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REVISTA E - MARÇO 2008



A temática das violentas transformações no meio ambiente vem sendo discutida em seminários, na comunidade acadêmica, na sociedade civil, e divulgada em documentários como o ganhador do Oscar deste ano Uma Verdade Inconveniente, do ex-vice-presidente norte-americano e Prêmio Nobel da Paz Al Gore, que alerta para a ameaça do aquecimento global. Diante desse panorama de mudanças climáticas e de degradação da natureza, o que cada um de nós pode fazer? Há saída para mudar esse quadro? Nos artigos a seguir, o economista Hugo Penteado e o biólogo e professor do curso de mestrado em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso) Marcos Reigota analisam o tema e discutem ações de proteção ao planeta.






Meio ambiente: entre controvérsias e ações cotidianas
por Marcos Reigota


Constantemente recebemos informações, principalmente pela mídia, dos principais problemas ambientais de nossa época.
Dependendo dos meios de comunicação de massa a que temos acesso, entramos em contato com problemas que estão situados mais próximos ou distantes geograficamente, mas que de forma geral influenciam o nosso cotidiano em qualquer lugar que estejamos.

Entre os mais freqüentes problemas ambientais que encontramos na mídia e conseqüentemente nas conversas cotidianas encontram-se as conseqüências de nossos modelos de consumo e estilo de vida que afetam o clima do planeta.

Esse tema ficou muito popular depois que Al Gore, um dos mais conhecidos ambientalistas americanos, teve seu filme Uma Verdade Inconveniente exibido, debatido em todo o mundo e premiado com o Oscar. Se não bastasse o filme, cientistas reunidos em Paris no início deste ano mostraram que as ações humanas são aquelas que mais afetam a mudança climática.

Novamente, a mídia deu amplo destaque ao que falaram os cientistas e nossas conversas cotidianas, aliadas às experiências concretas de mudanças climáticas vivenciadas por todos nós, ampliaram, para além dos espaços dos especialistas e ativistas, a questão: "Afinal o que está acontecendo com o clima e o que podemos fazer para impedir o aquecimento global?" Entre os especialistas, há muita controvérsia sobre as origens, as conseqüências e os efeitos da mudança climática. Ou seja, há várias hipóteses, algumas delas que encontram respaldo em pesquisas e dados obtidos nos últimos anos, como o derretimento das camadas polares, e outras que restam somente no plano das pressuposições, pois ainda nos faltam dados e estudos conclusivos. Essas controvérsias estimulam o desenvolvimento dos estudos científicos, mas, ao ultrapassar os limites dos cientistas, aumentam as dúvidas e temores dos cidadãos e cidadãs informados e interessados em agir.

Os movimentos sociais ligados ao meio ambiente incorporaram nos seus discursos e ações tentativas de minimizar o problema; assim encontramos propostas educativas, campanhas de conscientização e de intervenção que vão das mais simples às mais complexas. Mesmo as pessoas que não participam ativamente de um movimento social organizado passaram a se preocupar com a questão e procuram se informar mais e melhor e agir. São essas ações individuais que merecem a nossa atenção neste momento. O que cada um de nós pode fazer e qual é o efeito de nossas ações? Geralmente essa questão vem acompanhada das seguintes: é o individuo, o cidadão, o responsável por atitudes que visem ao bem comum, ou isso cabe apenas aos governos, às empresas, aos cientistas? Qual o legado ambiental que deixaremos às próximas gerações? Por que devemos nos preocupar com a herança ambiental que deixaremos? A ciência e a tecnologia, que já resolveram tantos problemas, serão também capazes de encontrar as soluções para as mudanças climáticas e o aquecimento global?

Nessa mistura de questionamentos antagônicos e ações cotidianas possíveis de ser realizadas, movem-se muitas pessoas efetivamente preocupadas não só com a sua qualidade de vida individual, mas também com o coletivo, com o cotidiano da sociedade em que vivemos. Um encontro de especialistas, educadores e ativistas, ocorrido em setembro de 2007 na Universidade de Santiago de Compostela, durante o I Congressso Lusófono e Galego de Educação Ambiental, mostrou que em países tão diferentes como Brasil, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Portugal e Espanha significativas parcelas da população estão buscando alternativas e alterando seus hábitos. Efetivamente, esse grupo ainda é minoritário nesses e em outros países, mas a influência e importância dessa "minoria ativa" não podem ser descartadas, já que são reflexos de ações que têm grande potencial pedagógico, ou seja, de aprendizado, de tentativas de participação e intervenção. O que pode e tem sido feito individualmente ou em pequenos grupos? Que ações são essas? Observamos que pessoas têm deixado o carro em casa e enfrentado os transportes públicos (que, no caso do Brasil, são o que sabemos e que merecem e precisam urgentemente de maior preocupação dos gestores públicos) e que grupos de amigos e vizinhos se revezam no transporte dos filhos até a escola e em outras atividades. Essas ações, além de ter impacto positivo no aspecto ambiental, ampliam os laços de solidariedade e de comunidade.

É possível pensar o meio ambiente sem a importância desses aspectos sociais e afetivos? Creio que não. A redução do consumo energético é outra ação que tem sido feita por muitas pessoas. No referido encontro de Santiago de Compostela, colegas da Galícia disseram que trabalham com as crianças no sentido de verificar, através das contas mensais de energia, quanto que cada família tem diminuído (ou aumentado) seu consumo. Se uma atividade assim tão simples em outros tempos estava relacionada à economia doméstica, atualmente adquire outro significado e extrapola os limites das despesas de cada um, de cada família, para se inserir numa preocupação que é planetária. Podemos também nos referir a um comportamento que tangencia o tema das mudanças climáticas, mas que está diretamente relacionado com as ações individuais cotidianas, que é a presença cada vez mais freqüente, nos supermercados, das sacolas e bolsas (algumas até bem bonitas e originais) nas mãos dos consumidores que se recusam a levar para casa, para cada produto comprado, um saco plástico. Se até muito recentemente esse comportamento era específico dos ativistas mais antigos da causa ambiental, hoje vemos pessoas discutindo com os caixas e empacotadores dos supermercados, dizendo que não querem levar para casa tanto plástico. Nota-se também nesses lugares o constrangimento, geralmente dos jovens empacotadores, em atender os consumidores que ainda exigem uma quantidade desnecessária de sacos plásticos.

A observação dessas pequenas atitudes no cotidiano mostra que há não só discursos controversos ou imobilizadores que nos colocam diante de catástrofes iminentes, mas também um importante movimento, mais silencioso, mais próximo e possível, que mostra que com menos ruídos e alarmes atua e se fortifica. Uma das características desse movimento é o compromisso que cada um se dá e se dispõe a oferecer para ampliar e melhorar o bem comum, a vida cotidiana. Não será isso um aprendizado e uma contribuição fundamentais ao que se convencionou chamar de cidadania?


Marcos Reigota é biólogo e professor do curso de mestrado em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso) e autor, entre outros livros, de Verde Cotidiano - O Meio Ambiente em Discussão (DP&A Editora, 2001)




Risco ambiental global e as ações individuais no mundo atual
por Hugo Penteado

Os alertas sobre a devastação ambiental já têm quase 40 anos e foram feitos não por ambientalistas fanáticos, como cunhou Martin Wolf [jornalista britânico, comentarista econômico], e sim pela comunidade científica composta por vários Prêmios Nobel, que juntos, em 1992, assinaram um alerta para a humanidade (mais de 1.700 cientistas e mais de 100 Prêmios Nobel).

Apesar desse avanço científico de quase 40 anos, nesse tempo todo poucas linhas foram escritas na mídia sobre essas importantes descobertas científicas e pouco mérito foi dado aos cientistas que compõem o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e só agora, recentemente, a atenção de todos aumentou.

Subitamente, algumas mídias importantes deram atenção descabida a Bjorn Lomborg, um estatístico dinamarquês que nunca estudou as ciências do clima e que, com base em estatísticas extremamente deficitárias, contrariou as evidências difundidas pela comunidade científica de forma leviana e, por isso, foi condenado por desonestidade.Qual a razão dessa total desatenção com o maior desafio jamais enfrentado pela humanidade? O mais importante para a comunidade científica é que não temos uma análise completa da real situação do planeta - a esse respeito recomendo o livro The Revenge of Gaia, de James Lovelock, cientista com a credencial de ter contribuído para a descoberta e a solução do problema do buraco da camada de ozônio.

Os descrentes, bem como os adeptos do desenvolvimento a qualquer custo, mesmo sustentável, ignoram o aspecto crucial dessa discussão: nossa dependência em relação à natureza e a clara existência de limites que teimosamente ignoramos. Nessa discussão não é relevante saber como estamos agora - se é que conseguiremos um dia descobrir isso, pois, para esse resultado, está sendo feito um esforço de compilação de dados sistêmicos através do projeto Millenium Ecossystem Assessment [projeto internacional, que reúne mais de 1.300 pesquisadores de 96 países, para traçar um diagnóstico atual dos ecossistemas do globo], cujos primeiros resultados, que são assustadores, foram divulgados recentemente. O que é relevante realmente é o processo e aonde ele é capaz de nos levar no futuro, embora não possamos dimensioná-lo com as ciências fragmentadas da atualidade.

Essa lacuna científica foi propositalmente ignorada por Lomborg e seus seguidores circunstanciais, que oportunamente se aproveitaram da falta de uma abordagem sistêmica e completa da Terra. Não possuímos ainda dados para entender todos os problemas ambientais locais e globais, mas o pouco que sabemos é preocupante e, acima de tudo, seus resultados na direção de mudança climática e perdas para nossa espécie animal é irreversível. Atingimos o ponto da irreversibilidade do processo global de mudança climática, pois, mesmo que por um milagre a humanidade inteira interrompesse o processo de destruição dos ecossistemas e de emissão de poluentes, tudo que fizemos até hoje ainda irá acarretar mudanças planetárias por mais de 1.000 anos. Isso é conhecido como atraso ecológico e resiliência da natureza. Em outras palavras: até atingirmos o ponto de ruptura, do qual não haverá mais saída, a situação continua aparentemente normal, embora os atrasos ecológicos estejam a todo vapor e, mesmo interrompendo o crescimento populacional e os processos econômicos atuais, corremos o risco de cruzar a fronteira da resiliência da natureza, um ponto a partir do qual poucos sobreviverão.

Daí o princípio de precaução difundido pela comunidade científica e, enquanto todos os nossos esforços estão sendo direcionados para ficarmos enterrados embaixo de um monte de bens, serviços, produtos e riquezas concentrados nas mãos de poucos, a comunidade científica está pedindo redimensionamento, mudanças de valores, novas métricas, contenção e precaução. Esse é um outro mito amplamente difundido pela nossa visão antropocêntrica do mundo. Aliás, Lovelock escreveu que nosso maior mal é a ignorância da nossa ignorância. Essa visão antropocêntrica prega aos quatro ventos e até por ambientalistas bem-intencionados que precisamos defender o meio ambiente que está ameaçado. A verdade é que somos completamente desimportantes para a natureza, não fazemos nem cócegas no planeta com sua história de 4,5 bilhões de anos. Não é a natureza ou o planeta que estão ameaçados, somos nós. Isso precisa ser reconhecido por todos, antes de mais nada: nossa dependência em relação à natureza e a ameaça que criamos contra nós mesmos, que se transformou em dois processos planetários, como o aquecimento global e, o menos comentado de todos, a maior extinção da vida na Terra dos últimos 65 milhões de anos.

Assim como os cientistas do clima, os paleontólogos discutiram durante décadas a possibilidade de estarmos ou não num processo de extinção. Esses fenômenos globais são causados pelo esfacelamento contínuo dos ecossistemas e pelo conflito entre o nosso sistema econômico-humano-populacional com o sistema natural do qual dependemos. Um consenso científico jamais visto foi obtido não só em relação ao clima, mas também na paleontologia: sim, o aquecimento global e a extinção da vida existem e, sim, eles foram causados pelo homem. Qualquer visão contrária a essa - pois elas existem - não só são marginais hoje na comunidade científica como também falham em reconhecer o aspecto principal dessas descobertas: nossa dependência em relação à natureza, e seria um brilhantismo retumbante dizer que, apesar de tudo que fizemos, não estaremos sofrendo nenhuma conseqüência, mesmo que se possa negar as descobertas desse maior consenso científico jamais visto na história da humanidade.

A ciência fragmentada que temos hoje não consegue definir todos os efeitos do que estamos provocando na Terra e isso, pelo risco envolvido, exige a adoção do princípio de precaução. Do lado da economia ecológica - ciência que derrubou as convicções da economia tradicional há mais de 30 anos -, podemos afirmar que a principal razão para a humanidade ter atingido pela primeira vez na sua história o risco de um colapso ambiental global é o tamanho da escala populacional e econômica que atingimos, amparada pelo enorme comércio global, que efetua trocas ambientais entre países que já esgotaram sua natureza e países com natureza remanescente. Tudo isso em prol do interesse econômico, único determinante das políticas atuais. Essa visão econômico-ecológica é respaldada por James Lovelock e outros cientistas que, no alerta escrito para a humanidade em 1992, preconizaram entre outras medidas o estancamento imediato do crescimento populacional, o fim do esfacelamento dos ecossistemas e a erradicação da pobreza. Enfim, podemos dizer que eles propuseram medidas que não só não foram seguidas como foram aceleradas na direção contrária. A população em 1992 era de pouco mais de 5 bilhões, hoje somos quase 7 bilhões e a cada dia a população humana aumenta em 200 mil pessoas, já descontados os mortos.

O esfacelamento dos ecossistemas - espelho do crescimento econômico contínuo, que é a única meta dos governos e das empresas - avançou mais ainda e, hoje, a cada minuto destruímos 42 campos de futebol em florestas, sendo que um terço dessa destruição acontece só no Brasil. Todos esses acontecimentos foram varridos da consciência de cada um por muito tempo, mas isso mudou e, por um processo ainda a ser explicado, podemos falar de um despertar rápido em relação ao planeta e à necessidade de negociarmos com ele nossa permanência na Terra. Esse despertar pode alcançar uma magnitude capaz de provocar uma mudança civilizatória antes que seja tarde demais, e pode ser alavancado por eventos desagradáveis, impossíveis de ser ignorados nos próximos anos.

Cada vez mais as pessoas estão se questionando sobre suas ações, e nunca o tema ambiental, apesar de toda a unanimidade contrária a ele, esteve tão em voga. Provavelmente, não se trata de uma nova moda, mas de um senso de urgência e de sobrevivência que está sendo imantado na mente de todos, pois nunca fomos nem nunca seremos livres de nossa dependência em relação à natureza, por mais urbanizadas e artificiais que sejam nossas vidas. Basta lembrar que cada batida do nosso coração depende de outro ser vivo, que cada gota de água da chuva depende de outro ser vivo, que cada golfada de ar que respiramos vem do fitoplâncton dos mares e esse conjunto de seres vivos se entrelaça entre si numa rede planetária viva muito mais complexa, da qual somos totalmente dependentes. Einstein não estava errado quando disse que, se as abelhas sumissem, os animais sumiriam e os homens também.

É essa a principal razão de nossa mudança: nós queremos sobreviver ao holocausto ambiental que criamos para nós mesmos dentro do nosso analfabetismo ecológico. É o fim da supremacia do alfabetismo consumista, erótico e tecnológico que comandou nossas vidas e as mudou radicalmente em menos de 100 anos.


Hugo Penteado é economista e autor do livro Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem (Lazuli, 2003)