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Os maiores jornais do mundo

Uma visão da imprensa internacional

MATÍAS MARTÍNEZ MOLINA


Matías M. Molina / Foto: Nicola Labate

O jornalista Matías M. Molina esteve presente no dia 10 de abril de 2008 no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Sesc e Senac, onde proferiu uma palestra baseada em seu recente livro, "Os maiores jornais do mundo".

Se há alguma coisa de que gosto de falar é a imprensa. Escrevi o livro Os Melhores Jornais do Mundo (Editora Globo) sobre os principais noticiosos mundiais porque achava que eram pouco conhecidos no Brasil. Apresento a seguir um panorama desses importantes órgãos de imprensa.

The New York Times

É o jornal mais influente do país mais poderoso. Essa influência é aumentada pela internet, onde hoje estão 20 milhões de usuários únicos. Seus artigos são reproduzidos em periódicos do resto do mundo. "The New York Times" é um dos três jornais nacionais, impresso em mais de 20 pontos nos Estados Unidos. Para reforçar o alcance no exterior, comprou o "International Herald Tribune", editado em Paris e que circula em mais de 140 países. É controlado pela família Ochs Sulzberger há mais de cem anos, um detalhe que explica sua continuidade.

The Wall Street Journal

"The Wall Street Journal", que em dezembro último foi vendido a Rupert Murdoch, foi durante mais de cem anos da família Bancroft. Eles não conseguiram superar as divergências internas nem resistir à oferta fantástica que receberam. É o grande jornal de negócios dos Estados Unidos, o maior do Ocidente, muito bem escrito, talvez mais bem escrito que qualquer outro diário americano porque tem preocupação com a palavra impressa.
Deu um grande salto na circulação, que era de uns 35 mil a 40 mil exemplares no fim da 2ª Guerra Mundial, para mais de 2 milhões, depois que mudou o foco. Anteriormente era feito para os mercados acionário e financeiro. Passou a ser orientado não para os banqueiros, mas para os clientes dos banqueiros.
É um jornal muito esquizofrênico. Há uma separação entre a equipe das páginas de informação e a da editoria de opinião, independente, que é ultraconservadora. Rupert Murdoch, que o comprou, disse que seu objetivo é diversificar a cobertura do jornal: mais política, mais informação internacional. Ele quer substituir "The New York Times" como a principal fonte de formação da opinião pública americana. É o único diário do mundo que conseguiu uma grande circulação paga na internet, de quase 1 milhão de exemplares.

The Washington Post

"The Washington Post" é o jornal político dos Estados Unidos, o da sede do poder. O negócio de Washington, a capital, é política e poder político. "The Washington Post" é seu jornal. Foi acusado de arrogância. Depois de Watergate, quando contribuiu para derrubar o presidente Richard Nixon, seus jornalistas acreditavam que sua função era derrubar ou decapitar reis.
O "Post" é bem diferente do "The New York Times". É um jornal regional e tem de dirigir-se a toda a população da área de Washington: ao senador, ao motorista de táxi, à costureira, ao presidente da República.

Los Angeles Times

"Los Angeles Times" é o maior jornal metropolitano dos Estados Unidos. Durante quase um século pertenceu à família Chandler, cuja principal preocupação era ganhar muito dinheiro e não pagar impostos. Eles usavam o jornal para alavancar seus negócios particulares. Diz-se que a figura principal do filme Chinatown, Noah Cross, foi inspirada no dono do "Los Angeles Times". Uma de suas ações: uma região próxima a Los Angeles, o vale de San Fernando, tinha pouca água. Mas havia água a 200 quilômetros. Empresários conseguiram dos poderes públicos permissão e financiamento para transportar o líquido até o vale. Eles tinham comprado grande parte das terras daquela região, que valorizaram quanto se pode imaginar. E quem fez toda essa campanha foi o "Los Angeles Times", cujo dono foi o maior comprador daquelas terras.
Isso mudou quando um membro da família decidiu tornar esse periódico um jornal de verdade. Transformou-o num dos melhores do mundo. Depois ele foi vendido para um grupo de Chicago, o Tribune, que acreditava ver sinergias onde não as havia. Perdeu dinheiro e foi vendido de novo no fim do ano passado. Quem comprou foi Sam Zell, usando basicamente o fundo de pensão dos empregados. Muito endividado, o jornal está perdendo consistência.

The Globe and Mail

"The Globe and Mail" é o mais importante jornal do Canadá. Ele quer se apresentar como uma combinação do "The New York Times" e do "The Wall Street Journal", porque o Canadá é um dos poucos países desenvolvidos sem um jornal de economia diário. "The Globe and Mail" tem uma cobertura muito consistente. É um jornal nacional e hoje faz parte de um conglomerado de mídia. A família Thomson, que já controlou o "The Times", de Londres, é o principal acionista.

Financial Times

Numa pesquisa feita na Suíça em 2005, o "Financial Times" foi escolhido o melhor jornal do mundo. É considerado talvez o mais abrangente jornal global de negócios. "The Wall Street Journal" é visto como um jornal americano que tenta ir para o exterior; já o "Financial Times" tem uma visão do mundo mais imperial, mais ampla. Pertence ao grupo Pearson, controlado pela família Cowdray. Durante um tempo, o maior acionista individual da Pearson foi a Telefónica, com pouco mais de 5%, mas já vendeu essa participação.

The Guardian

"The Guardian" é o grande jornal liberal inglês. A independência da redação é incrível. Um executivo do grupo tinha contribuído para o Partido Trabalhista, que está no poder, depois de receber um título de nobreza do governo. Uma colunista achou essa atitude incompatível com um jornal como "The Guardian" e o executivo teve de sair.
O jornal nasceu em Manchester, no começo do século XIX, com o nome de "Manchester Guardian". Manchester era a grande potência têxtil do mundo, uma cidade com um entorno cultural muito rico. Mas com a decadência econômica da região, o "Manchester Guardian" também teve problemas. Como era um órgão de qualidade, com custos elevados mas com uma receita de jornal de província, enfrentou um dilema. Arriscar e tornar-se um jornal nacional ou encolher e ser um jornal provinciano. Decidiu ir para Londres. Hoje ninguém mais lembra que era um jornal de Manchester.
"The Guardian" tem uma circulação relativamente pequena, de 350 mil exemplares, mas percebeu o potencial da internet. Investiu e hoje é um dos mais lidos na rede. Por meio da internet, "The Guardian" quer ser o grande diário liberal do mundo.
Entretanto, o jornal perde dinheiro. É mantido por um tipo de fundação, a Scott Trust, que montou um grupo de comunicação cujos lucros financiam as perdas do jornal. O único objetivo da Trust é assegurar a publicação e manter a liberdade editorial do "The Guardian".

The Times

Durante muito tempo, "The Times" foi o jornal mais influente do planeta. Abraham Lincoln disse uma vez: "Não conheço nada tão poderoso quanto o ‘The Times’, a não ser, talvez, o rio Mississípi". Depois, o jornal entrou em decadência. Hoje quem o controla é Rupert Murdoch, que perde muito dinheiro com ele. Não reclama. Seus editores asseguram que o proprietário não interfere na linha editorial.
"The Times" tenta crescer combinando internet com jornal impresso. Para entrar em outros países de língua inglesa investe na rede mundial e lança uma edição impressa para a região. Fez isso nos Estados Unidos, na Índia, no Oriente Médio. "The Times" vê sinergias nesse processo, pois, quando se separa a internet do papel impresso, perde-se uma combinação incrível de forças.

Le Monde

"Le Monde", criado por inspiração do general De Gaulle depois da 2ª Guerra Mundial, já foi o jornal de referência dos intelectuais brasileiros. De Gaulle queria um jornal muito influente no mundo, à altura da França, como "The Times", só que em francês, e um órgão independente. Escolheu como diretor Hubert Beuve-Méry, que logo se tornou independente até em relação a De Gaulle. A relação entre eles era muito estranha: os dois se respeitavam, mas mantinham distância. Numa recepção, De Gaulle disse em alemão uma frase de Fausto, a obra de Goethe: "Ich bin der Geist der stets verneint" ("Eu sou o ser que tudo nega"). Beuve-Méry disse que não negava sempre tudo. Nunca mais se falaram. Quando o jornal enfrentava dificuldades políticas por causa de sua independência ou havia pressões para fechá-lo, o primeiro a defendê-lo era De Gaulle. Hoje o "Le Monde" continua um jornal bom, o melhor da França, mas com um pequeno problema: quem o controla são os jornalistas. Há quase uns 30 anos a divisão interna na redação é maior do que a de um partido político. Escolhem um diretor, mas outro grupo veta e se digladiam entre si e com a empresa. Essas brigas internas duram até hoje. Quando há necessidade de cortes, e o jornal hoje é deficitário, uma parte da redação se posiciona contra. Neste ano foi trocada de novo a cúpula da empresa, por pressão da redação.

Le Figaro

"Le Figaro" é o jornal da burguesia francesa. Como o nome indica, era mais literário. Depois da guerra emergiu como um grande diário, sólido e muito confiável. Teve complicações com o controle acionário. Já foi propriedade de indústrias de perfumes e de lãs. Hoje é controlado pela Dassault, que faz o avião Mirage. Aliás, um grande acionista do "Le Monde" é o grupo Lagardère, também fabricante de armas.

Frankfurter Allgemeine Zeitung

O "Frankfurter Allgemeine Zeitung" ("FAZ") é um jornal sóbrio e conservador. Segundo "The Economist", o jornal "mais sério de um país muito sério". Foi fundado em 1949, como herdeiro de um antigo jornal liberal, o "Frankfurter Zeitung".
O "FAZ" é uma plataforma para os debates intelectuais. Günter Grass, escritor esquerdista, não gosta do jornal por motivos ideológicos, mas o escolheu para dar a entrevista em que confessou que tinha sido membro, quando garoto, da SS, a polícia secreta de Hitler. É também um jornal que dá muito destaque à informação econômica.
Em setembro de 2001, o "Frankfurter Allgemeine" decidiu lançar uma edição de domingo, menos sóbria que o jornal diário. O timing não foi muito afortunado, mas agora está indo bem.
O "FAZ", como os outros jornais de língua alemã, tem um problema na internet: enquanto um jornal em inglês ou espanhol pode ser lido no mundo inteiro com certa facilidade, quem lê alemão fora da Europa central? Pouca gente. O uso da internet, para crescer globalmente, é então limitado. Não se pode fazer um jornal global em alemão como se faz em inglês.

Süddeutsche Zeitung

O "Süddeutsche Zeitung" é o diário de qualidade de maior circulação da Alemanha. É um jornal liberal na região mais conservadora do país, a Baviera. O processo de fundação teve lances surpreendentes. Depois da 2ª Guerra, na Baviera, que era uma região de ocupação americana, escolheram-se pessoas para lançar novos jornais. Os candidatos foram divididos em "negros" – os que tinham colaborado com os nazistas – e "brancos"– os que não tinham colaborado. Havia também uma enorme área cinzenta intermediária. Quando o encarregado da seleção entrevistou uma pessoa dessa área cinzenta e perguntou: "Você colaborou?, a resposta foi que ela tivera de transigir para sobreviver. E perguntou ao entrevistador americano o que ele teria feito. A pergunta ficou na sua cabeça durante muitos anos. Quando ele chegou a Munique encontrou uma pichação: "Dachau, Auschwitz, Belsen – tenho vergonha de ser alemão". E embaixo outra: "Goethe, Schiller, Beethoven – tenho orgulho de ser alemão". Percebeu que sua tarefa seria complicada. Mas fez uma boa escolha e o jornal que resultou dela é um dos melhores do mundo. É muito bem-feito, mas menos conhecido do que o "Frankfurter". Era controlado pelas cinco famílias fundadoras, mas elas decidiram vender o controle a uma editora regional alemã. Isso não está no livro porque é coisa muito recente.

Corriere della Sera

O "Corriere della Sera" é o principal jornal italiano, o jornal da burguesia. Editado em Milão, teve historicamente uma relação um pouco distante com Roma e olhava com receio a capital e sua atividade política, com a qual não queria se misturar. Apesar dessa atitude, o "Corriere" foi o primeiro jornal nacional italiano e publica uma edição romana.
Na época de Mussolini, colaborou com ele. Luigi Albertini é considerado o grande jornalista italiano de todos os tempos. Era antifascista e acionista do "Corriere" e tinha um contrato de longo prazo com o jornal, só que a família Crespi, a acionista controladora, descobriu que o contrato não tinha sido registrado em cartório. Mussolini pressionou e os Crespi, dispostos a colaborar, conseguiram tirar Albertini em 1925, depois de 25 anos no jornal. Mas foi ele quem fez do "Corriere" o grande jornal da Itália. Até hoje, para os italianos, a grande tradição jornalística é albertiniana.
O "Corriere" é controlado pela elite da elite dos negócios da Itália. O número de ações de cada participante é pequeno, mas entre os acionistas estão Generali, Fiat, Mediobanca, Intesa e Pirelli. Berlusconi o vê como seu grande inimigo e fez muita pressão para tirar o diretor do jornal.

Neue Zürcher Zeitung

O "Neue Zürcher Zeitung", da Suíça, é o jornal mais antigo de todos os incluídos no livro. O primeiro editor foi indicado por Goethe. É um jornal que não se preocupa com o "furo", em dar a notícia antes dos outros. Ele prefere explicar o que significa a informação, analisá-la. Para seus jornalistas, os fatos nada significam se não forem explicados e colocados num contexto.
O controle está nas mãos de um grande número de pequenos acionistas. Segue uma linha conservadora. Alguns nomes dos grandes negócios suíços estão no conselho do jornal, que teve vínculos tradicionais com o partido radical.
Na primeira edição, de 1780, foi publicado um desenho com um homem num cavalo tocando uma corneta. Quando o editor era trocado, o cavalo mudava de direção. Era a única indicação de que havia um novo editor no jornal. Como fez o "Frankfurter Allgemeine", o "Neue Zürcher Zeitung" lançou, no início desta década, um jornal de domingo, também com bom resultado.

El País

Entre todos os jornais incluídos no livro, "El País" é o mais jovem. Surgiu com a abertura política espanhola, em 1976. Seu capital estava muito dividido, com acionistas de uma grande diversidade ideológica. No dia do lançamento, 4 de maio de 1976, estava presente o ministro do Interior, mas outro acionista, membro do Partido Comunista, não pôde ir porque estava na cadeia por ordem desse mesmo ministro. "El País" foi um bom negócio desde o começo. Foi o núcleo do grupo empresarial Prisa, que tem faturamento de € 3,5 bilhões por ano.
A briga pelo controle do jornal começou cedo, mais uma disputa ideológica do que outra coisa. O controle ficou com Jesús de Polanco, que morreu em julho de 2007. Ele construiu o grupo e manteve a linha liberal do jornal. "El País" é o periódico de língua espanhola de maior circulação. Por meio da internet, quer ser o grande jornal global nesse idioma.

Asahi Shimbun

O "Asahi Shimbun" é o mais influente jornal japonês. São quase 12 milhões de exemplares por dia. Os números impressionam: mais de mil jornalistas, 44 sucursais, 239 escritórios somente no Japão, 200 edições diárias e 22 locais de impressão.
O modelo japonês de jornalismo é bem diferente do ocidental. Com as 200 edições, o "Asahi" dá notícias locais quase até da padaria da esquina. A ligação com o leitor é muito íntima, concreta, de seu interesse. A preocupação em ter uma edição muito, mas muito, local está sendo reproduzida em outros países.

Nihon Keizai Shimbun

O "Nihon Keizai Shimbun" ("Nikkei") foi incluído no livro porque é o maior jornal de economia do mundo, com uma circulação de quase 5 milhões de exemplares. Tem 27 locais de impressão. Com linguagem direta, muito clara, o "Nikkei" tem a preocupação de escrever de forma simples, até para a dona de casa. Isso é um fator de sua grande penetração. Detalhe: o segundo maior jornal de economia do mundo, o "Sangyo Keizai Shimbun", com 3 milhões de exemplares, também é japonês. Então, se o "Nikkei" conseguiu essa circulação, não é por ter um monopólio.

No Brasil

A situação dos jornais é muito curiosa no Brasil. Com 532 diários, é o terceiro país do mundo em número de jornais. Mas está em décimo lugar em circulação.
Em 2006 eram vendidos por dia 7,2 milhões de exemplares. Uma estimativa indica que no ano passado o número cresceu 11%, chegando perto de 8 milhões. Seria o pico da circulação de jornais no Brasil. O fundo do poço foi em 2003.
O grande salto dos jornais foi dado pelos noticiosos populares. O "Extra", do Rio de Janeiro, está completando dez anos e foi o primeiro de um novo tipo no Brasil, o dos diários populares baratos. Nos anos 1990, surgiram vários periódicos desse tipo, do norte ao sul.
Houve uma segunda onda desses novos jornais a partir de 2005. No Rio apareceram o "Q!", que fechou logo, o "Meia Hora" e depois o "Expresso da Informação". Em Minas saíram o "Aqui BH" e o "Super Notícia". Este deu um grande salto e hoje disputa a liderança, em circulação, com a "Folha de S. Paulo" e com o "Extra". Surgiram de 2005 para cá mais de dez jornais diários populares.
Os grandes jornais, porém, estão caindo. Como exemplo, vejam a "Folha". Em 1997, a circulação média diária nos dias úteis era de 404 mil. No ano passado foi de 293 mil. Aos domingos, vendia 854 mil em 1997 e no ano passado foram 357 mil. "O Globo" e "O Estado de S. Paulo" seguiram tendência semelhante.
Mas a influência desses jornais continua sendo muito grande. O Brasil é um dos poucos países que não têm uma agência nacional de notícias. Quem vende informação são os grandes jornais. Os principais, fora do eixo São Paulo-Rio, têm como fontes as agências Estado, Folha ou O Globo. Conclui-se assim que a influência desses jornais sobre a opinião pública nacional é muito maior do que sua circulação.

Debate

NEY PRADO – Roberto Campos disse que "no Brasil não temos opinião pública, temos opinião publicada". Gostaria que você entrasse mais na análise dessa expressão.

MATÍAS – Isso acontece em todos os países do mundo, só que a opinião publicada não está descolada da opinião pública. A opinião dos jornais não reflete sempre a dos donos. Os grandes jornais têm uma vida que com freqüência independe da vontade do dono. É claro que os principais jornais ajudam a formar a opinião pública, têm influência numa elite, mas ao mesmo tempo são influenciados por ela. Um jornal que simplesmente se limite a divulgar opiniões do dono no longo prazo fica descolado da opinião pública. Há outra coisa: os editoriais ficaram menos relevantes. Conta Gay Talese no livro The Kingdom and the Power que um anunciante publicou no "The New York Times" um encarte de 12 páginas de um projeto imobiliário. No mesmo dia, o editorial do jornal criticou o projeto. O anunciante reclamou. O diretor comercial tranqüilizou-o: "Ninguém lê os editoriais". Em pouco tempo todos os apartamentos foram vendidos.

LUIZ HUMBERTO PRISCO VIANA – Isso tem a ver com a qualidade dos editoriais?

MATÍAS – O editorial pode ser bem escrito, mas se naquele momento a opinião pública não está muito a fim daqueles temas, o ignora.

VICENTE MAROTTA RANGEL – Muitos de nós somos leitores da "The Economist", que nos dá informações ricas e preciosas do que ocorre em várias partes do mundo. A leitura de algumas revistas semanais, inclusive brasileiras, como "Veja" e "Época", não significaria uma tendência substitutiva dos jornais diários?

MATÍAS – "The Economist" é uma publicação excepcionalmente boa. Mas não acredito que as revistas semanais vão substituir os jornais. O jornal é diário, nervoso, atualizado. Você não pode esperar uma semana pela informação ou pela análise do evento.
Tirando a "The Economist", que é diferente, as revistas semanais de informação, como "Time" e "Newsweek", enfrentam problemas, preocupam-se com sua sobrevivência.
O Brasil lê pouca revista. Mas, no que se refere às semanais de informação, é um pouco diferente. "Veja", com 1,1 milhão de exemplares, é a maior revista semanal de informação fora dos Estados Unidos, a quarta do mundo. E temos a "Época", com mais de 400 mil exemplares, e a "IstoÉ", com mais de 300 mil. A maior revista semanal argentina, "Noticias", vende 50 mil exemplares. Em compensação, a tiragem do "Clarín" é muito maior que a de qualquer jornal brasileiro. No México a revista semanal de maior circulação, "Proceso", vende 70 mil exemplares. A maior semanal em outros países da América Latina é a "Semana", da Colômbia, que deve comercializar uns 200 mil. JOSUÉ MUSSALÉM – Os jornais franceses, tanto "Le Figaro" quanto "Le Monde", têm bons cadernos de economia e dão muito valor à questão histórico-cultural. Outro bom jornal francês, do qual Jean-Paul Sartre foi editorialista, é o "Libération". E o "L’Humanité", que pertenceu ao Partido Comunista, teve certa importância histórica na França. Na Itália, "Il Sole 24 Ore" tem uma grande penetração na região rica do norte...

MATÍAS – No país inteiro. É o quarto jornal italiano. "Il Sole" vende na Itália mais do dobro que o "Financial Times" comercializa na Inglaterra.

CLÁUDIO CONTADOR – Há umas duas semanas um empresário citava um jornal como um exemplo. No editorial dizia que era o jornal de maior circulação no Brasil, com 350 mil exemplares. Pertence à Igreja Universal.

MATÍAS – Dizem que vendem 2 milhões de exemplares por semana. Eles têm muito dinheiro. Acabam de comprar o "Correio do Povo", o grande jornal gaúcho, e têm o "Hoje em Dia", em Belo Horizonte. Não lhes faltam recursos para alavancar um diário de grande circulação. Mas uma coisa é vender uma folha semanal e outra um jornal diário.

MÁRIO ERNESTO HUMBERG – Você não acha que a redução da circulação dos jornais no Brasil tem relação direta com a queda de qualidade?

MATÍAS – Os jornais perderam qualidade, sim. A imprensa enfrentou um sério problema econômico. Da 2ª Guerra para cá não conheço um período tão ruim para a imprensa como aquele entre 2000 e 2004. Houve também erros dos grandes grupos, que, na euforia dos anos 1990, começaram a endividar-se em dólar para diversificar. Com a desvalorização a dívida cresceu e tinha de ser paga em um momento em que o país entrava em depressão econômica. A receita desabou e a dívida em reais explodiu. Todos os grandes grupos – Globo, Abril, Folha – tiveram problemas. Venderam ativos e demitiram. Jornalistas experientes custam caro. Foram substituídos por novatos. Assim caiu a qualidade. Hoje as empresas estão mais sólidas e tentam recompor as redações. Mas houve uma grande queda de qualidade, sim.

ÁLVARO MORTARI – Acredito que a queda de circulação dos jornais também tem a ver com a internet. A juventude hoje está muito mais interessada na mídia eletrônica. E não está tão profundamente envolvida em problemas globais.

MATÍAS – A internet realmente reduziu a circulação dos jornais. A crise econômica influenciou muito também. Empresas que compravam vários jornais cortaram assinaturas. E o leitor mais jovem procura a internet. Mas a informação mais lida na internet é a que o jornal coloca na rede. O jornal, apesar de tudo, é a grande usina de informação, de formação de opinião e de análise.

LUIZ GORNSTEIN – Desde 2007 os diários brasileiros apresentam pesquisas para a eleição presidencial de 2010, o que me parece uma excrescência, coisa que os jornais do exterior jamais fazem. Isso influencia o leitor? Outra observação: a busca das empresas jornalísticas pela abertura do capital não existe.

MATÍAS – As pesquisas influem, mas isso é livre. Você não pode proibir a divulgação das pesquisas e os partidos têm interesse nela. Nos Estados Unidos a definição dos candidatos ocorre pouco antes da eleição final. Há três anos ninguém sabia se seria Hillary Clinton, Obama ou qualquer outro. Quanto ao mercado de capitais, nos Estados Unidos a maioria das grandes empresas jornalísticas é de capital aberto. Algumas da Europa também. No Brasil isso era proibido na prática. O acionista de um jornal tinha de ser pessoa física. Se a ação está na Bolsa, como controlar o comprador? Mais: se o dono é pessoa física, como aumentar o capital? A alternativa que o jornal tinha para investir era endividar-se. A legislação mudou e hoje a situação melhorou parcialmente. Se tivesse mudado nos anos 1990, algumas empresas possivelmente teriam aberto o capital. Hoje é mais difícil.

EWALDO DANTAS – Recentemente foi inaugurado em Nova York o Newseum, o museu da imprensa, uma coisa fantástica. Junto divulgou-se uma pesquisa segundo a qual 28% dos americanos não têm plena confiança nas notícias.
O grande divisor de águas na imprensa é: opinião/informação. O "USA Today" foi o primeiro jornal nacional nos Estados Unidos e teve um êxito muito grande. Uma inovação é que ele não tinha opinião. Eles destacavam algum assunto com um ponto de vista, procuravam alguém que pensava o contrário e publicavam as duas coisas. "El País" começou a diferenciar a apresentação gráfica das coisas: opinião tinha uma forma e informação outra.
No Oriente Médio é um drama. A repórter Guila Flint consegue ser odiada por judeus, árabes e palestinos. Ela me disse: "O problema é que tenho de dar a informação para todo mundo, não posso lidar com opinião". Hoje ela é a maior repórter da BBC de Londres.

ZEVI GHIVELDER – Falou-se muito em queda dos jornais, mas não se comentou a extraordinária melhoria do noticiário da televisão. Se compararmos a cobertura noticiosa hoje da TV aberta com a de cinco anos atrás, a diferença é abissal. Em relação aos jornais populares, como "Extra" e "Meia Hora", pergunto se há uma correlação com os tablóides ingleses.

MATÍAS – O jornal popular no Brasil é sui generis. No exterior o noticioso gratuito tem grande penetração. Os tablóides ingleses, no entanto, estão sofrendo grandes perdas. O "Daily Express" chegou a vender 4,1 milhões de exemplares diários, hoje são 800 mil. O maior tablóide inglês em circulação foi o "Daily Mirror", nos anos 1960, com 5,2 milhões. Agora patina em torno de 1,5 milhão. O maior hoje é o "The Sun", que já vendeu mais de 4 milhões e tenta se segurar em torno dos 3 milhões. Quanto à televisão, a pauta dos noticiários, nos Estados Unidos e até aqui, é feita em cima dos jornais de qualidade.

JANICE THEODORO – Utilizando um critério de qualidade como referência, como poderíamos classificar os jornais brasileiros? Outra questão: a capacidade crítica dos jornais sofreu alguma transformação com a entrada da internet?

MATÍAS – Nenhum jornal brasileiro chega ao nível do "The New York Times" ou dos grandes jornais, mas há, sim, alguns bons jornais aqui. O periódico latino-americano de maior prestígio no mundo inteiro foi "La Prensa", de Buenos Aires. O segundo, "O Estado de S. Paulo".

EWALDO – "La Prensa" foi fechado por Perón.

MATÍAS – Sim, depois voltou à família Gainza Paz, mas não conseguiram recuperar a qualidade. Quanto à capacidade crítica dos jornais, eles criticam muito os outros, mas são pouco críticos de si mesmos. A grande qualidade de um jornal se vê na forma como fala de si mesmo.

MÁRIO AMATO – Em meu tempo de juventude, o "Estado" era como uma bíblia para mim. Depois, vi o empastelamento de "A Gazeta". Mais tarde fui convidado a assumir a presidência desse jornal, que estava numa situação difícil. Aceitei o desafio porque "A Gazeta" era fantasticamente informativa. Hoje leio todos os jornais e todas as revistas. Sua palestra veio a esclarecer alguma coisa que tinha perdido ao longo de meus 89 anos.

SAMUEL PFROMM NETTO – Tive o privilégio de bater um papo com Paul Deutschmann, que propunha uma tipologia baseada em três grupos de leitores. Primeiro, o localista, cujo interesse é limitado à comunidade. O segundo seria formado pelos leitores nacionalistas, que querem saber o que está acontecendo no país. E, por último, os internacionalistas, que se interessam pelo que acontece no mundo inteiro. Deutschmann destaca a relação – e aqui está o nó do problema – muito íntima que existe entre essa tipologia e tudo o mais que diz respeito aos jornais. De um lado, a educação e, de outro, a cultura. É quase um milagre que existam bons jornais em um Brasil semi-analfabeto. Os jornais refletem a cultura, a civilização, a inteligência e a escolarização do povo a quem se dirigem.
A segunda questão é sobre a imprensa interiorana, geralmente jornais de pequeno porte que se concentram no primeiro tipo de Deutschmann, do leitor local. Como você vê o futuro dessa imprensa das cidades do interior?
Outro tópico é a publicidade. Hoje, os jornais sobrevivem graças à propaganda. Em que extensão ela comanda os jornais?
Uma última perguntinha: de que morrem os jornais? São Paulo teve o "Correio Paulistano" e o "Diário da Noite", o Rio teve o "Diário de Notícias" e o "Correio da Manhã". Eles morrem por morte natural ou são mortos?

MATÍAS – Educação e cultura são coisas básicas. A Argentina, por exemplo, instituiu a educação universal em 1880. O Brasil só começou a alfabetizar intensivamente com o Mobral [Movimento Brasileiro de Alfabetização]. O leitor internacionalista mencionado é o do jornal da elite educada.
Sobre o interior, mencionei que o Brasil tem 532 jornais diários. A maioria interiorana. Em alguns casos é um número exagerado, porque não há condições econômicas para manter todos eles.
Sobre a publicidade, é claro que os jornais vivem dela, mas nenhum anunciante representa em geral mais de 1% ou 2% da receita do jornal. É muito comum falar sobre a influência do anunciante, pode acontecer, mas nos grandes jornais ela é pequena.
De que morrem os jornais? De morte morrida, quando por algum motivo deixam de atrair o interesse do leitor. Existe uma frase famosa: "Um jornal começa a morrer 15 anos antes". Ele pode perder qualidade, mas sobrevive por inércia, pela imagem do passado. Mas, quando o declínio é percebido, é quase impossível reverter a tendência.

 

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