas do Simples. Na separação dos dois regimes, nessa MP, não fizeram a divisão das alíquotas.
Ao incidir sobre si mesma, a contribuição teve a alíquota aumentada, de 1,65% para 1,67% e de 7,6% para 8,15%. Não se trata da extensão do PIS/Cofins às importações, até porque a base de cálculo é receita ou faturamento, nunca importação. Acho que isso vai causar problemas na OMC, sim, independentemente do fato de estar no texto da Constituição. Temos dois problemas. O primeiro é que não se trata de PIS/Cofins, apenas o nome é PIS/Cofins. O segundo é que as pequenas empresas que operam na importação não terão como concorrer com as grandes, porque não há creditamento dos valores pagos anteriormente.

IVES GANDRA – As grandes empresas também terão problemas, pois ao final vão absorver os 7,6%. O fato de ter de antecipar o pagamento do tributo representa um financiamento com juros de mercado. Mesmo com capital próprio, isso representa a retirada desse capital para financiar o governo. Os 16,5% são apenas a taxa Selic; sabemos qual é o custo efetivo de financiamento para o setor privado.

GASTÃO DE TOLEDO – Eu me referia apenas à questão da alíquota e de suas compensações em cadeia. Isso ficou muito claro após a edição da medida provisória que elevou a alíquota do PIS, em 2001; depois da lei que regulou o aumento da alíquota, em 2003, o setor empresarial constatou um substancial acréscimo na arrecadação do PIS. O crescimento real foi da ordem de 30%, descontada a inflação.

RODRIGUES DO AMARAL – Duvido que o artigo 246 se aplique à EC 42. Há nele uma limitação temporal que veda a adoção de medidas provisórias na regulamentação de artigo da Constituição que tenha sido alterado por emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até esta emenda, inclusive.

ANDRÉ TAVARES – Não se pode alterar artigo da Constituição cuja redação tenha sido modificada por emenda feita entre 1995 e 2001. Mas o artigo 195 foi alterado por outra emenda. O artigo 246 fala de artigo. Se o artigo foi alterado por emenda nesse período, isso aconteceu em 1998.

IVES GANDRA – A interpretação de André me parece adequada, porque se trata de artigo da Constituição. Na verdade, o que temos é uma alteração de inciso.

GASTÃO DE TOLEDO – Houve um acréscimo de inciso ao artigo. O que se pode interpretar é o seguinte: as alterações feitas durante aquele período nesse artigo não poderão ser objeto de medida provisória.

ANDRÉ TAVARES – O artigo que foi alterado por emenda naquele período não pode ser regulamentado por emenda.

GASTÃO DE TOLEDO – Acho que as alterações feitas no artigo 195 durante esse período é que não poderão ser objeto de medida provisória. Operações futuras, não.

IVES GANDRA – O artigo 246 diz: "É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive". O artigo 195 ficou bloqueado para qualquer mudança por medida provisória enquanto artigo. O que André está apresentando me parece uma interpretação defensável.

ANDRÉ TAVARES – O artigo 246 bloqueou realmente todos os dispositivos que haviam sido alterados por emenda constitucional, entre 1995 e 2001.

RODRIGUES DO AMARAL – Num raciocínio inverso, estamos criando por interpretação extensiva uma limitação à competência legiferante dada pela Constituição.

IVES GANDRA – Há um dado que fortalece a interpretação de Antonio Carlos. Nesse caso nem a inconstitucionalidade formal, em relação à MP 135, poderia ser colocada. A emenda restritiva foi a 32, que regulamentou a medida provisória. Nenhum dos seus dispositivos faz menção ao não veículo da medida provisória.

GASTÃO DE TOLEDO – Com relação à MP 135, acho que se aplica à restrição do artigo 246. No prazo mencionado na Constituição, foi alterado o artigo 20 para incluir a palavra "receita". Quanto a essa nova medida sobre a Cofins em importação, foi acrescido um inciso não objeto de alteração naquele prazo.

IVES GANDRA – Se uma medida provisória foi editada e transformada em lei, sem que o STF se manifestasse pela sua inconstitucionalidade, essa lei seria inconstitucional?

RODRIGUES DO AMARAL – Eles dizem que ela perde o objeto e não apreciam mais a matéria.

AYRES FERNANDINO BARRETO – Os tributos se classificam em vinculados e não-vinculados. Não-vinculados são os impostos, cujo fato gerador, na respectiva operação tributária, independe de qualquer atividade estatal específica dirigida ao contribuinte. Essa vinculação é direta quando se tratar de taxa, atuação referida ao contribuinte, e indireta quando se tratar de contribuição. Ora, essa medida provisória tem alguma coisa que não satisfaz, que é um arremedo. Se não fossem as mutações da base de cálculo, teríamos um adicional do imposto de importação.

RODRIGUES DO AMARAL – Gostaria de voltar aos tratados. Se fosse superada a questão da lei complementar, como este conselho entende que o STF poderia se manifestar em relação à base de cálculo? Que é medida discriminatória para a OMC não há dúvida. Mas essa medida discriminatória teria guarida constitucional por ser uma contribuição de caráter subjetivo ou não?

ANTÔNIO NICÁCIO – Na verdade, o que está ocorrendo é que as contribuições são plantadas no sistema. O imposto que mais rendia no Brasil era o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), hoje a Cofins bate qualquer um. Vivemos num regime de duplicidade, imposto e contribuição são iguaizinhos. A intervenção do domínio econômico é tão grande que se pode criar qualquer tipo de contribuição.

AMÉRICO LACOMBE – Cada vez eu me convenço mais de que existem três tipos de tributo: imposto, taxa e contribuição de melhorias. As contribuições nada mais são do que impostos ou eventualmente taxas.

MARCOS DA COSTA – Quando estava em debate o artigo 246, lembrei-me do seu caráter histórico; na verdade, ele foi inserido pela EC 6, de 15 de agosto de 1995. Depois voltou a ser inserido, com a mesma redação, pela EC 7, e por uma emenda seguinte, meses após, até que a EC 32 mudou a redação do artigo. Se fosse simplesmente para manter uma situação histórica em relação à realidade anterior à emenda, a EC 32 deveria ter revogado o artigo 246 e não mudado a redação.

AGOSTINHO TOFFOLI TAVOLARO – O fundamento da minha intervenção é o artigo 98, da natureza do Gatt, sobre a não-discriminação, que para mim teria natureza tributária. Assim, estaria abrangido no direito brasileiro pelo artigo 98 do Código Tributário Nacional. Mas ainda adotamos o sistema da recepção ou do monismo moderado ou nacionalista moderado.

IVES GANDRA – Há outros problemas em relação ao artigo 98. O STF ainda não decidiu se esse artigo daria a prevalência do tratado sobre o direito ordinário interno. Com eficácia de lei ordinária, teremos dificuldades inclusive no Mercosul. O que se tem de discutir é a própria natureza do artigo 98. Vamos deixar esse tema para uma próxima reunião.

 

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