Musa do modernismo
e militante de causas sociais, Patrícia Galvão conquistou
espaço na memória política e cultural do Brasil
A biografia de Patrícia
Rehder Galvão, a Pagu, causa encanto em leitores e estudiosos pela
sua intensidade. Desde o dia em que se entendeu por gente, nos seus 52
anos de vida, impôs a si mesma o dever de mudar o mundo. E não
poupou esforços para isso. Foi ousada, corajosa, moderna e, sobretudo,
humanista, desde antes de acertar o foco social e político de suas
lutas. Mas, depois disso, enveredou por um caminho que jamais teria volta.
"[Pagu] Procurava pessoas e causas autênticas", afirma
o professor K. David Jackson, da Universidade de Yale, especialista em
literatura de língua portuguesa e, sobretudo, na obra da militante
e artista brasileira, no prefácio do livro Paixão Pagu -
A Autobiografia Precoce de Patrícia Galvão (Editora Agir,
2005). "Aquela que encontrou primeiro, inesperadamente, foi a questão
social e o ativismo político, mas demorou para sentir um interesse
vital. Tampouco achava interessante no começo a política
radical." A mudança de opinião se deu após ter
passado alguns dias com o líder comunista Luís Carlos Prestes
(veja boxe Passagens da Vida Privada).
O encontro aconteceu em 1931, em Montevidéu, no Uruguai, e a ligação
com o Partido Comunista durou sete anos. "A pureza do caminho de
Patrícia logo se mostrou incompatível com a ação
partidária que escolhera", explica Jackson, em Paixão
Pagu. "Ia acabar sendo expulsa [do patido] em 1938, mas não
antes de tentar provar a sua proletarização, inclusive com
o romance Parque Industrial, de 1931. Ninguém ainda havia feito
literatura nesse gênero." A obra é considerada um dos
pontos altos da trajetória de Pagu e, por exigência do Partido
Comunista, saiu sob o pseudônimo de Mara Lobo. "Nesse romance
proletário, ela coloca suas idéias a favor de um povo sofrido
e combate uma burguesia intolerante e inconsciente", diz a jornalista
e crítica literária Leda Rita Cintra, curadora de Pagu,
Vida e Paixão, evento em homenagem à autora que segue em
cartaz até 16 de julho, no Sesc Santana (veja
boxe Álbum de Fotos).
Completude
Pagu nasceu em 1910, em São João da Boa Vista, interior
de São Paulo, mas passou a infância no Brás, bairro
da região central paulistana. Na adolescência já chamava
a atenção por sua personalidade forte. Poucos anos mais
tarde, levada pelo poeta Raul Bopp, Pagu aproximou-se do grupo de intelectuais
paulistanos que encabeçaram o movimento modernista brasileiro.
Foi quando teve o primeiro contato com a pintora Tarsila do Amaral e o
escritor Oswald de Andrade (veja boxe Passagens da Vida Privada). Sua
luta contra a ditadura de Getúlio Vargas, iniciada na década
de 30 quando tinha apenas 21 anos, foi dura e tortuosa, pontuada por prisões
- mais de 20 - e torturas. "Ela sempre sonhou entregar-se totalmente,
sem limites, até a aniquilação, ao amor, a uma causa,
à vida e até à própria morte", afirma
a professora Lúcia Maria Teixeira Furlani, autora de Pagu - Livre
na Imaginação, no Espaço e no Tempo (Editora Unisanta,
5ª edição, 1999). "Procurava, freneticamente,
o que lhe faltava, a completude que todos perdemos e pela qual ansiamos,
esse era seu traço mais marcante. Além de seu olhar sensível,
antecipatório e antenado na cultura, na política e no comportamento",
ressalta a professora, estudiosa do tema há 18 anos.
Apesar
de marcante, a atividade política não foi a única
causa de Pagu. Não é possível dissociar sua vida
da importância que teve para as artes e a cultura, por exemplo.
"Ela foi jornalista, crítica de letras, artes, televisão
e teatro, poeta-desenhista, romancista, incentivadora cultural, mulher
precursora e revolucionária", lista Lúcia Maria. "Soube
também ser dissidente política, quando rompe com o Partido
Comunista e volta a ser apenas Patrícia, defendendo um socialismo
libertário, pacífico, democrático e espiritualista."
Para Geraldo Galvão Ferraz, filho do segundo casamento de Pagu,
ela foi, sobretudo, alguém com uma vida que fez diferença.
"Desde o exemplo de rebeldia e irreverência da adolescência
ao engajamento no tempo modernista para, em seguida, começar seu
envolvimento político. E, enfim, no importante papel de divulgadora
das vanguardas estéticas dos anos 40 e 50." Para Leda Rita
Cintra, curadora do evento do Sesc, sua maior importância cultural
- "que permanece até hoje", ressalta - foi a apresentação
ao Brasil de nomes como o do autor espanhol Fernando Arrabal. "Ela
o traduziu e o colocou em cena pela primeira vez no país, com a
peça Fando e Lis." Outras participações fundamentais
se deram nos jornais O Homem do Povo e A Mulher do Povo, criados em 1931
por Pagu e seu primeiro marido, o escritor Oswald de Andrade. "Naquele
contexto, representaram uma rebeldia política máxima contra
o governo de Getúlio Vargas", afirma Leda.
E ainda havia a maternidade. Com o primeiro filho, Rudá de Andrade,
do casamento com Oswald, teve uma relação que durante muito
tempo foi conturbada pela militância política. Com o segundo,
Geraldo Galvão Ferraz, da união com o jornalista Geraldo
Ferraz, foi uma mãe presente, de acordo com ele próprio.
"Minha mãe era um tanto superprotetora, mas também
muito carinhosa. Era uma mãe como qualquer outra, apenas com horários
diferentes dos das mães dos meus amigos. Ela trabalhava bastante
em casa, sempre na máquina de escrever. Mas sabia tirar seu tempo
para uma brincadeira comigo, para um gim-tônica e um cigarro",
lembra ele.
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Passagens
da vida privada
Casamentos
em cemitérios, insegurança afetiva e amizade com imperadores
fazem parte da trajetória de Pagu
Quando
se casou com o escritor Oswald de Andrade, Pagu tinha apenas 20
anos. Ele já era um homem conhecido, protagonista de um dos
mais importantes momentos da vida cultural brasileira - a Semana
de Arte Moderna, de 1922. E era também casado com a pintora
Tarsila do Amaral. Festejado por onde quer que passasse, o casal
simbolizava o "espírito do modernismo dândi dos
anos 20", como escreve a pesquisadora Lúcia Maria Teixeira
Furlani, em seu livro Pagu - Livre na Imaginação,
no Espaço e no Tempo (Editora Unisanta, 5ª edição,
1999). Mas eis que apareceu Pagu, trazida ao círculo modernista
pelo poeta Raul Bopp. Em 1930, Oswald casa-se com a jovem recém-surgida
no meio intelectual de São Paulo. A julgar pela personalidade
forte de ambos, era difícil esperar que o casamento corresse
como uma união tradicional. De fato, isso não aconteceu.
A começar pela cerimônia, realizada em um cemitério,
em frente ao jazigo da família do escritor. O casamento durou
quatro anos, tempo em que Pagu nunca abriu mão de suas atividades
políticas. Durante essa época foi presa em Santos
como membro do Partido Comunista, morou numa vila operária
no Rio de Janeiro e percorreu Europa e Ásia, onde fez amizade
com o imperador chinês Pu-Yi, que a presenteou com sementes
de soja, as primeiras trazidas para o Brasil. A vida pessoal, no
entanto, não renderia tantos frutos. Segundo relata o professor
K. David Jackson, da Universidade de Yale, no prefácio de
Paixão Pagu - A Autobiografia Precoce de Patrícia
Galvão (Editora Agir, 2005), ela não se sentia amada
por Oswald de Andrade. "Patrícia sofre abandono e rejeição:
'Sabia que Oswald não me amava', ela escreve, vendo nele
apenas entusiasmo e admiração, quando ela desejaria
o amor verdadeiro". Por outro lado,
como descreve ela própria na autobiografia, também
não chegou a sentir amor por Oswald. "Talvez se o tivesse
amado chegasse a odiá-lo dentro do meu desprezo. Mas nunca
amei Oswald. O meu amor exige deslumbramento e Oswald nunca conseguiu
me alcançar", diz Pagu.
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Álbum
de fotos
Evento mostra
facetas de uma das mais marcantes personalidades brasileiras do
século 20
Se estivesse
viva, a poeta, romancista, crítica, cronista, ilustradora
e autora teatral Patrícia Redher Galvão, conhecida
simplesmente como Pagu, celebraria, no dia 14 de junho, seu 96º
aniversário. Para lembrar a data, o Sesc Santana organizou
o evento Pagu, Vida e Paixão. Até o dia 16 de julho,
quem estiver interessado em saber mais sobre a vida e obra de uma
das grandes musas do modernismo terá a chance de explorar
aspectos da trajetória de Pagu. A programação
reúne uma exposição, mesa-redonda, oficinas
e a exibição dos documentários Eh, Pagu, Eh!
(1982), com direção de Ivo Branco, e de Pagu, Livre
na Imaginação, no Espaço e no Tempo (2001),
com direção de Rudá de Andrade e Marcelo Tassara,
baseado no livro homônimo de Lúcia Maria Teixeira Furlani.
Com curadoria de Leda Rita Cintra, a exposição traz
desenhos, textos e fotografias tiradas de cadernos e croquis de
Pagu. Ao todo, são 45 quadros nos quais se vêem desde
os desenhos feitos a lápis a fotos que registram momentos
familiares. Há imagens do primeiro casamento, em que ela
aparece com o escritor Oswald de Andrade e com o filho, Rudá,
além de registros da segunda união, em fotos nas quais
Pagu está com o jornalista Geraldo Ferraz e com o filho,
Geraldo Galvão Ferraz. Confira a programação.
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