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O país em busca de novos mercados

Sem estratégia adequada, Brasil é identificado apenas por futebol e algumas commodities

HERBERT CARVALHO


Arte PB

Na década de 1970, enquanto o Brasil vivia o período que ficou conhecido como "milagre econômico" – seu PIB somava US$ 334 bilhões e o país exportava US$ 12 bilhões –, do outro lado do planeta a China engatinhava, com PIB de U$ 160 bilhões e exportações que não passavam de US$ 6 bilhões. Em menos de 30 anos, a situação inverteu-se: só as reservas externas chinesas somam hoje mais de US$ 1 trilhão. Apenas em 2006, o superávit comercial do país asiático alcançou a marca de US$ 177,5 bilhões, resultado de US$ 969 bilhões de exportações, contra US$ 791,5 bilhões de importações, cifras que impressionam. E ainda crescem a cada mês.

Enquanto isso o Brasil, apesar de uma recuperação notável na balança comercial – que evoluiu de um déficit de US$ 7 bilhões em 1997 para um superávit de US$ 46 bilhões no ano passado – e do saldo recorde de US$ 30,6 bilhões no balanço de pagamentos em 2006, continua patinando em termos globais. Mesmo com o salto da corrente de comércio externo (ou seja, a soma de exportações e importações), em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), de 11% em 1990 para 25% atualmente, nossa fatia nos negócios e nos investimentos mundiais, como compradores, vendedores, receptores de capitais ou investidores, ainda é de irrisório 1%. Menos que na década de 1950, quando era de 1,3%.

Diante desses números cabe a pergunta: o que a China tem que o Brasil não tem? Resposta: um projeto de inserção no mundo globalizado, baseado na exportação de manufaturados. Um posicionamento estratégico que a Índia – com uma expansão econômica de 6% ao ano, em média, nos últimos 15 anos – também tem, embora focado na exportação de serviços.

Já nosso país, apesar das características únicas, como população culturalmente homogênea – ao contrário da China e da Índia, fracionadas por etnias e idiomas diversos –, e condições territoriais, geográficas e climáticas mais favoráveis que as dos países emergentes que conosco concorrem no mercado internacional, hoje perde espaço e oportunidades no excepcional cenário da economia mundial (em expansão de 4,5% anuais desde o ano 2000), em razão da falta de um projeto.

A sociedade brasileira, entretanto, aos poucos vai percebendo que a questão da inserção externa do país é um tema importante demais para ser deixado apenas nas mãos de diplomatas e burocratas governamentais. São eles que acertam a participação brasileira em blocos como o Mercosul ou na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas cabe às empresas aplicar os acordos resultantes das negociações, com reflexos em toda a economia e mesmo além dela.

Entre as iniciativas empresariais destinadas a definir novos rumos em relação ao lugar que podemos e devemos ocupar no mundo, destacou-se recentemente o ciclo de debates "Inserindo o Brasil", organizado pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio SP), que se dedicou a reunir elementos para resolver o seguinte dilema, objeto desta reportagem de Problemas Brasileiros: continuará o país a exportar principalmente commodities agrícolas e minerais ou diversificará mais sua pauta, ampliando a oferta de produtos de maior valor agregado?

Inovar para exportar

Para orientar o debate, o diretor de Estudos Setoriais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Alberto De Negri, apresentou o estudo "Inserção externa e inovação na indústria brasileira". Resultado de um mapeamento da estrutura produtiva do país, esse trabalho revelou que inovar e gastar mais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) aumenta em 16% as chances de uma empresa ingressar no mercado internacional como exportadora, além de ampliar em 116% o volume das vendas externas daquelas que nele já atuam. "A inovação tecnológica é mais relevante justamente nos mercados mais dinâmicos do comércio mundial e proporciona um adicional de no mínimo 30% no valor da exportação, em razão do maior valor agregado", explica Negri.

A estrutura produtiva brasileira, explica o diretor do Ipea, é heterogênea. "Quando se trata de inserção internacional, a teoria das vantagens comparativas diz que países em desenvolvimento deveriam se especializar na exploração de recursos naturais, delegando às nações mais adiantadas o mercado dos bens produzidos com tecnologia intensiva. Mas o Brasil é um país diferente da média dos demais emergentes. Somos altamente competitivos na exportação de commodities, o solo e o clima favorecem a produção de soja, nosso minério de ferro é duplamente mais rico do que os de outras jazidas do mundo. Mas também vendemos no mercado externo bens de maior intensidade tecnológica", diz Negri. "Temos recursos naturais e mão-de-obra, tecnologia e vantagens de escala de produção para uma inserção mais dinâmica no comércio internacional", resume ele.

O estudo do Ipea conclui que, se a base de aproximadamente 18 mil empresas exportadoras brasileiras aumentasse em torno de 14%, ou seja, se mais 2,5 mil firmas passassem a exportar, como resultado da capacidade de inovar, essa expansão representaria acréscimo de US$ 1,4 bilhão em nossas vendas externas, valor equivalente à soma da eliminação das barreiras tarifárias dos Estados Unidos e do Canadá, ou da União Européia, que estão sendo negociadas com o Mercosul.

Outra pesquisa, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os investimentos realizados em P&D pelas empresas industriais brasileiras somam R$ 5,1 bilhões, ou apenas 0,6% de seu faturamento. Esse valor é muito baixo se comparado aos padrões internacionais, especialmente dos países desenvolvidos. Na Alemanha o percentual é de 2,7% e, na França, de 2,5%. Ainda segundo o IBGE, apenas 1.199 indústrias inovam e diferenciam produtos, ou seja, somente 31,5%, contra uma média de 50% na Europa.

Para fomentar a capacidade de inovação da indústria nacional, De Negri defende a ampliação das linhas de financiamento já existentes para essa finalidade, como as da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "Nossa proposta é priorizar aquelas 5 mil empresas que já têm pesquisa e desenvolvimento, de forma a elevar de 0,6% para 1,5% os gastos nessa área em proporção ao faturamento delas. Isso significa passar dos atuais R$ 5,1 bilhões de P&D anuais para cerca de R$ 13 bilhões, em oito anos. Os recursos seriam subsidiados até a juro zero, caso as empresas ampliassem o número de doutores, em articulação com as universidades", explica o diretor do Ipea.

Bolas de ferro

O professor de economia Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES, faz um retrospecto do problema. "A indústria brasileira perdeu peso no âmbito mundial, e sua participação encolheu de 2,5%, no início dos anos 1990, para os atuais 2%. A fatia do setor industrial no PIB do país também minguou nesse período, de 22% para 18%. A Embraer é nosso orgulho, exportamos celulares, mas, apesar disso, nossa participação no mercado mundial de alta tecnologia está estagnada em 0,5% há 15 anos, enquanto a China partiu de 0,6% e hoje já está em 6%."

Coutinho analisa as causas desse atraso: "A indústria brasileira entrou na corrida com várias bolas de ferro: juro alto, taxa de câmbio apreciada, carga tributária sufocante. Por isso a inovação se rarefez. O Brasil tem um superávit muito grande em agronegócios e commodities minerais, mas acumulou um déficit enorme em alta tecnologia".

Ele concorda com a proposta de elevar os gastos em P&D de 0,6% para 1,5%, mas faz uma ressalva: "Isso só dará resultado se for aplicado a cadeias industriais específicas". Cita como exemplo o complexo de tecnologia da informação, telecomunicações, eletrônica de consumo e microeletrônica, segmentos em que os gastos com P&D variam entre 15% e 20% do faturamento. Acrescenta que nessas áreas e também nas de química, farmacêutica, aeroespacial e defesa outros países adotaram o sistema de clusters (promoção de atividades tecnológicas de alguns setores produtivos em determinados locais).

Coutinho reivindica que o Congresso Nacional regulamente a renúncia fiscal como alavanca para a inovação tecnológica. "Os países dão, sim, tratamento tributário diferenciado e privilegiado a cadeias inteiras. Foi desse modo que a China e a Irlanda atraíram empresas para zonas de processamento especial. Em certos setores há até mesmo uma guerra fiscal global pela atração de indústrias e atividades de alta tecnologia", ele diz, sugerindo um antídoto para erros nesse tipo de política industrial: "O importante é que essas medidas sejam adotadas dentro de um sistema de baixa proteção tarifária e plenamente integradas ao mercado global, que é o tribunal da competitividade".

De acordo com o economista, também é preciso reforçar as estruturas tecnológicas por meio de uma política de recursos humanos qualificados. Ele explica por quê: "Enquanto no Brasil há menos de 30 mil engenheiros em atividade no setor produtivo, nos Estados Unidos são 800 mil, na China 130 mil (dentro de poucos anos mais de 300 mil) e na Coréia do Sul 100 mil. O número de patentes mostra igualmente o atraso relativo do Brasil. Só o estoque de patentes da Samsung sul-coreana é maior do que todo o nosso dos últimos anos", diz Coutinho, acrescentando ainda que das 200 patentes por ano que o Brasil registra muito poucas representam algum esforço extraordinário do setor produtivo.

"O principal patenteador tem sido a Unicamp, que a partir do sistema de incubadoras disputa com a Petrobras essa liderança." Sua conclusão é que as vantagens comparativas são criadas pela sociedade. "Por isso precisamos de políticas que construam essas vantagens, que incentivem os setores usuários intensivos de engenharias e patenteadores."

Marcas brasileiras

Outros analistas consideram que, para não perder o atual espaço na corrente internacional de comércio, conquistar novas fatias e diversificar os destinos de suas vendas externas, o Brasil deve exportar não apenas produtos, sejam primários ou manufaturados. "Hoje, é principalmente a ‘não-commodity’ que pode ampliar as oportunidades de crescimento sustentado do comércio exterior brasileiro", diz Jean-Claude Silberfeld, economista e professor de relações internacionais. "A instalação de empreendimentos varejistas e de serviços em outros países deveria ser apoiada pelos mesmos mecanismos que hoje fomentam a exportação de produtos. Por exemplo, uma rede brasileira de churrascarias no exterior, como a Fogo de Chão, favorece a associação, na mente do consumidor, entre produto de qualidade e o país que os exporta. Da mesma forma, quem pensa na grife Gucci se lembra automaticamente da Itália", acrescenta Silberfeld, para quem o Brasil está atrasado em relação à penetração em diferentes regiões do mundo.

"Perdemos fantásticas oportunidades de marcar presença na construção das economias dos Estados oriundos da dissolução da União Soviética, espaço que foi ocupado por empresas da União Européia, dos Estados Unidos, da Índia, da Coréia do Sul, do Japão e, nos últimos anos, da própria China. Até pouco tempo atrás, o único empreendimento privado brasileiro nas repúblicas da ex-URSS era uma franquia da H. Stern na antiga capital do Cazaquistão, Alma Ata. Em relação à África, a situação não é muito melhor, apesar de esse continente ser, desde a década de 1970, foco de ações pontuais, geograficamente localizadas, do Estado e de empresas brasileiras, como Petrobras, Camargo Correa, Odebrecht e algumas outras", analisa Silberfeld.

O fato se repete mundo afora. São poucas as iniciativas contínuas de fixar a presença brasileira por meio de ações empresariais. Sem estratégia de longo prazo, o país continua a ser identificado apenas com o futebol e algumas commodities. Entre estas, nem mesmo o café recebeu um esforço de identidade semelhante ao promovido pela Colômbia nas últimas décadas.

Negociações

Além do que vender, a questão da inserção do Brasil relaciona-se com o outro lado da moeda: para quem? Como global trader – ou seja, um país que vende de tudo um pouco para diferentes regiões do planeta –, o Brasil depende de acordos comerciais para ampliar sua corrente de comércio externo. Nas exportações agrícolas, por exemplo, o país seria enormemente beneficiado por uma conclusão da Rodada Doha da OMC que eliminasse as barreiras dos países ricos em relação a esses produtos.

Outras opções são a participação em blocos comerciais, como o Mercosul e a fracassada Alca, e os acordos bilaterais, mais difíceis de concluir com os países com os quais valeria a pena, como explica o diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero: "Fui embaixador nos Estados Unidos e nada me daria mais alegria do que assinar um acordo, o mais amplo possível, com os americanos. Mas eles são negociadores não apenas duros – em alguns aspectos, como o da propriedade intelectual, chegam a não ser razoáveis. E agora, com o Congresso dominado pelos democratas, qualquer acordo bilateral com os EUA ficou ainda mais difícil".

O assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, ao ser questionado se o governo Lula teria ajudado a lançar uma pá de cal no projeto da Alca, nega que a política externa atual seja antiamericana: "Apenas uma parte do setor empresarial brasileiro queria a Alca, a outra não se manifestou porque tinha consciência de que esse acordo significaria a destruição de setores importantes da nossa economia, como ocorreu com o México, que com o Nafta ficou sem nenhum banco nacional". Garcia é um dos idealizadores e operadores da atual política externa brasileira, que privilegia a ampliação do Mercosul – após a adesão da Venezuela, o próximo membro pleno deverá ser a Bolívia – e as parcerias com outros emergentes, como a China, a Índia, a Rússia e a África do Sul.

O presidente do Conselho de Relações Internacionais da Fecomercio SP, Mário Marconini, reconhece que a política externa brasileira contribuiu para a diversificação de nosso comércio em termos regionais, mas critica o que considera um excesso de geopolítica, em detrimento dos interesses comerciais. "No Mercosul, o Brasil faz todas as vontades da Argentina, ignorou os sócios menores, como o Uruguai, e apoiou a adesão da Venezuela de maneira precipitada, antes que esse país tivesse cumprido os requisitos necessários para uma integração plena. O resultado é que o bloco se distancia cada vez mais de seu objetivo inicial, que seria servir de plataforma para a inserção de seus membros de maneira vantajosa na economia global."

Mundo plano

O debate em torno das formas de inserção dos países em desenvolvimento no mundo globalizado também tem sua vertente teórica, com inúmeros livros publicados sobre o assunto. Dois títulos, porém, se destacaram. A bíblia dos que defendem a inserção dos emergentes mediante a adoção das reformas macro e microeconômicas cristalizadas pelo chamado Consenso de Washington é O Mundo é Plano – Uma Breve História do Século XXI (Editora Objetiva), do jornalista americano Thomas Friedman, best-seller tanto nos EUA como no Brasil.

Do outro lado está um trabalho de pesquisa histórica e econômica até recentemente restrito aos meios acadêmicos, mas que foi subitamente celebrizado por estar no centro da polêmica desencadeada no Ministério das Relações Exteriores pelo ex-embaixador brasileiro nos EUA, Roberto Abdenur. O diplomata, que solicitou sua aposentadoria ao ser afastado do posto em Washington, saiu atirando contra o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e contra o ministro Celso Amorim, que estariam "ideologizando" a política externa brasileira. Como prova citou uma lista de livros de leitura obrigatória para diplomatas, encabeçada precisamente por Chutando a Escada – A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica (Editora Unesp), do economista sul-coreano Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge e ex-consultor de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial.

A obra de Friedman é escrita em cativante estilo jornalístico por um autor que, além de ter conquistado três vezes o Prêmio Pulitzer por suas colunas de política externa no jornal The New York Times, é conhecido por outros sucessos de venda: De Beirute a Jerusalém, sobre o Oriente Médio, O Lexus e a Oliveira – Entendendo a Globalização e mais um sobre o mundo após os atentados de 11 de setembro de 2001, ainda inédito no Brasil.

De acordo com Friedman, o mundo tornou-se plano na etapa que ele chama de Globalização 3.0, na qual a disseminação da tecnologia da informação e das comunicações pela internet permitiu a "globalização das pessoas". Nessa linha de raciocínio, a Globalização 1.0, inaugurada por Cristóvão Colombo em 1492, permitiu a "globalização dos países". A Globalização 2.0, que segundo ele se estendeu de 1800 a 2000, interrompida apenas pela Grande Depressão e pelas guerras mundiais, foi a era da "globalização das empresas", com o surgimento e glória das multinacionais. As duas primeiras fases foram encabeçadas por europeus e americanos, enquanto a terceira seria movida cada vez mais por um grupo diversificado de não-ocidentais e não-brancos.

"Na Globalização 3.0 a força dinâmica, que lhe confere seu caráter único, é a recém-descoberta capacidade dos indivíduos de colaborar e concorrer no âmbito mundial", diz Friedman, segundo o qual a pergunta básica que deve fazer o habitante de qualquer parte do mundo, no século 21, é a seguinte: "Como é que me insiro na concorrência global e nas oportunidades que surgem a cada dia e como posso, por minha própria conta, colaborar com outras pessoas, em âmbito global?"

Friedman argumenta que a instalação de conectividade em banda larga no mundo inteiro – paralelamente ao barateamento dos computadores, à explosão dos softwares, do correio eletrônico e de sites de busca como o Google – engendrou uma plataforma com base na qual o trabalho e o capital intelectuais poderiam ser utilizados a partir de qualquer ponto do globo. "Tornou-se possível fragmentar projetos e transmitir, distribuir, produzir e juntar de novo as peças, conferindo ampla liberdade ao trabalho intelectual", diz um trecho do livro, que cita Bangalore, o Vale do Silício na Índia, como clímax desse processo de convergência. Para lá foram também terceirizados serviços como os de call center e de contabilidade de grandes empresas americanas, exemplo extensamente analisado por Friedman como evidência de seu mundo plano. Ele conclui que os países emergentes, além das reformas macroeconômicas – liberalização do comércio e dos investimentos internacionais, privatização e desregulamentação –, devem promover as reformas micro (trabalhista, tributária, previdenciária), para desfrutar plenamente desse novo mundo.

Escada chutada

Já o professor Chang questiona não apenas essas "políticas boas", mas também as "boas instituições", cujo modelo são as existentes nos países atualmente desenvolvidos (que ele designa pela sigla PADs), sobretudo nos anglo-saxônicos: democracia; agilidade burocrática; judiciário independente; respeito aos direitos de propriedade, inclusive intelectual; governança empresarial transparente e orientada para o mercado e instituições financeiras encabeçadas por um banco central politicamente independente.

Seu argumento central é que essas políticas e instituições só foram adotadas pelos PADs quando já estavam desenvolvidos. Na fase de desenvolvimento, ao contrário, Chang afirma que eles foram protecionistas e isolacionistas, incentivaram a pirataria de produtos, a espionagem industrial e a quebra de patentes, praticaram a intervenção do Estado na economia, regulamentaram em detalhes a relação entre capital e trabalho, recorreram a ditaduras para suprimir agitações e movimentos sociais e de modo geral percorreram um longo e tortuoso caminho até chegar às instituições que hoje orgulhosamente exibem e pretendem impor a todas as nações.

Chang vai além e sustenta que não só os PADs fizeram o contrário do que hoje pregam, como nunca teriam chegado a ser o que são de outra maneira. Mostra que a Inglaterra só se tornou livre-cambista quando conquistou uma clara hegemonia industrial. Que os Estados Unidos não apenas foram ferrenhos defensores de sua indústria nascente, como também a sede intelectual do pensamento protecionista, que praticam até hoje em aberta contradição com o discurso liberal. Que na Europa as mulheres não votavam até a década de 1930 e que nos EUA os negros só puderam se alistar como eleitores nos anos 1960, após intensa luta pelos direitos civis.

O autor não conclui – longe disso – que as políticas e instituições consideradas "boas" de fato não o sejam. Apenas duvida que elas devam ser aplicadas mecanicamente pelas nações hoje em fase de desenvolvimento. Para ele, ao difundir seu modelo de forma indistinta e sem considerar as fases e as peculiaridades de cada país, o que os PADs pretendem é chutar a escada pela qual chegaram ao desenvolvimento. Chang considera que as "políticas ruins" que eles aplicaram com tanta eficiência quando estavam se desenvolvendo devem ser permitidas e até estimuladas nas atuais economias emergentes. "É hora de repensar que políticas e instituições ajudarão os atuais países em desenvolvimento a crescer mais depressa", finaliza ele. 

 

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