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Expressão Original


A nona edição da Bienal Naïfs do Brasil mostra a genialidade da produção nacional
 



Pergunta clássica: como se definem os diferentes tipos de pintura? Entre os critérios tradicionais estão a escola ou o movimento a que um artista pertence e a época em que viveu ou mesmo a cultura do país em que concebeu sua produção. O espanhol Pablo Picasso, por exemplo, é um dos expoentes da pintura cubista, que surge em Paris no início do século 20. Já seu conterrâneo, o pintor Salvador Dalí, é obrigatório quando se fala em surrealismo, movimento que chegou às artes plásticas por volta de 1930. Vale lembrar, no entanto, que esse tipo de avaliação alia o talento ao conhecimento erudito, adquirido nas academias, liceus, universidades ou na efervescência dos movimentos artísticos. Nesse contexto, qual seria o papel de uma arte produzida da pura e simples percepção do homem, “ingênua”, como diriam alguns? Naïf, ingênuo em francês, refere-se à produção também chamada espontânea ou primitiva. Segundo explica o francês Lucien Finkelstein, fundador do Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil (Mian), localizado no Rio de Janeiro, no livro Brasil Naïf (Nova Direção, 2001), o termo nasceu com a própria vontade do homem de se expressar. “Esse tipo de arte está presente na origem mesma da arte”, escreve. “Pode-se dizer que ela nasceu com o primeiro ser humano que se arriscou a deixar seus traços nas grutas e cavernas pré-históricas. Os cervos, bisões e mamutes desenhados nas grutas de Lascaux, na França, e na de Altamira, na Espanha, são emocionantes. Lá está a arte em estado puro, o homem transcendendo o biológico para criar a cultura, inventar o social, a comunicação”, completa.


A chamada arte naïf é, muitas vezes, menos valorizada pelos críticos e acadêmicos – e até mesmo por alguns artistas plásticos. “Existe certo pé atrás em relação a essa espontaneidade, a essa maneira simplória de retratar as pinturas”, explica Jacqueline Finkelstein, diretora do Mian e filha de Lucien. No entanto, em referência ao fazer artístico, a máxima do dramaturgo ?Nelson Rodrigues, que dizia que toda unanimidade é burra e particularmente eficaz. Países como França, Itália, Iugoslávia, Haiti e Brasil têm uma grande produção naïf. Aqui, o reconhecimento ganhou espaço, com um exemplo concreto e bem-sucedido, uma bienal que, além de expor a produção nacional, tem a função de descobrir novos talentos. A Bienal Naïfs do Brasil, realizada pelo Sesc Piracicaba desde 1992, chega neste ano à nona edição. O evento – de 5 de setembro a 14 de dezembro – é o maior do gênero na América Latina e mantém-se fiel ao propósito de valorizar os artistas e suas obras.


Cenário Nacional

Entre as novidades deste ano, está a opção do júri – formado pela antropóloga Ângela Mascelani, o artista plástico e acadêmico Percival Tirapeli e o escritor e jornalista Romildo Sant’anna – de escolher obras não por temáticas determinadas, mas justamente pelo contrário: a liberdade de escolha dos temas. Foram avaliadas 904 obras inscritas de 452 artistas e selecionados 107 trabalhos, entre esculturas, pinturas, aquarelas de artistas de todo o Brasil, representando 21 estados. “Se 21 estados da nação estão aqui representados e a produção obrigatoriamente teve que ser recente, no período de dois anos, nada mais justo do que eleger essa bienal como representativa dessa pulsante criação da primeira década do século 21”, comenta Percival Tirapeli. “É expressão pura dos artistas do povo brasileiro que se manifestam com total liberdade e que assim são acolhidos por esta instituição, o Sesc, presente em todo o país, sendo Piracicaba seu local irradiador, condizente com sua cultura em todas as expressões no cenário nacional.”


O objetivo do Sesc São Paulo na realização desse evento, que já ganhou lugar cativo na agenda cultural do estado e do país, é valorizar artistas de fora do contexto acadêmico e teórico. “Se pensarmos que o artista naïf gera sua arte sem a influência de conceitos, imagine o quão difícil pode ser o seu processo de criação”, defende o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda. “A percepção de um mundo novo surge do caos, da desordem, que ele [o artista naïf] alinha, ordena e traduz como arte. É um ser que se debruça sobre seus sentimentos e discorre sobre o universo como uma espécie de deus.”



Arte de Primeira
Obras em fotografia, pintura e escultura são os destaques da sala especial

Um dos destaques da nona edição da Bienal Naïfs do Brasil é a sala especial, com curadoria do crítico e cineasta Olívio Tavares de Araújo, que, este ano, traz oito importantes nomes do estilo, vindos de diversos estados brasileiros. São eles os artistas Roseno (foto) e Ranchinho, de São Paulo; Chico Tabibuia, do Rio de Janeiro; Alcides Pereira dos Santos e Boaventura da Silva Filho (conhecido como Louco), da Bahia; Nuca de Tracunhaém, de Pernambuco; Eli Heil, de Santa Catarina; e Chico da Silva, do Acre. “O termo naïf (ou ingênuo) estabelece uma hierarquia”, afirma Tavares de Araújo. “É como se o artista erudito fosse emocional e/ou intelectualmente mais maduro, mais lúcido, mais inteligente. Mas não é nada disso. [o erudito] Pode ser, quando muito, mais informado.”