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REVISTA E - MARÇO 2008


por Paulo Casale



Há mais ou menos 25 anos, uma grande revolução começou a invadir as cidades, das bordas para o centro. O que era a difusão virou o próprio instrumento: o disco. O que era ruído, virou o solo: o scratch, ou arranhar o disco. O que era rua virou palco. O que era fala virou canto. O rap - essa música ritmada e poética - alastrou-se pelo mundo afora, e o que era então marginal é hoje é uma das principais alavancas, e até a salvação, de grandes gravadoras. O que se diz estar ou ser da periferia ganhou todas as fronteiras numa ressignificação criativa da tecnologia que nada mais é do que sempre se fez: a arte como significação dos meios. Hoje é comum falar em remix ou recombo, compartilhamento, hibridismo ou coletivo, porém tudo isso já estava lá, presente naquele movimento, profundo e consistente.

A Mostra Sesc de Artes, que já está circulando pelo interior e se inicia no próximo dia 13 na capital, reúne uma equipe formada por técnicos de diversas unidades que, a partir das observações cotidianas das ações do Sesc e suas relações com os diversos ambientes urbanos, nos quais o Sesc está inserido, na capital, Grande São Paulo, interior e litoral, definiu como eixo condutor - e condutor aqui no sentido estrito de conduzir e não no sentido de definir - as CIRCULAÇÕES, temática essa que orienta todas as atividades presentes na mostra, tendo como ponto de partida a reflexão sobre a ação cultural continuada que o Sesc realiza diariamente em suas 30 unidades. Como resultado desse exercício plural de percepção diária que envolve atividades em todas as linguagens artísticas, Circulações vem evidenciar o diálogo entre os processos de criação e os fluxos comuns de informação que transpassam, cotidianamente, artistas e público, evidenciando não apenas seus resultados, finalizados como espetáculos ou performances, mas as particularidades de suas concepções e de seu desenvolvimento por meio de processos que justificam em si mesmos a ação artística.

É nesse processo que se verificam as interferências ou restrições criativas, algo como o poema Catar Feijão, de João Cabral de Melo Neto, que numa metáfora fantástica nos diz que o prazer da poesia - e da arte - está no risco dos grãos "imastigáveis", os mais prazerosos quando vivenciados. Para a mostra não há a pretensão de apresentar o novo, mas sim de desvendar e vivenciar coletivamente - público e artistas - as possibilidades artísticas contemporâneas, contemporâneo aqui dito não no sentido acadêmico, mas no sentido desse ponto no tempo, mesmo porque a velocidade temporal em que vivemos hoje por si só coloca em questão conceitos de novidade e autoria. Trata-se de refletir sobre os formatos tradicionais de apresentação, inquietar-se com a hierarquia do palco e da platéia, observar a fruição da arte e considerar o diálogo crescente dos criadores com as novas tecnologias, com os espaços públicos. Investigar a virtualização e sua relação com as novas formas artísticas e sua interferência no deslocamento do público.

Explorar o hibridismo de linguagens e dos novos procedimentos técnicos que rapidamente se desenvolvem nas manifestações culturais e que, cada vez mais, se apropriam de processos coletivos e colaborativos muito próximos de novas formas de articulação social em desenvolvimento. É válido dizer que a ação cultural do Sesc em seu cotidiano se beneficia de suas ações práticas que partem de uma reflexão, mas é na prática que ela se efetiva, no contato do artista, sua obra com o público, o que faz de nossas unidades pontos de recepção e difusão, codificando e decodificando sinais irradiados pela efervescência artística. Para isso, corremos riscos, nós e os artistas que se propõem os desafios.

É nesse contexto que se insere a mostra, ou seja, que a criação artística não é estática, ela é plural, é cotidiana, é viva. Ela circula. Vale dizer que a mostra neste ano circulará por 78 cidades, incluindo a capital, Grande São Paulo, interior e litoral.


Paulo Casale, formado em letras, é gerente-adjunto da Gerência de Ação Cultural (GEAC) do Sesc São Paulo