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Alguns profissionais buscam na tecnologia uma maneira de viabilizar o trabalho a distância, uma prática cada vez mais comum e que exige cuidados
 


O jornalista Celso Dario Unzelte acorda às 6h20, leva os filhos Carolina, de 10 anos, Beatriz, de 5 anos, e Daniel, de 4 anos, para a escola às 7h10 e em seguida se prepara para enfrentar mais um dia de trabalho. Até aí, essa história se parece com a da maioria dos trabalhadores paulistanos que contam cada minuto no relógio para cumprir o atribulado dia-a-dia na cidade. A diferença no caso de Celso é que depois de deixar os pequenos com a professora, o rumo tomado não cruza o já enlouquecido trânsito matinal. Mas sim de volta para casa – que, aliás, fica bem pertinho do colégio. É Celso que cuida dos filhos para a esposa trabalhar? Não, essa matéria não é sobre pais que exercem as tarefas domésticas. As histórias aqui são de pessoas que “pegam no batente” fora do ambiente das empresas – seja o escritório, a repartição, seja a redação, como seria o caso do jornalista.


“Sempre falo para a minha mulher, Patrícia, que, já às 7h30, enquanto muitas pessoas estão colocando o pé fora de casa para enfrentar o trânsito, nós já estamos sentadinhos, trabalhando”, diz Celso. O casal de jornalistas, desde 2002, abriu mão do ambiente corporativo e escolheu o lar como local de trabalho. A mudança não foi exatamente uma escolha na época. Mas hoje não há quem os faça mudar de idéia. “Foi uma confluência de situações”, explica Celso. “Eu tinha saído do site de esportes no qual trabalhava, que fechou, e minha mulher tinha sido ‘vítima’ de uma daquelas ondas de demissão [na grande editora, em São Paulo, onde trabalhava].”



O momento pareceu oportuno para colocar em prática um desejo já antigo. “Nós tínhamos medo, pensávamos: ‘Será que a gente consegue trabalhar em casa?’.” Sete anos depois, a resposta é sim. E trabalham muito. Celso dedica-se a matérias e edições especiais para revistas de esporte – mais especificamente futebol –, além de dar aulas de jornalismo básico na Faculdade Cásper Líbero, ter um programete num canal esportivo e ser colaborador de sites na mesma área. Já Patrícia diversifica os assuntos tratados pela empresa que abriram juntos, realizando trabalhos sobre moda, gastronomia e “essas coisas femininas”, como declarou o marido. Ou seja, trabalhar em casa não é sinônimo de vida mansa. Mesmo economizando cerca de duas horas no trânsito, segundo estima Celso, o expediente segue, por vezes, até altas horas da noite. E ainda dá para cuidar da turminha. “As crianças ficam brincando ou perto do lugar da casa onde eu fico ou perto de onde a Patrícia trabalha”, conta Celso. “A mais velha ajuda também, e às vezes eles ficam vendo TV.” Uma das maiores vantagens, segundo o jornalista, é que mesmo em meio a um dia puxado dá para passar pela sala e estalar um beijo na bochecha dos filhos. “E almoçar junto, jantar junto. É claro que tem dia que são 8 da noite e ninguém ainda tomou banho”, confessa.


O professor do departamento de engenharia de produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) Laerte Idal Sznelwar, médico de formação e membro do grupo de pesquisa Trabalho, Tecnologia e Organização (TTO), informa que a dinâmica de trabalho de Celso, por mais que ainda não seja compartilhada pela maioria, não é nenhuma novidade. Ou seja, digamos que em casa já trabalhava a sua avó. “As pessoas, de uma forma ou de outra, sempre trabalharam em casa, inclusive para complementar a renda”, lembra o professor. “E ainda em alguns setores dos quais a gente sempre esquece, como, por exemplo, o de vestuário, isso é muito comum. Há empresas que só têm o nome, a marca, eventualmente o design, o equipamento para o corte, a laser etc., mas depois quem costura são as costureiras em suas casas.” O professor segue explicando que, no entanto, o que temos de novo é o chamado teletrabalho, ou seja, a tecnologia aumentando a viabilidade do trabalho remoto – com muitos aspectos positivos, e outros nem tanto. “Com a tecnologia você permite que certos tipos de trabalho agora possam ser feitos em casa e via internet – porque via computador ou máquina de escrever o jornalismo, por exemplo, já fazia”, explica Sznelwar.

Arsenal tecnológico

No que diz respeito à ajuda da tecnologia para viabilizar as atividades remotas, o assessor de imprensa Lucas Krempel Pereira é um bom exemplo. “MSN [sistema de mensagens on line], web can [câmera para conversas com vídeo], microfone [também para o computador], impressora multifuncional, câmera digital – porque às vezes eu mesmo faço algumas fotos –, Skype [refere-se a uma das marcas de um programa que permite conversas telefônicas pela internet] e celular”, lista, referindo-se ao arsenal do qual lança mão. “É um investimento que a gente faz.” Ufa! Com tanta “parafernália”, o acesso a Lucas é total. Ou quase. “A gente faz tudo para ficar acessível, já fiz assessoria para uma casa noturna, por exemplo, e esse pessoal trabalha à noite e dorme de dia, e eu tinha que atender o telefone à uma da manhã, mas converso sobre isso antes de pegar o trabalho.”

Negociação é uma palavra-chave desse tema, segundo o professor da Poli. “A questão é saber de que maneira é possível você negociar e regulamentar [os horários de trabalho]”, recomenda. “Não dá para dizer: ‘Ah, que legal, agora eu estou livre para trabalhar em casa’. Isso não é verdade. Por um lado, você pode ter benefícios, mas a questão tem que ser muito bem negociada. A tecnologia [a usada para trabalho a distância] não é ruim em princípio. Pelo contrário, traz benefícios enormes. O problema é saber quanto a pessoa é livre para usá-la e quanto a pessoa é livre no sentido de entregar o trabalho como resultado ou ficar sob um controle exacerbado.”

Alexandre de Araújo, diretor de serviços ao cidadão da Prodesp, Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo, ligada à Secretaria Estadual de Gestão Pública, faz parte do time daqueles que a tecnologia liberou – do escritório, porque as tarefas agora são desempenhadas até no trânsito. “Eu fico entre São Paulo [onde está a Secretaria], Taboão da Serra [na sede da Prodesp] e em trânsito”, conta Alexandre. “E o tempo todo é celular, torpedos ou o notebook.” A estratégia, no caso de Alexandre, é aumentar a produtividade, ganhando o tempo que ficaria “ocioso” durante o deslocamento entre os dois municípios. “Eu fico muito na rua porque tenho que visitar os postos [do Poupatempo] ou para olhar terrenos, imóveis e cuidar de parcerias com as prefeituras [no caso de futuras unidades]”, explica. “Eu diria que, metade do tempo, fico em trânsito.”

Alexandre limita-se a dizer que esse esquema de trabalho é uma “tendência inevitável”. Segundo ele, ao “equipar” seus funcionários com dispositivos que permitem ficar na ativa mesmo fora dos locais de trabalho, o governo do Estado tem seguido um caminho que o setor privado já explora. Mas confessa que, às vezes, os campos pessoais e profissionais acabam se misturando. “Tenho que estar disponível 24 horas por dia”, diz.

“Quase sempre trabalho mais 1h30 em casa, lendo e-mails etc., ou atendo ligações com demandas de última hora.” Alexandre pode até não apresentar aquele famoso “branco escritório”, como geralmente se diz da pele dos que permanecem horas a fio no trabalho, mas isso não quer dizer ter muito tempo livre. “Nunca desligo meus dois celulares. Às vezes meu filho pequeno pede para eu não atender, mas explico para ele que é necessário.”


Interação real


Para o analista de sistemas Rafael de Oliveira Silva, exercer atividades a distância foi uma realidade durante sete meses. Atualmente, o rapaz voltou ao esquema convencional de presença no trabalho, mas se lembra da disciplina que teve de desenvolver quando fazia da casa seu escritório. “Éramos eu, uma pessoa em Vitória, no Espírito Santo, e outra em Sorocaba [interior de São Paulo]”, diz. “Nós começávamos no mesmo horário, combinávamos a hora do almoço e quando encerrar, para não haver confusão, sincronizávamos as tarefas.” Entre as vantagens dessa dinâmica, Rafael aponta a economia do tempo “de estresse” no trânsito – quatro preciosas horas, no seu caso – e a alimentação mais saudável, leia-se, comida da mama no almoço e no jantar. Já entre os contras, ele lista a família, que às vezes atrapalhava – “as pessoas não entendem que a gente está em casa, mas está trabalhando”. Ele levanta outro ponto importante a se discutir nesse assunto: “A preguiça de sair casa”.


Os especialistas consideram esse fato um passo perigoso. “Quanto mais as pessoas estão em casa e menos no ambiente social e compartilhado, menos elas se conhecem, menos elas confiam umas nas outras e menos elas têm condições até de se organizar para discutir questões que no final das contas têm a ver com todos”, observa o professor da Poli. “Com esses meios de comunicação mais modernos, ocorre uma série de coisas: primeiro individualiza-se muito mais a análise de desempenho, ou seja, o indivíduo passar a ser avaliado cada vez mais pelo seu ato e as coisas não são colocadas numa perspectiva mais coletiva. Isso é supercomplicado, cria mais competição e menos cooperação.” Outra característica é que a comunicação on line, por mais que seja hot – ou seja, quente, ali na hora –, pode esfriar as relações entre os indivíduos. “Quando falo algo a você e você não gosta, já vejo a reação na sua cara; agora quando mando um e-mail, não estou nem aí – inclusive no e-mail, que posso colocar letras grandes, como se estivesse gritando, isso é supersensível”, exemplifica Sznelwar.


O designer institucional e consultor de e-learning Alexandre Bobeda corrobora o fato de os avanços tecnológicos serem fundamentais em se tratando de home office [do inglês “escritório em casa”]. “E vale lembrar que as conexões sem fio (wi-fi ou 3G) transformam ainda mais o conceito de home office, na verdade, em uma espécie de trabalho a distância, em qualquer lugar – não necessariamente a própria casa.” Alexandre ficou um total de dois anos trabalhando em casa, entre prestar seu serviço à empresa a distância e trabalhar por conta própria.


“Um tempo depois fui trabalhar em outra empresa, que também faz uso do home office, mas de acordo com certas necessidades pessoais – que, para mim, é o uso mais justo desse tipo de trabalho.” Pela experiência adquirida não só experimentando essa dinâmica, mas também escrevendo sobre ela, Alexandre afirma que, de fato, a saída encontrada pelas pessoas para tentar fugir do “sentimento de isolamento” tem sido “conectarem-se via MSN, Orkut e MySpace [sites de relacionamento], blogs, etc.” Mas faz uma ressalva: “Acho que sempre haverá espaço para troca de idéias e trabalho colaborativo, mesmo a distância. A tecnologia está aí para isso, cada vez mais. Ainda assim, nada substitui a interação real.”

 

Saia de Casa!
A sociabilização é um dos destaques da grade de programação nas unidades do Sesc


O “isolamento” é um dos aspectos que preocupam não só os profissionais que trabalham em casa, mas também os estudiosos desse fenômeno. Afinal de contas, se por um lado o trânsito é evitado, por outro, priva-se também a pessoa de andar pelas ruas da cidade, de passar na banca de jornal na ida ou na volta do trabalho e bater um papinho com o jornaleiro ou de conferir como o dia está ensolarado (ou chuvoso...). A saída é garantir que as horas de trabalho não invadam o tempo livre. É verdade que isso tem sido cada vez mais difícil na era da acessibilidade 24 horas, mas é importante reservar uma parte do dia ou da semana para relaxar, sair de casa e ver gente.

Encontrar pessoas é uma certeza para quem escolhe as unidades do Sesc na hora de curtir esse tempo livre – ocupá-lo com qualidade é outra garantia. “O Sesc sempre teve uma preocupação com a boa ocupação do tempo livre”, informa Mário Fernandes, assistente da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo (GDFE), explicando também que, por trás de cada atividade, está um tripé de valores que regem as ações. “Há três pontos importantes nessa questão do tempo de lazer, do tempo fora do trabalho. Primeiro é que a atividade proporcione desenvolvimento pessoal, ou seja, que o indivíduo consiga aprimorar seu olhar sobre as coisas, suas capacidades físicas, sua saúde etc. O segundo diz respeito ao divertimento propriamente dito, a pessoa tem que sentir prazer naquilo que está fazendo. E por último há o chamado descompromisso, ou seja, é o tempo do não-trabalho.”

Sobre o caráter sociabilizador das ações do Sesc São Paulo, uma marca registrada da instituição, Fernandes destaca que é possível perceber essa preocupação já nas propostas de trabalho. “Há sempre os aspectos da inclusão e do respeito à diversidade”, diz. “E só por esses dois valores você tem uma percepção do quanto as atividades [do Sesc] pretendem ser sociabilizadoras. Ou seja, elas aceitam as diferenças, são democráticas do ponto de vista das classes sociais, facilitam a convivência e a troca entre as pessoas. Não existe distinção entre este ou aquele grupo; isso pode ser visto no trabalho intergeracional, por exemplo, que abrange diferentes faixas etárias, idosos e jovens, pais e filhos.”

E todas essas possibilidades não ocorrem obrigatoriamente no espaço das unidades, uma vez que é característica do trabalho do Sesc também “ocupar” a cidade com atividades nas áreas do lazer, do esporte e da cultura. “Sobre esse aspecto, a gente tem uma iniciativa aqui na área do desenvolvimento físico e esportivo [GDFE] que é o Circuito Sesc de Corridas, uma atividade física inclusiva, democrática e que promove o encontro entre diferentes pessoas”, conta Fernandes. E está aí a dica: o próximo Circuito Sesc de Corridas acontecerá no domingo, dia 16 de novembro, e será em volta do Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo. “Vai ser ali em volta do museu [Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga], uma região belíssima, e que às vezes paulistanos não conhecem”, comenta o assistente da GDFE. 

Outra chance de se “desentocar”, e ainda se divertir e cuidar da saúde ao mesmo tempo, é a Virada Esportiva, um evento realizado pelo Sesc em parceria com a prefeitura de São Paulo. Serão 24 horas de atividades físico-esportivas durante os dias 15 e 16 de novembro. “O evento acontece nos moldes da Virada Cultural”, explica Mário Fernandes. “E você tem a maior diversidade possível de atividades, todas com aspecto inclusivo, participativo e prazeroso, envolvendo a prática esportiva.” Haverá modalidades para todos: adultos, crianças, idosos e portadores de necessidades especiais. Confira os horários dessas e de outras atividades das unidades no Em Cartaz desta edição.