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Profissionais da solidão e amargura

Três autores, exemplo de pura autenticidade, que a muito custo romperam a barreira do silêncio

CECÍLIA PRADA

"Aprendi o alfabeto da humana desgraça,soletrei a sorte dos homens,
soletrei o rosto deles, o vazio, o medo, a solidão, o nada."
Antonio Carlos Villaça


 

Há na história literária de cada país, escondidas, pouco divulgadas, algumas personalidades que, embora dotadas de grande talento, pelas suas próprias circunstâncias psicológicas, por dificuldades existenciais ou por incompreensão de seus contemporâneos, não atingem nunca o grande público – ou, pior ainda, não chegam a desenvolver plenamente seus recursos literários. Legam-nos poucos livros, de feitio subjetivo, sofrido, e permanecem no rodapé da fama e da história oficial, esperando que de quando em quando alguém folheie nos sebos seus livros há muito esgotados, ou que algum sobrinho distante descubra esquecidos em móveis empoeirados seus amargurados diários íntimos. De sua humildade, de seu sofrimento, tiramos porém uma lição de autenticidade. De amor verdadeiro à literatura. De compreensão de que a vida do artista não é, não pode ser aquela desesperada busca de glória, dinheiro e projeção pessoal que infelizmente caracteriza nosso tempo midiático. Que é em "silêncio, exílio e criatividade" que se trava, como dizia Joyce, a batalha cotidiana pela expressão, o desafio de se entender o mundo a partir de nossa introspecção.

Os escritores que enfocamos desta vez, o carioca Antonio Carlos Villaça (1928-2005) e os mineiros Maura Lopes Cançado (1929-1993) e Campos de Carvalho (1916-1998), pertencem a essa categoria.

"Um peregrino em perigo"

Durante os 20 anos em que residi no Rio de Janeiro, mantive relações de amizade com Antonio Carlos Villaça – cuja morte em um asilo de pobres, em maio de 2005, aos 77 anos, constituiu uma espécie de "pedra de escândalo" para a mesma comunidade literária que ele descreveu minuciosamente, com uma reverência devotada, exagerada até, diríamos, durante toda a sua vida.

Em 1972, freqüentamos, ele e eu, um dos primeiros "laboratórios de criação" surgidos no Brasil: uma tríplice iniciativa dos professores e escritores Affonso Romano de Sant’Anna, Gilberto Mendonça Teles e Silviano Santiago, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Estabelecendo uma troca fecunda com meia dúzia de escritores-alunos, esses profissionais souberam formar um clima de estímulo e entendimento em que cada um de nós, em noites sucessivas, falava do seu trabalho, já realizado ou em gestação. A vez de Villaça foi marcada por uma dramaticidade especial: quando falava de sua vida sofrida, a luz do prédio apagou de repente. Mas ele não se incomodou – era uma noite de lua cheia, e a luz fria filtrada pelas vidraças passou a envolver nosso grupo. Nesse ambiente meio fantasmagórico, continuamos a ouvir a voz do escritor, que nos dava com toda a sinceridade um testemunho que nunca esqueceríamos: "O que tem sido a literatura para mim? Sem a literatura eu teria me suicidado."

Villaça era uma "figura" – imensamente gordo, alto, apertado sempre, naquele calor do Rio, em um terno preto de tropical lustroso, camisa social e gravata. Seus pés, rigorosamente contidos em sapatos fechados, de amarrar, pareciam sustentar a custo o peso enorme. Um meninão ingênuo, de olhar míope e bondoso. Provavelmente homossexual, mas de uma discrição absoluta, um "enrustido", certamente, encerrado no mistério de sua descompensação hormonal. Sofria imensamente com seu físico, com sua pobreza, com a solidão quase absoluta – filho único, com a morte dos pais ficara totalmente desprovido de vínculos familiares. Lembro como nos contava uma noite, em casa de Marcílio Marques Moreira, os pormenores da "tragédia de um gordo" que não podia sequer tomar um ônibus, porque não passava na catraca, nem mesmo servir-se da abundante frota de fuscas da época. Só um táxi amplo, de quatro portas, conseguia acomodá-lo. E também, queixava-se, tinha de gastar tanto pano para mandar fazer um terno, coisa cara... gordo tinha de ser rico... e ele tentava sobreviver somente com o que escrevia.

Mas estava em todos os lugares onde literatos se reuniam, adorava fazer discursos e prestar homenagens, comparecia com zelo inabalável a todas as posses da Academia Brasileira de Letras (ABL), a todos os funerais de intelectuais notórios, discursando aqui e ali sempre que podia. Cultivava admirações pueris por medalhões que não valiam a sua sombra, registrava todo o miúdo anedotário da vida intelectual do país, sonhava sempre com um futuro lugar na Academia – que nunca lhe foi concedido. A ilustre casa outorgou-lhe em 2003, porém, seu maior galardão, o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.

O primeiro e mais importante livro de Villaça, o autobiográfico O Nariz do Morto, continuado mais tarde em O Anel e em Monsenhor, foi saudado pelos críticos da época (1970) como verdadeira obra-prima, ponto alto de nossa memorialística, colocado acima de Joaquim Nabuco, de Gilberto Amado e até mesmo de Pedro Nava. No necrológio que lhe dedicou em 7 de junho de 2005, na "Folha de S. Paulo", diz de Villaça o escritor Carlos Heitor Cony: "Poucos escreveram tão bem, tão limpamente e tão profundamente".

Livro de uma sinceridade espantosa. Livro que parece verter sangue de suas páginas – o que falta na maioria das cloróticas autobiografias que hoje entopem prateleiras de livrarias. Livro em que o escritor desnuda sua fé religiosa, sua "fome de absoluto", sua teimosa insistência em inserir-se em várias ordens religiosas. Conta: "A fé religiosa como que me assaltou. Vi-me subjugado pelo entusiasmo. A vida de rapaz que amava as letras e sabia de cor seus poetas preferidos, a vida simples, descuidada, solitária, tantas vezes, de um rapaz estudioso (e reto) ganhou esse frêmito novo e desconhecido, essa audácia, essa loucura, essa vibração absurda". Foi noviço entre os beneditinos e os dominicanos, cortejou jesuítas e franciscanos, mas não se adaptou nunca à servidão do pensamento livre ao dogma. Depois tentou, mas inutilmente, tornar-se sacerdote secular – repugnou-lhe a mediocridade, a rotina, a superficialidade cultural daqueles seres que estudavam teologia e falavam latim, mas que de outras matérias, como biologia e literatura, "só tinham noções, em ritmo de compêndio vulgar".

Sua profunda desilusão com a vida monástica, seu mergulho nas raízes da hipocrisia que caracterizava o mundo religioso em que viveu são descritos com vigor e constituem tema e tratamento absolutamente inéditos na nossa história literária. É toda uma galeria de frades e padres de todos os feitios e naipes excêntricos, desvairados, obsessivos, ou envoltos em espessa rotina e mediocridade, que Villaça nos faz conhecer. Mas, como homem imensamente culto, um "literato" à antiga, ele nos dá mais do que isso: seus livros constituem documentação ímpar, uma análise em profundidade do pensamento católico de sua época, em âmbito mundial – os derradeiros tempos de uma Igreja rígida, autoritária, templo de uma "aristocracia do pensamento" que logo mais, com o Concílio Vaticano II, seria irremediavelmente abalada e contestada pelos ventos da Teologia da Libertação.

Egresso do seminário, desabilitado para o exercício regular de uma profissão como acontecia com todos os ex-seminaristas, Villaça foi jogado aos trambolhões no mundo e teve de desdobrar-se em pequenas tarefas intelectuais – a paixão literária contrabalançava com um desespero existencial que o ia levando ao limiar da loucura. Cria dois heterônimos, em O Nariz do Morto, para contar sua trajetória: Lelento, que dá conta de suas peripécias monásticas e de suas aventuras literárias, transforma-se em Sigismundo nas 30 últimas páginas, para descrever seu período de internação no Instituto Pinel, do Rio de Janeiro – testemunho de uma pavorosa solidão. Pobre ser jogado aos extremos da precariedade humana, mas sem perder a consciência, olho agudo que ainda, e sempre, observa e descreve a tosca e disforme humanidade que à sua frente desfila, ele se enreda em pesadelos insidiosos e dominados por persecutórias figuras de cardeais, pelo seu cerebralismo desvairado de intelectual cristão... até que sua inteligência domina, e ele consegue fugir a toda essa enxurrada – chega à portaria do hospício, ninguém lhe impede a passagem, nem o importuna, o retém. Diz o escritor: "Sigismundo saiu. A rua estava embaixo, à sua espera, a rua da infância, a rua antiga, a rua banal".

Mas a solidão, aceita, será sua companheira inexorável, até o fim da existência, obrigando-o a dirigir apóstrofes a si próprio: "Ó caminhante sombrio e só! Sempre sentiste o efêmero de tudo. Nunca pousaste, nem repousaste em nada. Nunca tiveste sossego. Foste sempre um peregrino em perigo". Reconhecia como desejável, apetecível, a vida comum, "uma casa, com mulher e meninos", mas era obrigado a aceitar a marginalização: "Nunca terás isto, ó incauto viajante, ó ser noturno, abandonado e trágico, nunca terás o limpo sossego dos homens. Não o terás porque o recusas, ó louco, ó orgulhoso, ó só. Não conhecerás nunca a meiga tranqüilidade dos serões sem agitação: viverás como um condenado, sem casa, entregue à nostalgia do paraíso absurdo, sem chave, sem nada. Caminharás sem fim. Nunca chegarás".

Nos últimos anos de sua vida teve de ser alojado em um quarto que ficava na sede do PEN Club do Brasil, por iniciativa do amigo Marcos Almir Madeira. Quando este faleceu, foi despejado, mas, contando ainda com a ajuda de outros colegas escritores, mudou-se para uma casa de saúde particular, onde terminou seus dias.

Poucos dias antes de morrer conseguiu assinar um contrato com a Editora Civilização Brasileira para a reedição de sua grande obra, O Nariz do Morto, que saiu em 2006. Sabe-se, porém, pelo seu último livro lançado em vida, Diário de Faxinal do Céu (1998), que à profunda amargura de toda a existência sucedera em seu espírito privilegiado uma sábia aceitação da vida, da morte, do tempo, da "longa jornada nossa rumo à noite, que será luminosa como o dia". Porque, diz, "daqui a pouco farei 70 anos. A velhice me acolhe... Não é um desafio? Amar a vida numerosa, que sempre se renova e nos renova, com suas surpresas, apelos, brincadeiras, advertências, sustos, alegrias".

Literatura e loucura

Não cheguei a conhecer pessoalmente a escritora Maura Lopes Cançado, apesar de circular pelo mesmo ambiente literário do "Suplemento Dominical" do "Jornal do Brasil", em sua época áurea, sob a direção de Reynaldo Jardim. Foi somente por volta de 1973 que recebi um dia a visita do diretor teatral Paulo Afonso Grisolli – ele me trazia um livro "diferente", pedindo que eu fizesse uma adaptação para o teatro. Era Hospício é Deus, de Maura – obra que me causou um profundo impacto, despertando-me para o problema da loucura e principalmente para o paradoxo da internação, temas de que mais tarde me ocuparia extensamente, como jornalista. Conservo até hoje o livro, que reli várias vezes. Cheguei a trabalhar em sua adaptação, com bastante êxito. Mas um dia Grisolli me telefonou para dizer que não seria mais possível levar o projeto adiante, pois o filho de Maura, o jornalista Cesarion Praxedes, não autorizaria essa forma de divulgação da tragédia de sua mãe.

Maura é um exemplo-limite de inter-relacionamento da literatura com a loucura. Não se tratava, no seu caso, de meros episódios depressivos, mas de esquizofrenia paranóide declarada, que a impedia de ter uma vida dentro dos parâmetros da normalidade. Pela data de sua morte, 1993, aos 64 anos, podemos situar seu nascimento em 1929, em Patos de Minas – sempre escondeu a idade, tanto que José Louzeiro, que conviveu bastante com ela, diz que estreou literariamente em 1958 com um conto publicado no "Jornal do Brasil", "aos 18 anos" – na verdade já teria 28. De tradicional e abastada família mineira, criada em fazenda, chegou a sofrer abusos sexuais em criança, por parte de um empregado – conta isso em seu livro. E estranhou desde cedo o ambiente familiar, impregnado de injustiças e de machismo. O desejo de fugir dele levou-a a atitudes extremas, um casamento aos 14 anos com um tenente da polícia militar e mais tarde aviador, Jair Praxedes, filho de importante coronelão de Bom Despacho, e do qual teve o filho Cesarion, aos 16 anos. Confessava Maura, porém, que vivera cinco meses na casa dos sogros, "todo esse tempo acreditando-me apaixonada pelo pai do meu marido".

Fascinada pela aviação, logo se tornaria ela própria aviadora, assombrando com suas acrobacias ousadas as pequenas vilas mineiras em um teco-teco que ganhara do pai e que batizaria com o nome do filho. Uma de suas proezas foi provocar a queda do aparelho, jogando-o contra um grupo de casas da cidadezinha de Bom Despacho. Só para ter a sensação da desintegração no ar, como nos relata o jornalista e escritor Pedro Rogério.

Terminado o casamento, fugiu para o Rio de Janeiro levando o filho, para tornar-se escritora, afirmava. Só via como alternativa à carreira literária o suicídio. Já contava na época com vários períodos de internação em instituições psiquiátricas e tornara-se, segundo sua própria expressão, uma "esquizofrênica profissional". Os episódios mais trágicos de sua vida conturbada – que incluem pelo menos um homicídio – permanecem ainda envolvidos em uma certa névoa, não havendo, é claro, interesse por parte de sua família em divulgá-los. Os poucos testemunhos que temos não situam exatamente quando esse episódio ocorreu. Eu própria conservava, de minha vivência no Rio de Janeiro, a idéia de que o fato teria ocorrido nos anos 1960, ou início dos 70, por ocasião de uma internação na Casa de Saúde Dr. Eiras, onde Maura teria assassinado uma colega paciente, que estava grávida, mas as referências que se obtêm hoje divergem.

Entre elas estão, por exemplo, as de Carlos Heitor Cony, em artigo publicado na "Folha de S. Paulo" no dia 15 de junho de 2007, em que, comentando teses em curso no meio universitário sobre a escritora mineira, diz: "...em duas de suas crises mais violentas, matou uma enfermeira e um namorado, cumpriu pena em presídios psiquiátricos, foi liberada por parecer de médicos que a examinaram e por juízes que a absolveram".

Mas José Louzeiro, que diz ter sido amigo de Maura durante anos, dá detalhes diferentes. Em artigo publicado no "Estado de Minas" em 7 de abril de 2002, confirma que ela matara uma colega de enfermaria, que estaria "impregnada", crime pelo qual fora condenada a viver no Manicômio Judiciário. Diz ainda Louzeiro que Maura não tinha idéia do que fizera, não sabia por que estava "metida entre tantos loucos" e reclamava de ser continuamente violentada pelos guardas. Uma comissão de escritores formada pelo próprio Louzeiro e mais Nélida Pinõn, Cícero Sandroni, Rubem Fonseca e Evaristo de Morais Filho obteve a soltura da escritora, que foi colocada sob a tutela do grupo. E que continuou a dar a todos grandes preocupações – criava continuamente problemas com os vizinhos, com os porteiros, inventava complôs terríveis contra ela. O que a forçava a atitudes estranhas. Em uma época viajava diariamente para São Paulo, tomando um ônibus noturno e regressando ao Rio na manhã seguinte, pois somente assim, dizia, poderia escapar aos "malfeitores" que queriam matá-la.

A publicação na primeira página do "Suplemento Dominical" do JB do seu conto "O Sofredor do Ver" marcou sua inserção no meio literário. Encorajada principalmente pelo jornalista Reynaldo Jardim, começou então a escrever e publicar um diário de suas internações, um minucioso relato que nunca havia sido tentado antes das circunstâncias de seu cotidiano de doente mental, reunido depois em seu grande livro Hospício é Deus.

Antecedendo no Brasil o movimento pela reforma – e a utopia de extinção – do "asilo psiquiátrico" da década de 1970, o livro de Maura, lançado em 1965 e reeditado em 1979, ultrapassa o feitio "documento" para se tornar autêntica obra literária. É a irrupção de um temperamento artístico não freado por convenções estilísticas, que se solta à toda, no mais das vezes em enxurrada, gritando ao mundo seu grande sofrimento, denunciando – no seu exagero – toda a carga de repressão, de hipocrisia, de ambigüidade moral da sociedade dita "civilizada". Incidindo em cheio no paradoxo da reclusão imposta ao doente mental, no castigo que para ele significa o sistema verdadeiramente penitenciário da maioria das instituições (principalmente públicas). Sua pergunta básica: por que punir o louco pelo que faz de "errado" se foi internado justamente por não ser responsável pelos seus atos?

Como Villaça, esmera-se Maura em descrever um ambiente fechado, o do manicômio, regido por regras absurdas, arbitrariedades e incoerências, que ela estranha. Como antes já estranhara o ambiente de violência autorizada do meio familiar rural mineiro, um mundo regido pela injustiça, pela desigualdade social, pelo autoritarismo patriarcal. Sua literatura, como a de Villaça, é mais do que um grito de revolta: é a análise, de dentro, das peculiaridades, das ridicularias, do "sistema" (do hospício/sociedade) em que não consegue se encaixar, nunca, peça anômala, única, e que luta, até o amargo fim, pelo direito à expressão.

Como em Villaça, a existência atormentada de Maura desenrola-se sobre um fundo de religiosidade mórbida, pegajosa e inexorável, vinda da infância, mas que nela – ao contrário do que acontece com o escritor carioca – não é nunca conforto, idealização, esperança. Uma frase forte marca o que foi para ela essa enorme sombra: "Deus foi o demônio da minha infância". E seu famoso livro atesta desde os primeiros parágrafos essa assombração constante:

"... Estou no hospício, deus. E hospício é este branco sem fim, onde nos arrancam o coração a cada instante, trazem-no de volta e o recebemos: trêmulo, exangue – e sempre outro. Hospício são as flores frias que se colam em nossas cabeças perdidas em escadarias de mármore antigo, subitamente futuro – como o que não se pode ainda compreender. São mãos longas levando-nos para não sei onde – paradas bruscas, corpos sacudidos se elevando incomensuráveis: hospício é não se sabe o quê, porque hospício é deus".

Auto-exílio

Um mineiro radicado em São Paulo, Walter Campos de Carvalho (1916-1998), é o melhor exemplo de escritor que – de tão autêntico, original e incompreendido – preferiu permanecer sem escrever nada durante um longo período de 34 anos, após ter publicado quatro ótimos livros, de 1956 a 1964: A Lua Vem da Ásia, Vaca de Nariz Sutil, A Chuva Imóvel e O Púcaro Búlgaro. Em conversa com o escritor Nelson de Oliveira – um dos responsáveis, com Mario Prata e Carlos Felipe Moisés, pela atual "ressurreição" do autor –, explicou uma vez Campos de Carvalho, já no fim da vida, que essa atitude de absoluto retraimento devia-se a uma altercação que tivera com o editor Ênio Silveira. E acrescentava: "Toda noite releio meus livros. Acho que eu era doido mesmo. O Carlos Felipe Moisés acha que eu não sou".

Realmente, o humor selvagem do escritor transborda em seus livros de estilo personalíssimo, na sua obsessão com os temas da loucura, da morte, da sexualidade desenfreada, nos recursos da literatura do nonsense e da irreverência. Mas sua rebeldia literária, considerada aberração no tempo em que começou a escrever, nos anos 1940 e 50, hoje nos parece mais do que adequada – imprescindível mesmo – para nos situarmos diante da complexidade selvagem deste mundo pós-moderno e pós-tudo.

Pouco antes de morrer, Campos de Carvalho teve a alegria de ver suas novelas reunidas publicadas pela José Olympio, em edição rapidamente esgotada. E hoje sua obra vai se encaixando no sofisticado tipo cult, pois, como diz o escritor Juva Batella em livro-tese sobre o autor, "ele fascina especialmente os loucos, as crianças e os poetas". 

 

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