Cada
vez mais cientes do poder de suas escolhas, consumidores passam a decidir
o que levam para casa de olho na responsabilidade ambiental dos fabricantes
No início era o preço. Ainda em meados do século
19, protestos contra a carestia já mobilizavam setores da sociedade.
Em 1851, colonos de fazendas de café se revoltaram contra o alto
valor de mercadorias, fato histórico conhecido como Revolta de
Ibicaba, no interior do estado de São Paulo. Outro marco foi
o Comício contra a Carestia, realizado em 1913, no Rio de Janeiro,
e que deu origem a um movimento nacional. Depois dele, houve ainda o
Dia Nacional de Protesto contra a Carestia, em agosto de 1963, com mobilizações
em vários pontos do país. No início da década
de 1990, paralelamente à luta contra os altos preços,
ganhavam espaço outras reivindicações, como a melhoria
de qualidade dos produtos - não só de alimentos, mas de
bens em geral - e uma relação mais justa entre o consumidor
e os fabricantes e comerciantes. Entrava em cena o Código de
Defesa do Consumidor (CDC). Criado em 1991, o CDC significou um passo
essencial de um processo que resultaria no Sistema Nacional de Defesa
do Consumidor (SNDC), que engloba, entre outros organismos, os Procons
de todo o país, o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização
e Qualidade Industrial (Inmetro), promotorias de Justiça e defensorias
públicas. Era a justificativa de que a demanda dos cidadãos
havia ultrapassado a fiscalização do preço.
Mas a história não acabou aí. Em tempos de aquecimento
global e demais ameaças à saúde do planeta - e
das pessoas -, a consciência se volta para outras preocupações.
Hoje, uma nova geração de consumidores passa a ter uma
responsabilidade a mais na hora de levar um alimento para casa: verificar
a "procedência socioambiental" do produto. São
levadas em conta questões como: será que aquele óleo
de cozinha é fabricado com soja plantada em áreas de desmatamento?
"Por um lado, existe um movimento muito forte por parte de pessoas
preocupadas com questões ambientais e com questões de
saúde", explica Lisa Gunn, gerente de informação
do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). "Por outro,
há o movimento - recente ainda e difícil de mensurar -
que mostra preocupação com questões sociais, por
exemplo, onde o alimento foi produzido, como foi produzido, se foi pago
um preço justo [ao produtor]."
O que esses cidadãos esperam - e exigem - dos fabricantes é
que os processos de produção respeitem conceitos como
responsabilidade social, empresarial e sustentabilidade (veja boxe O
que é preciso saber). O que, segundo Rachel Biderman Furriela,
coordenadora do Programa de Sustentabilidade Global do Centro de Estudos
em Sustentabilidade (CES) da Fundação Getulio Vargas (FGV),
não só é possível, mas também se
mostra uma importante saída para problemas que a sociedade vive.
"O setor de produção de alimentos pode contribuir
muito para promover o desenvolvimento sustentável", afirma
Rachel. "Isso inclui a produção de alimentos de forma
equilibrada, levando em conta a capacidade de carga da natureza e buscando
evitar o uso excessivo de produtos químicos poluentes."
Consumo
responsável
Segundo o Guia de Responsabilidade Social para o Consumidor produzido
pelo Idec, na linha evolutiva do comportamento da sociedade na hora
da compra, "boa parte dos consumidores vem se conscientizando da
responsabilidade envolvida no próprio ato de consumir".
Acidentes ambientais e casos de políticas negligentes por parte
de algumas empresas pegaram carona na velocidade com que as informações
circulam hoje, unindo universos antes distantes, e passaram a sensibilizar
uma parcela maior de cidadãos. Um ponto discutido é o
da monocultura de soja - de onde são derivados produtos muito
populares, entre eles o tipo de óleo de cozinha mais usado no
mundo. Casos de desmatamento ilegal para novas plantações
e o uso de sementes transgênicas são algumas das manchetes
que mobilizam os consumidores responsáveis. "É fundamental
rever nossos hábitos de consumo. Esse é o primeiro passo",
aconselha Rachel Biderman Furriela, da FGV. "É possível
reduzir muitíssimo o impacto de cada indivíduo/consumidor
sobre a natureza pelo simples ato de reduzir e repensar o consumo de
bens." Lisa Gunn, do Idec, acrescenta que o grande aliado das pessoas
é justamente seu poder de decisão na hora da compra. "O
que precisa ser estimulada [no consumidor] é a existência
de uma visão mais crítica".
Publicidade
De olho em um melhor relacionamento com os consumidores mais atentos
a essas questões, muitas organizações passaram
a usar as persuasivas ferramentas da propaganda e do marketing para
transformar responsabilidade social em valor de mercado. "Certamente
que a publicidade passa a usar isso [responsabilidade social e sustentabilidade]
para conferir aos produtos um diferencial competitivo", explica
Lívia Barbosa, diretora de pesquisa do Centro de Altos Estudos
de Propaganda e Marketing (CAEPM) da Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM). "Os produtos ficam sendo como marcas de referência
para o consumidor. A tendência é que isso seja cada vez
mais importante e privilegiado, a ponto de se tornar um lugar-comum,
como é hoje o prazo de validade nos rótulos." Outra
tática que vem sendo usada é a exposição
do fabricante ao consumidor por meio de peças publicitárias.
Trata-se da valorização do marketing institucional. "Eu
não conheço nada que tenha um potencial de negócio
que não se transforme em marketing institucional", afirma
Lívia Barbosa. "A marca somente não dá ganho
institucional à empresa. Os fabricantes, com marcas fortes, resolveram
vir à frente. Isso porque o produto passa a ser indistinto de
quem o produz. A empresa torna-se a ser parte constitutiva do produto."
A professora diz ainda que hoje existe um ambiente que propicia transparência.
Legislação
e certificação
Segundo o Guia de Responsabilidade do Consumidor do Idec, muitas empresas
multinacionais - de diversos setores, incluindo o de produção
de alimentos - se espalharam pelo mundo em busca de países que
tenham uma legislação mais "tolerante" em relação
a questões trabalhistas e ambientais. Seria o caso do Brasil?
"A legislação brasileira é bastante avançada
- tanto no que diz respeito às questões ambientais quanto
à defesa do consumidor", informa Lisa Gunn, do Idec. "No
entanto, o que falta são legislações mais específicas
e que dêem conta de problemas mais atuais. Por exemplo: quando
o Código de Defesa do Consumidor foi elaborado, a questão
ambiental ligada diretamente ao consumo não era algo tão
discutido. Logo são necessárias leis complementares que
viabilizassem a prática e o florescer de um consumo responsável
de fato."
Porém, existe uma segunda forma de regulamentação
que pode vir a proteger o consumidor: as normas estabelecidas pelo próprio
mercado. Nesse caso, os selos de certificação têm
sido recurso largamente utilizado para comprovar a qualidade de diversos
produtos. "Essa norma, a ISO 22001, veio para preencher uma lacuna
entre as normas de qualidade e as técnicas que eu diria que são
as boas práticas de fabricação, de produção",
explica Antonio Carlos Barros de Oliveira, gerente de certificação
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT),
que representa a ISO no Brasil. "Trata-se de uma norma de gestão
que diz respeito à segurança de alimentos, não
no sentido de seu teor ou valor nutritivo, mas sim quanto às
condições de manipulação, de embalagem,
de armazenagem e de transporte desse produto."
A
resposta da sociedade
Essa nova demanda da sociedade já tem causado impacto nos sistemas
de gestão das empresas. Mecanismos como a Global Reporting Initiative
(GRI) - reconhecida pela Organização das Nações
Unidas (ONU) e Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - se encarregam de orientar
posturas socialmente responsáveis e estabelecer diretrizes para
que haja maior harmonia entre o lucro e a preservação
ambiental. Já o sistema financeiro mundial estabeleceu, em junho
de 2003, um acordo conhecido como Princípios do Equador, que
estabelece diretrizes socioambientais nas quais as instituições
bancárias se baseiam para conceder empréstimos às
empresas a juros menores. "As empresas não são socialmente
responsáveis porque são boazinhas", afirma o presidente
da Associação Brasileira de Engenharia de Produção
(Abepro) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Osvaldo
Luiz Gonçalves Quelhas. "Elas precisam conhecer os riscos
inerentes a sua operação, e que hoje não são
somente financeiros, mas também ambientais.
Ver boxes:
Consciência
e qualidade
O que é preciso saber
Saiba
Mais
Consciência
e qualidade
Comedorias
do Sesc e Projeto Curumim da unidade Santo André
aliam segurança alimentar a sabor e educação
O programa
de alimentação do Sesc São Paulo data de
1947, quando passaram a ser prestados os primeiros serviços
na área. Trata-se de um trabalho que agregou as mudanças
e evoluções do tempo mantendo o compromisso de
oferecer alimentação saudável e segura.
O capítulo mais recente dessa história foi a inauguração
da comedoria do Sesc Pinheiros. O conceito de comedoria - um
termo utilizado no interior do Nordeste e que relaciona diversão
e descanso, convívio e celebração - tem
a proposta de oferecer uma área reservada à alimentação
que tenha arquitetura voltada para o bem-estar do freqüentador.
A disposição dos espaços estimula a convivência
social e familiar e a diversidade e o equilíbrio nutricional
dos pratos se une ao conceito de segurança dos alimentos,
sem deixar de lado o sabor. Nas comedorias do Sesc, a alimentação
alia a educação sobre bons hábitos e à
cultura alimentar. "Assim como a filosofia do Sesc no campo
da inclusão digital se traduz nos espaços da Internet
Livre e a sua postura em relação à atividade
física está em cada detalhe dos espaços
e das programações, a área de alimentação
tem uma identidade marcada pela ambientação, o
mobiliário, os utensílios e os cardápios.
Agrega-se a isso atividades educativas e culturais, como bate-papos
e oficinas culinárias, que fazem parte da programação
de todas as unidades", explica Márcia Bonetti, coordenadora
da área de alimentação do Sesc juntamente
com Fabiana Guerra. Um bom exemplo de que a comedoria é
um espaço que tem o objetivo de ir além de simplesmente
ser um local de alimentação é o projeto
Comida, Palavras e Prazeres, realizado pelo Sesc Pinheiros,
que promove uma troca de experiências gastronômicas
e culturais entre o público e um convidado. Já
participaram desse "bate-papo na cozinha" o jogador
de vôlei Giovani e a escritora Sonia Hirsch. Em abril
foi a vez da cantora Virgínia Rosa. No encontro Música
- O Tempero da Minha Vida, Virgínia contou ao público
os segredos de sua culinária e falou do prazer que sente
em cozinhar. A troca de receitas e "causos" aconteceu
em volta do Fogão Cultural da comedoria, local onde o
cardápio, durante o horário do almoço,
explora os sabores de diversas regiões do Brasil e do
mundo.
Na unidade Santo André, um dos destaques na área
da alimentação é a horta orgânica
criada como parte das atividades do Programa Curumim. O objetivo
é passar às crianças noções
de uma alimentação mais saudável. "A
idéia partiu da equipe do Programa Curumim, em 2005",
conta Henrique Ferreira, técnico da unidade. "Só
que precisávamos achar um espaço para os canteiros.
Encontramos no estacionamento externo, onde há um jardim."
Lá foram feitos seis canteiros, um para cada grupo de
30 crianças. Semanalmente, todos os 180 curumins participam
das diversas etapas que compõem o cultivo de verduras
e legumes, desde a preparação da terra até
o plantio, passando pelos cuidados gerais com o crescimento
das hortaliças. "As crianças participam de
todo o processo, inclusive da colheita", conta o técnico.
A Horta do Curumim produz alface, cenoura, abóbora, beterraba,
melancia, almeirão, berinjela e ervas aromáticas.
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O
que é preciso saber
Agrotóxicos
e
desequilíbrio ambiental
Em virtude do chamado êxodo rural - a migração
de boa parte da população do campo para a cidade
-, a agricultura se viu diante da necessidade de produzir mais
para suprir a demanda das cidades - segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 81% da população
mora hoje longe do campo. A saída para aumentar a produção
foi o uso dos agrotóxicos, substâncias químicas
que fornecem nutrientes às plantas (fertilizantes) e
protegem-nas das pragas (pesticidas). Seu uso cresceu na década
de 1970, quando o governo brasileiro chegou a criar uma política
oficial de incentivos. Hoje nos deparamos com os efeitos danosos
do uso indiscriminado dessas substâncias. De acordo com
o Programa Nacional de Racionalização do Uso dos
Derivados do Petróleo e do Gás Natural (Conpet),
do Ministério de Minas e Energia, de 10% a 60% do agrotóxico
usado nas lavouras fica no solo, criando o risco de contaminação
das reservas de água, uma vez que a chuva transporta
esse excesso para os mananciais.
Transgênicos
Transgênico é um organismo que contém um
ou mais genes transferidos artificialmente de outra espécie.
A polêmica que ocupa as manchetes dos jornais está
na utilização desse recurso científico
na agricultura. Segundo o Manual de Educação para
o Consumo Sustentável, produzido e distribuído
pelo Ministério do Meio Ambiente, alimentos como soja,
milho, tomate e beterraba já são comercializados
em todo o mundo em versão transgênica. Como ponto
positivo, diz-se que a mutação genética
poderia conferir às espécies maior resistência
a pragas ou a temperaturas originalmente inadequadas a determinadas
culturas, o que tornaria as lavouras mais produtivas. Como ponto
negativo está a atual carência de estudos que possam
mensurar as conseqüências desse uso para o meio ambiente
e a saúde, a perda da biodiversidade - que poderia interferir
no equilíbrio ecológico do planeta - e o possível
aumento do uso de agrotóxicos, já que culturas
transgênicas mais resistentes poderiam dar origem às
chamadas "superpragas".
Responsabilidade
social empresarial
Maneira de conduzir os negócios de uma empresa que a
torna parceira e co-responsável pelo desenvolvimento
social, incluindo preocupações com acionistas,
funcionários, prestadores de serviço, fornecedores,
consumidores, comunidade, governo e meio ambiente. No entanto,
especialistas ressaltam que responsabilidade social não
é a mesma coisa que ação social. "Não
adianta um empresa doar dinheiro a um hospital e desrespeitar
os direitos fundamentais de seus trabalhadores", exemplifica
Lisa Gunn, gerente de informação do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Desenvolvimento
sustentável
Modelo de desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da
geração atual sem comprometer a capacidade de
atender à demanda das gerações futuras.
É o desenvolvimento que não esgota os recursos
para o futuro.
Alimento
orgânico
Contém ingredientes de origem agrícola orgânica,
ou seja, é cultivado sem a utilização de
nenhum tipo de agrotóxico, substituído por adubos
naturais (como o esterco) e pelo controle biológico -
técnica que combate as pragas utilizando os próprios
inimigos naturais.
Soja
e monocultura
A soja é, de fato, importante para a economia brasileira.
Segundo série de reportagens feitas pela Radiobrás
(o áudio está disponível no site), o Brasil
é o segundo produtor mundial do grão, logo depois
dos Estados Unidos. Isso rende anuais 25 bilhões de dólares
ao país (25% de tudo que é exportado). Por outro
lado, é fato também que a produção
de soja tem seus impactos negativos. Entre eles "a conversão
de áreas de ecossistemas ricos em biodiversidade para
uma monocultura [cultivo de um só produto] (...) sem
nenhuma análise da importância dessas áreas
que estão sendo perdidas", afirmou o coordenador
do Instituto Socioambiental (ISA) André Lima na reportagem.
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Saiba
Mais
www.pr.senac.br
www.wwf.org.br
www.conpet.gov.br
www.radiobras.org.br
www.idec.org.br
www.senado.gov.br
www.greenpeace.org.br
Guia de Responsavilidade Social para p Consumidor (Idec)
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