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Novas tecnologias diversificam os caminhos para a produção de curtas-metragens, mas ainda não garantem mais espaços de exibição

 

É como se o próprio cinema tivesse nascido com um curta-metragem. Afinal, em 28 de dezembro de 1895, quando Louis Lumière exibiu seu filme diante de uma platéia boquiaberta, o que se podia ver na tela eram trabalhadores saindo de uma fábrica em um plano seqüência de apenas um minuto e meio de duração. Como se sabe, a coisa não parou por aí. O sucesso do recém-inventado cinematógrafo – tataravô da filmadora – foi imediato e, hoje, 110 anos depois, o cinema aumentou tanto em duração quanto nos recursos de produção e exibição de filmes. Assim como as câmeras foram diminuindo de tamanho até caber na palma da mão, as salas foram ficando cada vez mais modernas e nunca se ouviu falar tanto em “salas digitais” – isso sem contar a internet e até os celulares que exibem imagens em movimento.

 

Os longas-metragens já usufruem as novas técnicas com uma avidez que chega muitas vezes até a comprometer sua qualidade. Basta pensar em quantos filmes têm como principal – senão único – atrativo os efeitos especiais ou a qualidade da imagem e do som. Mas, para o curta – tão cultuado quanto injustiçado –, o que muda com os avanços tecnológicos que tanto democratizam o registro e facilitam a veiculação das imagens? “A evolução da tecnologia reflete no aumento de produção. Isso é bastante claro”, afirma Zita Carvalhosa, organizadora do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. “No ano passado, por exemplo, o festival abriu, pela primeira vez, para a produção de curta em vídeo. E a qualidade dos filmes é superbacana.” Zita explica ainda que para a equipe de seleção da mostra já não existe mais a distinção entre a produção em película e a que utiliza novas tecnologias digitais, tamanha a proximidade entre as técnicas que surgem dia-a-dia e a jovem produção audiovisual. No entanto, esse salto quantitativo requer maior senso crítico do ponto de vista da qualidade. Afinal, qualquer um pode fazer um filme. “Se por um lado as novas tecnologias aumentam muito o número de curtas, por outro isso não significa que eles sejam necessariamente bons”, continua Zita.

 

Além do cuidado necessário ao celebrar o aumento no número de filmes decorrente das novas possibilidades técnicas, merece atenção a outra ponta desse processo de produção, ou seja, os espaços de exibição. E, nesse campo, a tecnologia não parece ter caminhado com passos tão largos. “Aumento de produção não quer dizer necessariamente aumento de exposição”, afirma Zita. “A produção de um filme se completa com ele sendo visto. E, apesar de haver espaços ligados diretamente a essas novas tecnologias de exibição – sites na internet, como o Porta Curtas, da Petrobras (www.portacurtas.com.br) –, nos circuitos tradicionais o curta não ampliou proporcionalmente o seu espaço.” Além disso, Zita chama a atenção para o fato de que o desenvolvimento tecnológico, o mesmo que resulta no barateamento do custo de produção, deveria refletir no aumento da presença do filme de menor extensão também na televisão. “E isso ainda não aconteceu”, afirma. “A mesma coisa acontece com o fenômeno das salas digitais, o curta-metragem ainda não se beneficiou desse novo espaço.”

 

 

No computador

 

A história do curta-metragem na internet está diretamente ligada às particularidades de ambos. Ou seja, se por um lado o curta perde espaço no cinema por ser mais experimental, a internet conta com uma liberdade – ao menos por enquanto – que a torna mais aberta a essa experimentação. “Os problemas para a exibição do cinema brasileiro, em geral, só se agravam no caso do curta-metragem, que tem seu espaço restrito aos festivais e a um ou outro programa em TVs educativas ou a cabo”, explica Ines Aisengart, uma das responsáveis pelo site Porta Curtas Petrobras. “Com o advento do vídeo online, a internet pareceu o escoamento ideal, diria mesmo óbvio, para esse tipo de produção, devido a sua capacidade de divulgação mais alternativa, pulverizada, multimídia e interativa.” Quando surgiu, há dois anos, o site tinha um acervo de 100 curtas-metragens nacionais, e atualmente já cataloga mais de 3 mil, com 200 deles disponíveis para exibição integral e gratuita. “Nós tivemos um recorde de 257.819 exibições registradas apenas em outubro de 2004”, informa Ines. “Com a tecnologia digital, o usuário ganha com o conforto de ver em casa ou no escritório e à hora que quiser. E os realizadores, patrocinadores e exibidores garantem tanto uma divulgação mais abrangente como mais barata. A relação custo-benefício é melhor.”

 

A necessidade de gerar espaço para uma maior visibilidade da produção de curtas também foi o principal motivo que levou o carioca Guilherme Whitaker a criar, em 2000, o Curta o Curta (www.curtaocurta.com.br). “Eu percebi que não havia no Brasil nenhum site que centralizasse informações relativas ao curta nacional”, explica. “Aí senti a demanda básica: no Brasil se faziam, e se fazem, muitos filmes curtos que depois raramente são vistos.” Whitaker garante que nunca teve problemas em reunir material para manter o site no ar. Ao contrário, segundo ele, sua capacidade é até pequena para tantos títulos. “No Brasil são mais de 50 festivais, cada qual com um período distinto de inscrição e focado num determinado tipo/formato/gênero de filme.” E tem pra todo mundo: “Hoje se fazem mais de 1.000 curtas por ano no Brasil e a tendência é que esse número cresça cada vez mais”. Para Whitaker, ainda, esse crescimento seria natural, já que o curta representa a atualidade. “É o formato espelho desta sociedade, cada vez mais veloz e sem tempo, em que a cada semana mais tecnologias de fazer e mostrar conteúdos são inventadas”, conclui.

 

 

Na telinha da TV

 

Na televisão, aquilo que torna o curta atraente para a internet vira entrave: tempo de duração, conteúdo nem sempre familiar ao telespectador e pouquíssima intimidade com o Ibope. Diante de um cenário tão cheio de restrições, as alternativas se rarefazem – o que chama a atenção, se pensarmos que o Brasil possui uma das mais profícuas televisões do mundo. “A TV ainda não entrou nessa história de exibir curtas”, afirma Alexandre Cunha, diretor de programação do Canal Brasil, um dos canais disponíveis para quem assina o serviço de TV a cabo Net, e que mantém no ar o programa Curta na Tela. “O que vemos são exibições mínimas, mas regulares, na TV Cultura ou na TVE e mais amiúde no Canal Brasil.” Cunha credita o fato à falta de ousadia da maioria das televisões, que, segundo ele, não dão a menor chance ao curta justamente por seu caráter inovador. “O [escritor paraibano] Ariano Suassuna sintetizou bem a crise de criatividade e falta de ousadia que assola o setor”, continua. “Segundo ele, a maioria das TVs busca o gosto médio. Novos formatos de programação ou projetos de programas menos convencionais não saem do papel pelo temor de não agradar à audiência. Estamos acostumados a ver mais do mesmo e a ouvir a velha máxima de que ‘em time que está ganhando não se mexe’ – só que para mim está perdendo. O curta, como não tem tradição em TV, sucumbe ao conservadorismo da maioria das emissoras.”


No celular?

Apesar dos clássicos problemas de visibilidade enfrentados pelo curta-metragem – questão que envolve todo o cinema nacional, mas se agrava no formato curto –, as perspectivas parecem animadoras. Ao menos no que depender dos responsáveis pelas ousadias tecnológicas. A mais nova delas é poder assistir a pequenos filmes no celular. No entanto, é preciso calma. A tecnologia é nova e restrita. O que se tem de concreto por enquanto é uma iniciativa de uma operadora de celulares com o pessoal do Festival do Minuto. Um novo patrocínio que pretende dar um upgrade na dinâmica da mostra. “Queremos fazer um festival que funcione como uma revista eletrônica permanente”, explica o cineasta Marcelo Masagão, diretor do evento. “Os temas passam a ser bimestrais e os vídeos selecionados serão imediatamente veiculados no site [www.festivaldominuto.com.br] e em celulares Vivo.” Masagão acredita que o advento da banda larga na internet [formato que confere maior velocidade à navegação] e o acesso por meio de aparelhos celulares fará com que o formato de vídeos curtos “definitivamente saia do gueto dos festivais e se relacione com um público bem maior e mais diverso”. É esperar para ver, afinal, não é qualquer um que pode sair por aí com um celular de última geração. Mesmo assim, vale confiar no poder de alcance do próprio curta, que já provou várias vezes ser o escolhido pelos que procuram o novo – tanto na forma quanto no conteúdo. “O curta continua a ser uma arena fundamental”, afirma o cineasta Amir Labaki, diretor e fundador do festival de documentários É Tudo Verdade, que exibe várias produções no formato curto. “É só lembrar O Rio, de Joris Ivens, ou Ilha das Flores, de Jorge Furtado. Além de Aruanda, de Linduarte Noronha, e Socorro Nobre, de Walter Salles. Ou seja, o curta, assim como o documentário, tem uma liberdade de experimentação raramente disponível no cinema de longa-metragem ficcional.”