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Hoje é só o Começo


 

Avessos a estereótipos da terceira idade pouco ativa, muitos idosos arregaçam as mangas e dedicam-se ao trabalho comunitário e à cultura
 


Seu Oscar abre a porta de casa trajando agasalho felpudo e calça de moletom; nos pés, protegidos por meias, ele usa um par de confortáveis sandálias de borracha. Parece ser um figurino bem apropriado para um senhor octogenário, que já deu sua contribuição à sociedade e agora desfruta um merecido descanso. Só parece. Pai de seis filhos, avô de cinco netos, seu Oscar é o doutor Oscar Del Pozzo, e daquele estereótipo do idoso aposentado ele não tem nada. “Aposentadoria é a palavra mais maligna da língua”, afirma, parafraseando Ernest Hemingway, autor da narrativa O Velho e o Mar e Prêmio Nobel de 1954. “Todo mundo sonha com ela, mas a aposentadoria equivale à morte.”


Formado pela Escola Paulista de Medicina, doutor Oscar entrou por concurso público para o departamento de saúde da Câmara Municipal de São Paulo, em 1948. Chegou a diretor, em 1983, e nesse meio tempo, trabalhou também – por 25 anos – no Hospital Infantil Darcy Vargas, no Morumbi. Quando finalmente se aposentou, em 1989, pensou ter entrado num “mato sem cachorro”, como ele diz. Ficou deprimido, chegou a tomar remédio. “Depois que pára de trabalhar, você pensa que agora poderá se dedicar a um monte de coisas, livros, música... Mas nada disso preenche o vazio da vida.”


Doutor Oscar tratou de preencher esse vazio. Um dia, convidado para falar ao grupo de um curso de cultivo de orquídeas, freqüentado especialmente por idosos, preparou uma palestra. O conteúdo era abrangente, versava sobre saúde, cuidados com alimentação, atividade física. Sugeriram então que ele desdobrasse a fala em várias, dando origem a um ciclo de palestras sobre qualidade de vida, e assim surgia o embrião do Movimento Idosos Solidários, fundado por ele há dez anos. A missão é reunir o público da terceira idade em busca dos seus direitos.

“Percebi que o idoso brasileiro é muito acomodado, quer ficar quietinho no seu canto”, diz. Durante suas
pesquisas sobre o assunto, descobriu um grupo de idosos da Zona Leste que fugia à regra e se mostrava bastante ativo. Firmou uma aliança com eles e assim o movimento tomou corpo. Autodidata em gerontologia, campo que estuda os fenômenos relativos ao envelhecimento, doutor Oscar se declara “graduado pela universidade da periferia”. Navegar na internet também foi um aprendizado: é ele quem atualiza o site do grupo (www.idosossolidarios.com.br), no qual se encontram disponíveis cerca de 400 artigos sobre hábitos saudáveis. A página tem entre ?5 mil e 6 mil acessos por mês. Outra iniciativa que rendeu frutos foi o acordo entre doutor Oscar, o Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo (USP) e um laboratório farmacêutico para a elaboração de um vídeo com orientações àqueles que cuidam de idosos permanentemente acamados. Em DVD e VHS, o filme responde a algumas questões (“Como dar banho no idoso?”, “Como alimentá-lo?”, “Como mudá-lo de posição?”) e já teve 14 mil cópias distribuídas para 2 mil entidades de todos os estados do Brasil.


O caso de Oscar exemplifica uma escolha que uma parcela da população brasileira de terceira idade tem defendido com cada vez maior veemência: recusar o estereótipo e arregaçar as mangas para ajudar o outro. “Do ponto de vista emocional, há pesquisas que mostram que o idoso não é essa fragilidade personificada como se tenta dizer”, explica a vice-coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, professora Ruth Gelehrter da Costa Lopes. “De modo geral, por força da visibilidade que a velhice foi conquistando, e não apenas por uma questão quantitativa, mas pelo modo mesmo como a terceira idade vem se colocando [na sociedade], você vê que os idosos querem ter acesso, querem usufruir, e isso está fazendo com que eles exijam, saiam, corram atrás.”


 

  Meninas de Sinhá


Exigir, sair e correr atrás também foi a decisão de Valdete da Silva Cordeiro, que nasceu na Bahia, na cidade da Barra; com 5 anos mudou-se para Belo Horizonte, no começo da década de 1940. “Baianeira”, metade baiana e metade mineira, mora há 43 anos no Alto Vera Cruz, bairro na periferia da capital de ?Minas Gerais. Dona Valdete não freqüentou a escola, mas isso não a impediu de se tornar líder de sua comunidade. “Toda vida eu trabalhei pela melhoria do bairro. Quando cheguei aqui não tinha água, luz, ônibus... Comecei então a juntar as mulheres, para pedir melhores condições de moradia, saneamento básico...”.


A vida melhorou aos poucos, mas dona Valdete viu que não bastava cuidar de habitação e higiene. Era preciso um olhar mais atento às pessoas da terceira idade. “Eu passava em frente ao posto de saúde e percebia as mulheres com sacolas cheias de antidepressivos. Conversando, notei que elas não eram doentes, precisavam apenas de uma ocupação, de algo para ajudar a levantar a auto-estima.” No final dos anos de 1980, nascia o projeto Lar Feliz, que reunia senhoras idosas e as estimulava com trabalhos manuais e atividades físicas. O ânimo delas foi crescendo – era possível perceber pela vaidade em alta, segundo dona Valdete –, e então, há dez anos, o Lar Feliz descobriu a verdadeira vocação e deu lugar às Meninas de Sinhá.


Resgatando o gosto pela dança e pela música, por meio de antigas cantigas de roda (Ciranda Cirandinha, Fui no Tororó, além de outras bem mais difíceis de puxar pela memória...), elas recuperaram também a alegria de viver.

“Comecei com brincadeiras de infância, como ‘chicotinho queimado’, ‘passa-anel’, até que descobri que as cantigas de roda estavam presentes na vida delas.” Hoje, são 35 “meninas”, a mais jovem tem 45 anos, e a mais velha, 90. Entre elas, dona Valdete, que completou 70 anos, em setembro, no Dia da Independência. Formam sua “grande família” – e ela ainda tem cinco filhos (um de criação), 18 netos e dois bisnetos.


Em 2007, as Meninas de Sinhá lançaram o primeiro CD, Tá Caindo Fulô. E o reconhecimento não tardou: em maio deste ano, elas ganharam o Prêmio TIM na categoria Melhor Grupo Regional. Poucas semanas antes, comemorando o Dia das Mães, haviam se apresentado no Auditório do Ibirapuera. “O próximo passo é o nosso DVD”, conta dona Valdete, sem esconder também o orgulho da “nova geração” – as Netinhas de Sinhá, um grupo de 29 meninas, de 7 a 12 anos, que agora está começando a se apresentar nos colégios de Belo Horizonte. “Elas fazem uma mistura de cantiga de roda com rap, fica uma coisa linda! ”

 

Vou para BH, tchau

A apenas 60 quilômetros ao norte de BH está o município de Sete Lagoas, onde mora uma senhora de 91 anos com vontade de sobra de viver: Alexandrina de Sousa Dayrell – mas todo mundo a conhece mesmo é por dona Dochinha. Professora primária, mãe de 11 filhos, ela ficou viúva em 1972. Seguiu tocando o negócio da família, uma loja de tecidos, brinquedos e artigos de perfumaria, até 1978, ano em que se aposentou. Foi quando decidiu dar uma guinada na vida: vendeu a loja, quitou as dívidas, pegou os filhos que ainda eram menores e se mandou para Belo Horizonte. Para quê? Estudar ioga. E, na volta, concretizar o sonho de desenvolver um trabalho com mulheres da terceira idade de Sete Lagoas.


“Decidi descobrir um meio de virar uma idosa diferente”, diz dona Dochinha. “A gente tem que ter uma dinâmica de vida igual à que o mundo oferece.” E assim foi. Depois de quatro anos na capital, complementando a renda com marmitas que preparava para estudantes, ela retornou a Sete Lagoas e improvisou uma sala em casa para a prática de ioga. No ano de 1986, saía do papel o Grupo Convivência, associação sem fins lucrativos que contempla hoje cerca de 80 senhoras idosas. Duas vezes por semana, elas participam de atividades que incluem ioga (claro!), tai chi chuan e dança – além de artesanato, com a confecção de bonecas de pano, brinquedos de jornal etc. O grupo conta ainda com um restaurante de comida natural, o Vida Saudável, aberto ao público em geral e que fornece gratuitamente uma refeição diária às mulheres envolvidas. Vem do restaurante, junto a doações, a principal fonte de sustento do grupo.


A atuação pioneira de dona Dochinha lhe rendeu aplausos. Ela foi destaque do programa Gente que faz, promovido pelo extinto Banco Bamerindus, no começo dos anos de 1990, e levou o Prêmio Talentos da Maturidade, do Banco Real, em 2001. Dois anos depois, foi convidada para ir a Brasília participar, com o presidente Lula, da assinatura do Estatuto do Idoso. Nonagenária, confunde-se de vez em quando com os nove bisnetos, mas os 35 netos ela reconhece bem. Nem um câncer no intestino, há quatro anos, pôs fim à alegria.


Três cirurgias depois, dona Dochinha vai todos os dias à sede do Grupo Convivência e ainda recebe os fregueses no restaurante. “Quando quero uma coisa, bato pé, sou teimosa... Foi isso que me ajudou a chegar até aqui.”


 


O Idoso Protagonista
Encontro realizado na unidade Santo André reforça o compromisso do Sesc no trabalho com a terceira idade


O Sesc São Paulo sempre dedicou especial atenção ao público de terceira idade. Uma história que teve início em 1963, ano em que se instituiu, na unidade Carmo, um grupo de convivência. Treze anos depois, estabeleceu-se, como programa permanente, o ?Trabalho Social com Idosos (TSI). O primeiro passo foi a criação do Centro de Estudos da Terceira Idade, que, em 1998, adquiriu o nome pelo qual atende ainda hoje: Gerência de Estudos da Terceira Idade (Geti). Se esses movimentos constituíram uma tomada de posição – pioneira à época – em favor de um segmento que se via alienado de antemão da cadeia produtiva, é fato que, felizmente, hoje é possível constatar avanços na percepção que a sociedade tem das potencialidades dessa parcela da população. Tão ou mais importante, a imagem que os idosos (que no Brasil são cerca de 20 milhões) têm de si mesmos também mudou – e para melhor.

Para marcar e aprofundar essas mudanças (de atitude e de conceito), e tendo em vista a relevância do papel desempenhado por entidades como o Sesc ao estimular a participação dos indivíduos seniores na vida comunitária, a unidade Santo André realiza, entre os dias 26 e 28 de novembro, um encontro que traz como tema a figura do idoso alçado a protagonista. Equilibrando um tom mais lúdico (foto), de confraternização, por um lado, e um enfoque reflexivo, em palestras e painéis, por outro, o evento deve repercutir casos exemplares de membros da terceira idade que souberam driblar a inércia e o esquecimento. O próprio idoso-protagonista apresentará suas experiências. E como não se trata de um seminário técnico, destinado somente a profissionais, o público vai ser composto, sobretudo, de idosos que freqüentam as unidades Sesc.

Abraçado por uma unidade relativamente nova (inaugurada em março de 2002), o evento é uma chance de firmar o Trabalho Social com Idosos em Santo André. O conteúdo do programa será organizado por “áreas temáticas”, refletindo o amplo espectro de campos de interesse ao alcance do idoso disposto a empreender uma ação social e a interagir com seu meio. Entre os tópicos estão: “cuidadores e velhice fragilizada”, sobre formação dos funcionários que assistem pacientes acamados; “memória social – reminiscências e narrativas”, versando sobre mecanismos de transmissão da história de uma comunidade; “integração e cooperação intergeracional”, sobre formas de convivência entre gerações distintas; “meio ambiente – preservação e recuperação”, que trata de reciclagem e economia solidária; e “organização e participação política”, abarcando meios de mobilização para interagir com o poder público.