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REVISTA E - PORTAL SESCSP

 

 


 

por Flávia Carvalho

 


(...) Tudo vem do outro (...) é preciso que você receba, e é o que você recebe o que "faz". (...) Estamos sempre enredados na incredulidade e na surdez, (...) porque vocês querem "fazer"... é preciso lembrar que há algumas leis que sempre nos escapam: ouvir, receber o outro, ser concreto.*

 

Um espetáculo teatral é um momento efêmero, único, que transcende o tempo, o espaço, a própria vida. Ele só existe de fato quando se dá o encontro entre os atores e dos atores com o público - é aí que o ator realiza sua potencialidade, a partir da interligação com aquele com o qual contracena e também com o espectador.
Poderoso meio de expressão estética e política, o bom teatro não se limita à representação estereotipada da realidade; ele vai em busca do essencial, do eterno, da conexão com o outro. O espetáculo teatral não é um fim em si mesmo.
Nessa dimensão onde o concreto, o abstrato, o real e o sonho se conectam, somente deveriam transitar aqueles que estão atentos ao fato de que o teatro tem de gerar uma transformação. A convivência com o teatro não nos faz indivíduos melhores ou piores, é certo que ela nos transforma.
Temos tido no Brasil diversas oportunidades de nos aventurar no universo de mestres do teatro mundial, e no decorrer dessas experiências vamos nos tornando espectadores especiais, à medida que avançamos com eles em territórios sem fronteiras, livres de constatações definitivas.
Vamos, assim, ao longo do tempo tecendo nosso entendimento sobre as estruturas dramatúrgicas e estéticas contemporâneas. Entre nomes importantes do teatro mundial a cujas obras tivemos acesso em São Paulo estão Frank Castorf, Peter Brook, Jerzy Grotowski e Anatoli Vassiliev, apenas para citar alguns exemplos recentes.
As adaptações dos grandes clássicos do alemão Castorf nos confrontam com um teatro visceral, perturbador, sem dúvida um dos mais relevantes exemplos da desconstrução possível no teatro. O caminho da radicalidade.
O diretor inglês Peter Brook nos trouxe o teatro das representações simples e reflexões complexas, com seu Sizwe Banzi. O caminho do essencial.
Grotowski, cujos escritos estão reunidos no livro O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski, não centrou sua pesquisa somente na encenação, mas sobretudo no encontro do ator consigo mesmo e com o outro, em um processo profundo de enfrentamento e autoconhecimento. O caminho do sentido da arte.
Antunes Filho estreou com o Centro de Pesquisa Teatral - CPT/Sesc -, o espetáculo A Pedra do Reino, baseado na obra de Ariano Suassuna. Consagrado por montagens memoráveis do teatro brasileiro, Antunes reconhece no trabalho do ator o pilar da criação teatral. Outro encenador que, como o brasileiro, ocupa uma posição importante como pesquisador e pensador teatral é Anatoli Vassiliev, que esteve aqui para apresentar e discutir seu trabalho de pesquisa desenvolvido no âmbito da Escola de Arte Dramática em Moscou, na Rússia. O caminho do processo de formação do ator.
A todas estas experiências, diferentes entre si mas que convergem para a busca de um teatro verdadeiramente transformador, vem se juntar a nova criação do Théâtre du Soleil, Les Éphémères, uma síntese das inquietações, dos bons e maus momentos da vida de cada um de nós, orquestrada pela diretora francesa Ariane Mnouchkine. Um espetáculo feito de pequenas coisas, mas que trata do essencial, daquilo de que nós somos feitos.
No desfile dos pequenos mundos, da efemeridade de cada um e de todos nós, vai se configurando a essência do grande teatro mundial. O teatro feito de pesquisa, de trabalho, de inventividade, de persistência, de coletividade.
Ao vivenciar a experiência de Les Éphémères, o espectador revê suas lembranças, revive suas emoções, cria laços com os personagens em uma relação impossível de ser descrita - há de se sentir. Quando Ariane Mnouchkine abrir pessoalmente as portas de seu teatro, reproduzido nos mínimos detalhes no canteiro de obras do Sesc Belenzinho, o público se reconhecerá. E se dará o encontro com o teatro do mundo.

 

*Anotações de ensaios do espetáculo Les Éphémères (Théâtre du Soleil) - 25 de abril de 2006.

 

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Flávia Carvalho, graduada em comunicação
social, é assistente técnica do Sesc São Paulo

 

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