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Curta-metragem: indústria e artesanato

 

Luiz Alberto Zakir


Quando, no cinema, se fala em curta-metragem, entende-se logo, por oposição, que há um longa-metragem.

O negócio que envolve essa atividade econômica estabeleceu que o filme comercial tivesse algo em torno de 100 minutos, ou seja, mais ou menos uma hora e 40 minutos, tempo considerado adequado para se gastar em uma sala de cinema.

Na indústria de cinema existe toda uma estrutura montada para se trabalhar nesse padrão.

 

Convencionou-se que, acima de 50 minutos, o filme é considerado longa-metragem. Abaixo disso, temos os curtas-metragens.

 

Claro está que o custo de um filme curto é infinitamente menor do que o de um longa, até mesmo por seu caráter desatrelado do comercial.

 

Há pouquíssimo (quase nenhum) interesse comercial em filmes curtos, pelo menos no Brasil. Daí serem eles muito usados como um exercício, e raramente se verá algum diretor de cinema que não se tenha iniciado na profissão através de curtas-metragens. Estudantes que terminam o curso de cinema têm como prova final a confecção de um curta-metragem  para avaliar o seu aproveitamento. Depois desse primeiro exercício, alguns poucos irão conseguir produzir o seu segundo curta e, muitos menos ainda, se tornar diretores de longas-metragens. Então, como primeira consideração, vemos o curta como um momento de passagem para o grande objetivo que é a realização de filmes longos. Isso significa que o curta será sempre um sinônimo de qualidade menor?

 

Certamente que não. 

 

Há cerca de três anos, Nelson Pereira dos Santos nos brindou com um documentário de metragem curta chamado Meu compadre Zé Kétti, em que está presente toda a genialidade do grande cineasta, em pouco mais de dez minutos.

 

No final dos anos 90, a atividade cinematográfica no Brasil foi reduzida a zero. Então surgiu uma safra esplêndida de curtas-metragens, entre eles o antológico Ilha das Flores, de Jorge Furtado, produzido no Rio Grande do Sul e  saudado como um dos melhores filmes já feitos no Brasil,  independentemente de sua duração.

 

Portanto, o curta-metragem é também um formato do qual lançam mão os realizadores por considerá-lo mais adequado para a abordagem de determinados temas.

 

Todos os anos, a produção de curtas-metragens do mundo inteiro é exibida em grandes festivais, inclusive no Brasil, onde temos o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, e podemos ali verificar o que se faz no mundo inteiro nesse formato. Percebemos a riqueza que nos oferece o curta por suas possibilidades de abordagem muito mais livres, independentes e engajadas, de questões atualíssimas sobre temas efervescentes nas mais diferentes culturas, tanto em ficção como em documentário. Política, religião, comportamento, artes e ciência produzem, no conjunto de um festival como esses, uma massa de informação enriquecedora e transformadora. Começam a voltar, ainda que de forma restrita, em cinemas compromissados com certo conteúdo mais construtivo, programas sistemáticos de exibição de curtas-metragens selecionados.

 

Porém, ainda mais auspicioso é o que poderá proporcionar a revolução digital já consolidada na captação de imagens: a confecção de um curta-metragem vai se tornando cada vez mais viável, economicamente, e os cinemas já vêm se equipando com projetores digitais capazes de substituir as projeções em película por projeções em vídeo.

 

Isto nos leva a sugerir, ainda, como extremamente possível e saudável , que qualquer cidadão venha a se dedicar ao exercício da confecção de um filme curto, algo completamente impensável até agora. Ter acesso a essa ferramenta poderá significar, também para aqueles esquecidos na multidão, uma possibilidade atraente de expressão e criatividade.

 

Luiz Alberto Zakir, sociólogo, é gerente do CineSesc

 

Ilustrações: Marcos Garuti