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Dança

REVISTA E - MARÇO 2008



Instrumento usado por grandes mestres na investigação dos movimentos, a dança consolida-se como área de conhecimento




Desde que a companhia Ballets Russes apresentou, em Roma, na Itália, seu espetáculo Parade, em 1917 - com Vaslav Nijinski assinando a coreografia, o pintor Pablo Picasso responsável pelo cenário e o escritor Jean Cocteau pelo libreto -, muita água já passou sob a ponte do cruzamento de linguagens na dança. Das experimentações com dança-teatro da coreógrafa e bailarina alemã Pina Bausch, desde os anos 70, às atuais investigações com o corpo da brasileira Vera Sala, o cenário mudou bastante. No entanto, segundo a crítica, professora e coordenadora do programa de pós-graduação em dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Fabiana Dultra Britto, foram vários os momentos em que determinados interesses artísticos levaram as pessoas de dança a se aproximar de outras linguagens. "A dança sempre teve essa interseção com outras coisas. E sempre se valeu disso para investigar a si mesma", completa.

A professora conta que essa investigação não somente garantiu seu profícuo diálogo com outros campos da arte como também a levou a extrapolar seus limites - como instrumento no estudo dos movimentos do corpo e, mais recentemente, como área de conhecimento. "Sem dúvida nenhuma, essa é uma espécie de bandeira que temos tentado defender atualmente", afirma Fabiana. "Com a investigação e a pesquisa, próprios da dança artística, o que o artista faz é tentar organizar o pensamento, a idéia dele de mundo, tendo a dança como formato."


  Análise do movimento

Muitos viram na linguagem um potencial que não passava necessariamente pelo rigor do balé clássico. Entre eles, o professor, coreógrafo e bailarino Klauss Vianna (1928-1992), que revolucionou o ensino da dança no Brasil. Sua proposta era observar o movimento e o funcionamento do corpo humano, procurando atingir maior expressividade. O método, conhecido como consciência corporal - ou técnica Klauss Vianna - passou a ser seguido por bailarinos e atores a partir do final dos anos 60. "Com o tempo, ele [Vianna] vê que só o balé não vai dar conta de um corpo moderno, de um anseio de colocar a dança como conhecimento", explica a professora Cássia Navas, do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Ele estudou anatomia, pintura, escultura e determinadas formas de trabalhar o corpo para conhecê-lo de uma maneira diferente, para que daí resultassem danças diferentes. Seus procedimentos começam a interessar até as pessoas comuns, que estão só preocupadas em conhecer e mover o corpo para viver melhor."

Outro grande nome na área do estudo do movimento humano e de sua relação com o espaço foi o arquiteto e coreógrafo austro-húngaro Rudolph Laban (1879-1958), para quem a introdução da dança, inclusive no espaço escolar, desenvolveria não somente habilidades corporais dos indivíduos, mas também contribuiria para seus aspectos intelectuais e sociais. "Laban fez uma análise e uma codificação muito ampla do movimento em geral, inclusive o da dança", afirma a coreógrafa e doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo Lenira Rengel, autora do Dicionário Laban (Annablume, 2003). "O que a dança educativa coloca é interessante para a construção do cidadão."





  Dança, educação e cidadania

Ao assumir esse caráter educativo, a dança iniciou um caminho rumo à sala de aula, inclusive no Brasil. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases do Ministério da Educação deu carta branca aos estados que quisessem incluir a linguagem na matriz curricular de suas escolas do ensino público - como foi o caso de São Paulo, através da Secretaria Estadual de Educação. O conteúdo faz parte da disciplina de artes, ensinada da 1ª série do ensino fundamental à 2ª série do ensino médio - embora não seja obrigatório. A iniciativa brasileira segue o exemplo de países como a Inglaterra, onde a dança está no currículo desde a década de 40 - idéia embasada nas teorias de Rudolph Laban. Na linha de unir educação e cidadania, foi lançado em 2003 o projeto Dança Comunidade, trabalho conjunto do coreógrafo Ivaldo Bertazzo com o Sesc São Paulo. A proposta reuniu mais de 30 adolescentes de comunidades da periferia de São Paulo. Depois dos espetáculos Samwaad - Rua do Encontro, de 2004, e Milágrimas, de 2005, o grupo se profissionalizou.

Atualmente, a companhia TeatroDança Ivaldo Bertazzo roda o Brasil com a coreografia Mar de Gente. "Com esse projeto, nós desejamos dar um norte aos professores de ONGs que trabalham nesse contexto que se chama arte-educação", conta Bertazzo. "Na verdade, você põe o espetáculo como uma 'prova'", conta Bertazzo. "É um limite: 'vamos chegar nessa etapa'. Mas lógico que no percurso você esquece que tem o espetáculo e acaba pensando naquele compasso musical que você quer vencer ou naquele gesto que está difícil de coordenar. É lá no inconsciente que sabemos que a etapa final disso é uma apresentação." Outra realização do Sesc São Paulo na área da dança e da educação foi o projeto Põe o Dedo Aqui! - Encontro de Dança Contemporânea para Crianças, no Sesc Pinheiros, em outubro, em parceria com a companhia de dança Balangandança. O encontro atualizou as discussões sobre o tema e reuniu artistas e educadores em torno do debate sobre as perspectivas para o ensino de dança nas salas de aula.





Invasão coreográfica
Montagens e oficinas trazem o teatro de Eugene O'Neill para o público do Sesc

Quinta edição da Bienal Sesc de Dança apresenta espetáculos em diversos espaços da cidade De 14 a 18 de novembro, a quinta edição da Bienal Sesc de Dança, realizada pelo Sesc Santos, irá ocupar nove espaços públicos e históricos da cidade - além da própria unidade - com 42 espetáculos de diferentes estilos e lugares do Brasil e do mundo. "A questão da ocupação dos espaços públicos da cidade é um dos principais diferenciais da Bienal de Santos", afirma a assistente da área de dança da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc São Paulo Simone Avancini.

Neste ano, o tema é Memória Que se Inscreve e abre espaço para as diferentes formas de criação e investigação em dança, como espetáculos, instalações coreográficas, performances e intervenções, que têm em comum a proposta de levar o espectador a refletir sobre os diversos tipos de memória que o corpo registra. "O objetivo é mostrar esse panorama no cenário brasileiro, e permitir esse diálogo e intercâmbio entre artistas, pesquisadores e público", diz Simone.
Este ano o projeto não conta somente com trabalhos inéditos e oferecerá a oportunidade do público conferir trabalhos que já passaram pela programação do Sesc em outras ocasiões. Exemplo disso é Mapplethorpe (foto), criado e interpretado pelo bailarino e coreógrafo brasileiro Ismael Ivo - que vive e trabalha na Alemanha desde 1985 -, no dia 14, no teatro. Dividido em três partes, o espetáculo foi criado para a Bienal de Veneza, em 2002, e é um tributo ao fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe, famoso por retratar corpos de homens de forma erótica. No dia 16, é a vez da companhia Núcleo de Criação do Dirceu, do Piauí, exibir o solo 200 ml, de Janaína Lobo, no fosso do teatro da unidade.

O espetáculo estreou em março, em Brasília, e apresenta uma investigação de sons que o corpo produz ao se movimentar. A idéia ao trazer o trabalho piauiense é ampliar o leque da programação oferecida pela Bienal, colocando o público em contato com espetáculos de vindos lugares onde "a produção de dança contemporânea é muito nova", conforme coloca Simone.




Corpoinstalação
Reunindo diversas linguagens artísticas, mostra é apresentada no Sesc Pompéia

De 14 a 30 de setembro, o galpão e o teatro do Sesc Pompéia foram palco para a interseção de linguagens na arte. Dança, moda, fotografia, artes plásticas, teatro, arquitetura, vídeo e novas tecnologias compuseram a segunda edição do projeto Corpoinstalação. O evento mantém o conceito de apresentar trabalhos que envolvam performances e instalações calcadas em pesquisas focadas no corpo. As exposições aconteceram durante o dia, como em uma galeria, e, à noite, o espaço era ocupado por bailarinos e performers. "O projeto nasceu porque recebíamos muitas propostas que não eram espetáculos tradicionais", afirma o técnico da unidade Marcos Villas Boas. "Eles tinham essa característica de instalação."

Entre os participantes, a coreógrafa Lara Pinheiro (foto), que apresentou a obra Paisagens Secretas, e a arquiteta e urbanista Heloísa Neves, que defendeu, durante o evento, sua tese de mestrado em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo sobre percepção e representação da relação entre corpo e cidade.