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Prioridade invertida

 

por Roberto Leal Lobo e Silva Filho

 

O carioca Roberto Leal Lobo e Silva Filho formou-se em engenharia elétrica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, em 1961. Em seguida, especializou-se como engenheiro eletrônico e seguiu para a Universidade Purdue, nos Estados Unidos. No retorno ao Brasil, além de prosseguir como pesquisador, iniciou carreira de destaque como professor universitário e dirigiu várias instituições científicas nacionais. Foi professor assistente do departamento de física e ciências dos materiais da Escola de Engenharia de São Carlos, professor titular do Instituto de Física e Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo, professor visitante em instituições de ensino superior brasileiras e estrangeira, chegando a vice-reitor e reitor da USP no período de 1986 a 1993.

 

 

USP Zona Leste

 

Normalmente, sou politicamente incorreto. Falo o que penso e geralmente não é a opinião corrente na imprensa ou o consenso público. Minha opinião sobre o fato de a USP ir para a Zona Leste é que trata-se de um erro. Não é missão da USP ser uma escola de um grande número de alunos. Ela é um reduto da pesquisa científica brasileira – talvez o maior do Brasil – e sua obrigação é, a meu ver, formar gente em nível de pós-graduação. Ela não é uma instituição de massa e se tiver 200 mil alunos será um desastre educacional. Nós vamos perder esse grande reduto de pesquisa no Brasil. A educação de massa tem um papel muito importante, só que as pessoas não podem pensar que será uma instituição única e uma universidade de pesquisa que vão resolver todos os problemas do mundo. Não há instituição que sobreviva a essa demanda, ela fica estraçalhada. Digo com a maior pena, mas também com a maior sinceridade: a USP Zona Leste foi um equívoco. A solução seria a criação de um sistema estadual de ensino superior mais diversificado.

 

O que define a população estudantil que entra num curso é o próprio curso, não a região em que ele é ministrado. O aluno do curso de medicina da USP é classe A, já o de história é classe C e D. Se for colocado o curso de história na USP Zona Leste, todos vão dizer que a iniciativa foi fantástica por poder abarcar os alunos da classe D. Só que o curso de história do campus Butantã da USP já traz, também, os alunos da classe D. Os cursos que o campus Zona Leste terá não são os competitivos. Porque o estatuto da USP proíbe a duplicação de cursos dentro da mesma cidade. Ou seja, o novo campus não poderá ter direito, medicina ou odontologia, por exemplo. Ele poderá oferecer cursos com pouca demanda, que são exatamente aqueles aos quais o pessoal da classe C e D terá acesso. Só que isso já acontece no Butantã. É certo que havia uma demanda reprimida por esses cursos, mas a USP tem perfil de que deve formar gente na área de moda? É importante que haja profissionais nessa área – é bom para o Brasil, para o nosso design, projetos etc. No entanto, é papel da USP, que forma quase 50% dos doutores deste país, ficar administrando curso de moda? É uma questão de opção. Será que é a melhor coisa para a USP? Ou será que outra instituição não poderia fazer isso muito melhor? Confundir missão costuma fazer com que a gente não cumpra nada direito. A inclusão é politicamente correta, a estratégia é que eu acho discutível.

 

Foram 70 anos de investimento para conseguir o nível de excelência que a USP tem hoje. A Universidade de São Paulo é uma das poucas universidades brasileiras que entram no ranking das melhores instituições do mundo. Em qualquer setor. É uma coisa importante, não se pode brincar com isso. Nós queremos excelência no ensino, na pesquisa e na extensão. Isso não é só uma missão, é uma definição que está na Constituição. Antes de iniciar uma empreitada dessas, é necessário reconhecer as demandas, os recursos humanos, e o que pode ser feito de bom na região em que a universidade vai ser implantada. E cada instituição teria de analisar sua região e sua vocação para definir sua missão. O que eu posso fazer para ser mais útil e fazer melhor o que eu estou fazendo? Algumas instituições públicas teriam de ser o nosso centro de pesquisa, de formação de pesquisadores.

 

 

Problema de base

 

Quando se fala em universidade, toda a imprensa se mobiliza em torno da discussão. Alunos de 1º grau [do ensino fundamental] não recebem a mesma atenção. Justamente porque as pessoas que têm acesso à imprensa, infelizmente, estão com seus filhos na escola particular. E estão muito tranqüilos. O problema é colocado para defesa de tradições e privilégios. Com isso, perdemos riquezas incríveis. Por exemplo: o Brasil é contra o apoio a crianças bem-dotadas – mesmo no setor público – porque acha que é feio, que separa e traz discriminação. Todo país do mundo tem cursos avançados e cursos acelerados para as pessoas mais competentes. No Brasil, não, o aluno tem de ficar exatamente igual aos outros, esperando os outros aprenderem o que ele já sabe. Permanece sentado na sala por cinco meses, para os outros o alcançarem. Até o dia em que ele perde toda a curiosidade. Essa é a nossa cultura da democracia. Eles acham que isso é democracia. Jogar todo mundo na vala comum.

 

Nós enchemos o jovem de horas, de volume de livros, de quilos de informação e não conseguimos ensiná-lo a pensar. Isso vale para tudo, não é só para a ciência e física. Nós não conseguimos ter a humildade de convidar o aluno a trabalhar junto. O esquema em sala é aquele que valoriza a verborragia do professor, descarregando uma coisa por ele decorada, o menino copiando correndo, e a falsa idéia de que dar um monte de informação para os alunos ficarem com os cadernos cheios é o sucesso da pedagogia. Quais foram os países que conseguiram fazer uma revolução no ensino fundamental? Vamos trazer essa turma aqui. Vamos discutir com eles. O que aconteceu? Qual foi sua estratégia? Como é que foi na Coréia, por exemplo? O que fizeram exatamente? Eu não consigo ver isso. O foco da discussão brasileira está concentrado no ensino superior. O Brasil gasta dez vezes mais com um aluno de nível superior do que com o do ensino básico. Nos países desenvolvidos esta relação é somente de três vezes. Daí já não adianta mais. Os bons, muito bons, já ficaram para trás. Já se perderam no caminho. É começar a treinar um atleta aos 20 anos. Ele não vai ganhar medalha nenhuma. É assim com a educação. Ficam todos preocupados em salvar os “atletas” de 20 anos, sendo que nós não conseguimos fazer com que os garotos aprendam atletismo. Esse é o nosso problema, a prioridade invertida.