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A ameaça que vem dos agrotóxicos

Falta de defensivos agrícolas de última geração complica exportação de frutas

CELIA DEMARCHI

A fruticultura brasileira ganharia muito se o país seguisse a receita prescrita pelo setor e encaminhada em janeiro pelo Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf) ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Um dos melhores resultados da proposta, sugestivamente batizada de PAC da Fruticultura, seria verificado nas exportações do produto in natura, cujo volume – que, em 2006, ficou em torno de 800 mil toneladas (cerca de US$ 500 milhões) – poderia crescer até 15% ao ano durante a próxima década, segundo Moacyr Saraiva Fernandes, presidente da entidade.

Uma das demandas mais urgentes dos fruticultores é a aceleração do processo de registro, no país, de um sem-número de defensivos agrícolas de última geração, aos quais hoje eles não têm acesso, embora sejam os únicos aceitos nos mercados externos mais importantes, principalmente por representarem risco menor ao organismo humano e ao meio ambiente.

A partir de julho deste ano, a União Européia, para onde seguem 60% das exportações brasileiras de frutas, não receberá mais produtos agrícolas nos quais forem detectados resíduos, mesmo mínimos, de agrotóxicos que já baniu. O bloco promete até excluir empresas reincidentes de sua relação de fornecedores, na qual, atualmente, elas figuram numa lista negra.

Segundo Fernandes, o país já elaborou novas normas, mas está demorando demais para aprová-las. A Coordenadoria Técnica de Análise de Agrotóxicos – formada por técnicos do Mapa, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente – fez a última consulta pública sobre um conjunto de medidas que solucionariam o problema há mais de 18 meses, de acordo com Luiz Borges Júnior, presidente do conselho do Ibraf. Mas falta aprovar as medidas e incorporá-las ao decreto 4.074/02, que regulamenta a legislação relativa ao uso de defensivos agrícolas no Brasil.

A defasagem do Brasil em relação à atual oferta de agrotóxicos é atribuída a mudanças na legislação, feitas a partir de 1991. Naquele ano, segundo Borges, foi estabelecido que tais produtos somente poderiam ser registrados mediante apresentação, pela indústria química, de relatórios sobre seu desempenho e impacto, para cada tipo de cultura. Além disso, as empresas tiveram de passar a providenciar estudos de cada marca comercial, ainda que o princípio ativo fosse o mesmo. Ele cita como exemplo a molécula fungicida Captan, base de produtos de cinco fabricantes, que precisaram registrá-los separadamente nos órgãos oficiais.

Em todo o mundo, afirma Borges, as empresas pesquisam os efeitos de agrotóxicos por grupos de culturas similares, para tornar os estudos economicamente viáveis. Esse é o modelo previsto nas novas normas brasileiras, que ainda não entraram em vigor. O executivo do Ibraf explica que são pouco mais de 20 os grupos de frutas, como o das cítricas (do qual a laranja é a principal) e o das rosáceas (liderado pela maçã e integrado, por exemplo, por pêssego, marmelo e nectarina).

Por causa dos custos elevados dos estudos, a indústria química começou a priorizar o registro de defensivos destinados a culturas que rendem vendas mais polpudas. Segundo Geraldo Ferreguetti, diretor técnico da Associação Brasileira dos Exportadores de Papaia (Brapex), a pesquisa de cada molécula ativa pode custar até US$ 500 mil.

Assim, substâncias empregadas em culturas que ocupam áreas julgadas pequenas foram relegadas a segundo plano. Vale a comparação: em todo o Brasil, o mamão papaia espalha-se hoje por cerca de apenas 25 mil hectares, enquanto a soja ocupa mais de 20 milhões de hectares. Segundo Borges, desde 1993 foram registradas 132 novas substâncias químicas aplicáveis à agricultura em todo o mundo. No Brasil, apenas 20 moléculas foram catalogadas no mesmo período.

Essa situação tira competitividade da fruticultura, porque as pestes agrícolas criam resistência rapidamente aos defensivos – que por isso devem ser substituídos com freqüência – e porque, se não forem cultivados com moléculas ativas eficazes, frutas e vegetais perdem em qualidade e tempo de vida útil. Para completar, por falta de acesso às substâncias de que precisam e para baratear custos, parte dos agricultores recorre ao contrabando de agrotóxicos e muitas vezes adquire produtos de má qualidade, que podem representar risco às culturas, ao meio ambiente e à saúde humana. Segundo Borges, estima-se que o contrabando represente algo entre 10% e 30% do consumo de defensivos no Brasil.

Mobilização

A União Européia já havia começado a exigir o registro de substâncias novas e a apresentação de estudos de limite máximo de resíduos de defensivos (o passo seguinte, nesse processo) para maçã e mamão papaia, as frutas cujas exportações brasileiras para o bloco mais aumentaram nos últimos anos. Embora com apenas 70 produtos registrados para o cultivo de maçã (a Inglaterra tem 270 e a Alemanha, quase 500, segundo Borges), a fruta brasileira é competitiva nos países europeus. Nesse caso, o país emprega substâncias dentro dos padrões internacionais, mas beneficia-se também do fato de a maçã não ser tropical. Como essa cultura é tradicional fora dos trópicos, os países de clima frio ou temperado já dispõem de estudos consagrados de limites máximos de resíduos para a fruta – basta respeitá-los.

Já para as frutas tropicais, ainda novatas no mercado internacional, não existe esse tipo de estudo, que tem de ser feito pelos exportadores. Quando, mesmo que adote substâncias aceitas para o cultivo, o fornecedor não aponta o limite máximo de resíduo por produto, Europa e Estados Unidos aplicam percentuais próximos de zero, dificultando as importações.

Para atender às demandas da União Européia, que consome por volta de 60 mil toneladas ao ano de papaia, cerca de metade proveniente de cultivares brasileiros, o país se mobilizou. Governo federal, produtores, exportadores e cinco fabricantes de defensivos agrícolas uniram-se, trabalharam durante quatro anos e, em setembro de 2007, finalmente concluíram os estudos de limite máximo de resíduos para a fruta – que no Brasil demanda ao menos 34 ingredientes ativos do plantio à embalagem, todos já registrados.

Essas substâncias são importantes para garantir, por exemplo, mais durabilidade aos frutos, que só têm preço competitivo se seguirem por navio, pois o transporte aéreo é muito caro. Essa viagem é, no entanto, longa demais, especialmente para a papaia produzida durante a época de chuvas no Brasil (setembro/outubro a março) – quando a safra é maior, mas também aumenta a ocorrência de doenças tropicais. "Tínhamos de produzir frutos quase orgânicos", conta Ferreguetti, da Brapex, informando que agora a papaia pode conter percentual de resíduos um pouco mais elevado em relação ao aceito anteriormente pela Europa: "As exportações devem aumentar. Tenho certeza de que não teremos mais problemas com a papaia".

Os embarques brasileiros da fruta cresceram de cerca de 10 mil a 12 mil toneladas anuais, desde o período 1994-1998, para aproximadamente 38 mil em 1999, quando praticamente estancaram. Em 2006, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), alcançaram 32,5 mil toneladas.

Os produtores de todas as demais frutas tropicais no Brasil (como manga, abacate, abacaxi, ameixa ou o exótico açaí) ainda terão de percorrer o caminho seguido pelos exportadores de papaia, se quiserem ampliar mercados. Com uma desvantagem: eles dispõem de ainda menos produtos químicos de última geração específicos com registro no Brasil.

Embora ocupem áreas pequenas, várias culturas de frutas tropicais têm alto valor agregado. Comparado à banana, o mamão, por exemplo, é muito mais lucrativo: as 32,5 mil toneladas de papaia vendidas no mercado externo em 2006 – o Brasil é o maior exportador mundial dessa fruta – renderam US$ 30 milhões, pouco menos do que as 194,3 mil toneladas de banana embarcadas no mesmo período (US$ 38,5 milhões).

Com a aprovação das novas normas no prelo e atenta aos rumos do mercado, a indústria química se mexe. A multinacional Basf, de origem alemã, uma das maiores fabricantes de defensivos agrícolas do Brasil e integrante do grupo que se dedicou aos estudos da papaia, aposta nas culturas tropicais. Com investimento de € 3,15 milhões (cerca de US$ 4,5 milhões), a companhia criou, em outubro do ano passado, em seu Complexo Químico de Guaratinguetá, no vale do Paraíba paulista, o Laboratório Global de Estudos Ambientais e Segurança Alimentar. A empresa, primeira na América Latina com instalações próprias para desenvolver esse tipo de estudo, segundo sua assessoria de imprensa, escolheu o país, terceiro maior produtor mundial de frutas, devido a sua posição estratégica no continente.

De acordo com Carla Steling, gerente do laboratório, a Basf pesquisa atualmente moléculas e limites de tolerância para várias culturas de exportação – como café, manga e maçã. Para isso, mantém plantações dessas espécies em quatro áreas, cada uma com 4 a 8 hectares, em Ponta Grossa (PR), Uberlândia (MG), Goiânia (GO) e Santo Antônio da Posse (SP).

Carla lembra que no caso da manga, por exemplo, apesar dos bons números apresentados recentemente (no ano passado os embarques brasileiros alcançaram 114,6 mil toneladas, com faturamento de US$ 85,9 milhões, de acordo com dados da Secex), ainda hoje faltam moléculas ativas modernas para seu cultivo no país, devido justamente ao fato de até pouco tempo atrás a fruta não ser importante na pauta do comércio mundial: "Os produtores usam defensivos não recomendados para a fruta ou recorrem a substâncias apropriadas, mas sem adequação à tolerância estabelecida no exterior".

"É muito complicado exportar produtos agrícolas que normalmente não são cultivados fora dos trópicos", diz José de Arimatéia Duarte de Freitas, pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, com sede no Ceará. Ou mesmo os que se plantam tanto nos países tropicais quanto nos de clima frio ou temperado – como a banana, cuja variedade denominada plátano é produzida na Espanha, ou o abacaxi, cultivado nesse país e na ilha da Madeira, Portugal. Isso porque, segundo o especialista, ainda hoje os países europeus mantêm normas divergentes em relação aos métodos de produção e conservação de frutas e vegetais, embora estejam, no momento, tratando da unificação – criaram recentemente a Agenda de Segurança Alimentar com essa finalidade.

Protecionismo?

"Podemos afirmar que se trata de barreira comercial", diz Roberto Pacca do Amaral, presidente da Agra Produção e Exportação, do Espírito Santo, referindo-se em especial às exigências dos europeus. Uma das três maiores exportadoras de papaia do Brasil (em torno de 1 milhão de caixas de 3,5 kg em 2006), a Agra faturou R$ 15 milhões no ano passado, incluindo as vendas de gengibre, abacate, figo e maracujá.

Na opinião de Fernandes, presidente do Ibraf, os europeus têm razão em exigir garantias de produtos que não conhecem bem. No entanto, ele vê certa dose de protecionismo no método de avaliação de resíduos e ainda nas tarifas alfandegárias elevadas de alguns países. Na opinião do empresário, essas barreiras poderiam ser eliminadas por meio da multiplicação de acordos bilaterais de comércio, uma das estratégias que contribui para o sucesso das exportações chilenas, por exemplo (ver texto abaixo).

Euclides Carli, presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Frutas e vice-presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), compreende o zelo da União Européia: "Frutas são suscetíveis a doenças em qualquer parte do mundo. Não vejo barreira comercial nesse caso, mas dispositivos fitossanitários".

Freitas, da Embrapa, também evita o termo protecionismo, mesmo lembrando que o Japão barrou a manga brasileira por 27 anos, até o final de 2004, por discordar do método empregado no país para higienização da fruta, o qual é aceito, porém, nos EUA. Ele argumenta que esses mercados foram se tornando mais exigentes à medida que se sucederam casos de doença e até morte relacionados a alimentos em todo o mundo. E que o fato de não conhecerem bem as pragas tropicais, sobre as quais o nível de informação é em geral baixo até mesmo nas regiões produtoras, os deixa ainda mais inseguros. "Sobre o abacate, por exemplo, não há estudos de limite máximo de resíduos nem no Brasil nem no exterior. Temos de acelerar o desenvolvimento e o registro de novos produtos se quisermos abrir ou ampliar mercados que ainda exploramos pouco, como o americano e o asiático", diz ele.

Segundo o pesquisador, as demandas externas por qualidade mais ajudam do que atrapalham o país: "Dos anos 1990, quando o Brasil começou a exportar frutas, para cá, melhoraram bastante as condições de produção", diz, referindo-se a padrões de higiene, segurança dos trabalhadores e níveis de contaminação de produtos e do meio ambiente. O mercado doméstico, destino de mais de 98% da produção brasileira de frutas, também se beneficia das exigências européias, embora geralmente não seja abastecido por cultivares voltados à exportação.

Além de estabelecer limites para o uso de substâncias químicas, EUA, Japão e UE controlam outras variáveis das culturas, estipuladas em inúmeros protocolos que vêm se tornando a cada dia mais meticulosos. O Globalgap, por exemplo, norma adotada pelo comércio em mais de 80 países, terá nova versão em 2008, segundo Freitas. Trata-se de um padrão de boas práticas no campo, destinadas a atender às exigências do consumidor consciente: uso mínimo necessário de substâncias químicas, respeito a leis trabalhistas e garantia de sanidade dos animais. É um tipo de norma em relação ao qual cresce a adesão das cadeias de supermercados, que visam associar sua imagem a produtos social e ambientalmente responsáveis.

Essas exigências são contempladas no Sistema de Produção Integrada, cuja adoção o governo brasileiro vem estimulando desde meados da década de 1990, principalmente por meio da Embrapa, como forma de expandir, em especial, as exportações do agronegócio. O sistema, que surgiu na Europa nos anos 1970, tem como objetivo a obtenção de produtos agropecuários seguros e de alta qualidade, com recursos naturais, o máximo de geração de empregos no campo e o uso mínimo de defensivos. Segundo Freitas, hoje existem projetos de produção integrada de 39 culturas em todo o país, inclusive de maçã e melão, que estão entre as mais desenvolvidas. Do total da área cultivada com melão no país, 31% é de produção integrada, de acordo com informações do Mapa.

Para aderir a esse modelo, o agricultor tem de empregar as substâncias aceitas no mercado internacional. Segundo Freitas, os produtores brasileiros de melão, fruto que, contaminado por salmonela, causou mortes nos EUA cerca de sete anos atrás (a carga provinha do México), dispõem hoje de cerca de 121 produtos cadastrados no Ministério da Agricultura – e outros 18 aguardam liberação de registro. 


Frutas do Brasil

Produção: cerca de 40 milhões de toneladas/ano

Hectares cultivados: 2,2 milhões

Ranking mundial: 3º maior produtor, atrás de China e Índia

Exportações*: 800 mil toneladas / US$ 472.563.996

Mercado mundial de exportações: cerca de 53 milhões de toneladas

* Dados de 2006.
Fontes: IBGE, Ibraf, Secex


Vizinho eficiente

Com área produtiva de frutas cerca de dez vezes menor que a do Brasil, o Chile chega a faturar até US$ 2 bilhões no mercado externo com frutas frescas, segundo artigo de Fernando Flores Cantillano, pesquisador da Embrapa Clima Temperado, divulgado no site do Ibraf.

Maior exportador desses produtos no hemisfério sul, o Chile está no topo do ranking, na opinião de Moacyr Saraiva Fernandes, presidente do Ibraf, porque considera as exportações de frutas negócio prioritário: "Na época da safra, os caminhões refrigerados têm tratamento de ambulância no tráfego", explica.

O modelo chileno não poderia, no entanto, ser considerado exemplar, de acordo com Fernandes, pois em todos os países a produção de frutas ampara-se no mercado interno, algo que o Chile não tem: "Quem supre essa lacuna é o Brasil, que importa do país vizinho as frutas que não alcançam os padrões de aparência e tamanho exigidos pelos EUA, seus maiores importadores". Seguem para a América do Norte mais de 40% dos embarques chilenos de frutas.

Fernandes credita o sucesso do modelo exportador do Chile a vários outros fatores. Ele destaca o fato de o país ter acordos bilaterais de comércio ao redor do globo, o que significa, por exemplo, redução de tarifas alfandegárias. Também colaboram para a eficiência exportadora chilena as distâncias relativamente curtas entre regiões produtoras e portos, estradas em boas condições e culturas predominantemente de clima temperado – que encontram menos barreiras fitossanitárias que as frutas tropicais.

Inspirados no país vizinho, os produtores brasileiros pedem, no PAC da Fruticultura, a eliminação de gargalos relacionados a infra-estrutura e logística, subvenção para o cultivo de manga, abacaxi, melão, mamão e melancia, mais eficiência no desembaraço aduaneiro e medidas de estímulo ao consumo interno. Além disso, acredita Fernandes, "o Brasil precisa acelerar as negociações de acordos bilaterais de comércio".

 

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