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Homem de Ferro


Amilcar de Castro revolucionou a arte da escultura ao ignorar a rigidez de materiais, criando obras leves e com movimento
 

 

O “ferro nas almas” narrado no poema Confidências do Itabirano, do mineiro Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1940, viria a se tornar, anos mais tarde, base para o trabalho do artista plástico Amilcar de Castro.

Mas, se para Drummond o ferro de Itabira representava a dureza – “por isso sou triste, orgulhoso: de ferro”, diz o poema –, para Amilcar, nascido em Paraisópolis, município serrano do Sul de Minas, o que mais impressionava no material era justamente a possibilidade de contrariar essa rigidez, imprimindo-?-lhe movimento.

Amilcar tornou-se renomado escultor, conhecido e premiado nacional e internacionalmente pela técnica inconfundível de transformar as duras chapas de aço bidimensionais em formas geométricas leves e tridimensionais. Sua primeira obra, realizada sob orientação concretista, é de 1952 e apresenta os mesmos princípios que nortearam seus trabalhos até sua morte, 50 anos depois, em 21 de novembro de 2002.

Além dessa faceta ligada à escultura, mais associada a seu nome, Amilcar cultivou outras artes, como o desenho e o design gráfico. Em todas, acompanhava a mesma preocupação estética com a composição e o equilíbrio entre formas e volumes que aplicava com precisão ao que fazia. Prova disso foi sua importante contribuição para a reforma gráfica do Jornal do Brasil, periódico carioca que, na década de 1960, serviu de marco para um processo de modernização, tanto visual quanto de conteúdo, que irradiaria para outros diários brasileiros.


 
Da lei às artes

Amilcar de Castro nasceu no final do outono de 1920, no dia 8 de junho. Do pai, mais que o nome, ele herdou a profissão. Não a de escultor, mas a de advogado, sua primeira formação acadêmica. Filho de Amilcar Augusto de Castro, um importante jurista mineiro – que ocupou os cargos de desembargador e de presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais –, o jovem Amilcar começou cedo na área jurídica. Entrou para a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Estado de Minas Gerais (UFMG) no início da década de 1940, formando-se bacharel em 1945.

A carreira parecia ir bem: iniciou como advogado na área de família e, em 1948, já era chefe de gabinete do secretário estadual de Segurança Pública de Minas Gerais. Mais tarde foi tesoureiro do Tribunal de Justiça do estado, cargo que ocupou até 1953, quando um novo emprego o levou à capital federal, à época, o Rio de Janeiro. Porém, mais que uma transferência dentro do serviço público, a mudança viria marcar a guinada de vida de Amilcar. Foi em terras fluminenses que ele abandonou as leis e começou a trilhar o caminho que o tornaria um dos mais importantes nomes das artes no Brasil.

Anos antes, ainda em Belo Horizonte, Amilcar vivera suas primeiras experiências formais com o mundo artístico.

Ele integrou a primeira turma do Instituto de Belas Artes, criado em 1944, sob a tutela do pintor Alberto da Veiga Guignard. O artista ensinava seus alunos a desenhar com lápis duro, o que lhes exigia aprender a precisão no risco. Essa técnica contribuiu muito para a formação de Amilcar, como ele próprio descreveu mais tarde, em trecho registrado na biografia ilustrada Amilcar de Castro (Editora Takano, 2001). “Não havia como corrigir o traço, o grafite feria o papel, ficava a ‘ranhadura’, o sulco. Foi com esse sentido de precisão que aprendi desenho com Guignard. O sentido de fazer e estar valendo. Riscou está riscado, não há como corrigir.”

Em artigo no mesmo livro, o crítico de arte Frederico Morais explica como essa experiência marcou a obra de Amilcar. “Sua nova escultura desenvolve-se no plano, como se a chapa fosse o papel e o maçarico eletrônico, que perfura o ferro seguindo as indicações do desenho, substituísse o lápis, aprofundando, na chapa, o sulco que o lápis deixou no papel.” Na escultura em aço, não havia erro ou remodelagem. Após cortar, dobrar ou deslocar o metal, ele tomava a forma definitiva, como o risco a lápis duro de Guignard.

Revolução na imprensa

No campo das artes gráficas, o primeiro trabalho de Amilcar foi na Revista Manchete, em 1956. “Começamos a tentar mudar a paginação da revista”, conta o escritor e poeta Ferreira Gullar em entrevista a Yanet Aguilera no livro Preto no Branco: A Obra Gráfica de Amilcar de Castro (Editora UFMG, 2005). “Eu, mais preocupado com o texto. O Jânio de Freitas e o Amilcar, que gostavam da Paris Match, uma revista semanal como a Manchete, quiseram incluir nesta um tipo de paginação semelhante à revista francesa.”

Anos mais tarde, o mesmo trio – Jânio, Gullar e Amilcar –, junto com os jornalistas Odylo Costa e Filho e Reynaldo Jardim, encarou a empreitada de modernizar o Jornal do Brasil, tornando o periódico mais “limpo” em sua apresentação visual. “Tudo que não era essencial à leitura, eu tirava pra clarear um pouco o jornal, pra dar mais força à matéria escrita”, explica o próprio Amilcar em entrevista ao jornalista Eustáquio Augusto dos Santos, em 1977 (publicada na edição de julho de 1978 da Revista Novos Estudos). “Na reforma, propunha tirar todos os fios, negativos etc.” O resultado foi um maior espaço para as fotografias e um estilo de distribuição das informações pela página que viria a se tornar referência, copiado pelos demais jornais do país. As experiências exitosas na área levariam o projeto gráfico para o Jornal de Resenhas, iniciado em 1995 e para o qual o artista colaborou até a morte. No suplemento publicado pela Folha de S. Paulo, Amilcar não contribuiu apenas com a parte de diagramação, mas também com desenhos que ilustravam a publicação. Essa experiência jornalística, para Amilcar, nada mais era que uma espécie de continuação do que fazia nas artes. “O fato de saber desenhar, de saber organizar o espaço num desenho, ou numa pintura, ou num desenho pra escultura, essa experiência de organizar o espaço aqui no papel é a mesma coisa que fazer jornal; não tem diferença não”, relatou o artista na entrevista a Augusto dos Santos.

Reconhecimento na maturidade

“Meu pai também tinha uma família, filhos para sustentar, contas para pagar. Naquela época ele só era conhecido no máximo no quarteirão onde a gente morava”, brinca o filho Rodrigo Castro, lembrando o início da carreira do pai, no Rio de Janeiro. Hoje em dia, o preço médio de uma obra do artista, em galerias brasileiras, é de 70 mil reais para uma peça em aço, de cerca de ?50 centímetros. Apesar disso e de ter sido ?reconhecido ainda em vida, tendo recebido encomendas por parte de particulares e de órgãos públicos – como é o caso da escultura que se tornou símbolo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais –,? Amilcar de Castro não chegou a ganhar dinheiro com a venda de suas esculturas e desenhos. Para manter a família de três filhos, sempre realizou outras atividades. “Ele não vivia do trabalho dele como artista”, conta o crítico de arte Rodrigo Naves, responsável por organizar o primeiro livro em homenagem a Amilcar, na década de 1980, obra que ajudou a consolidar a importância de Amilcar.

Uma das profissões do artista, além da designer gráfico, foi a de professor, na qual se aposentou, pela UFMG, na década de 1990. Aqui, porém, engana-se ?novamente quem pensa que o reconhecimento lhe abriria portas.

Clébio Maduro, professor de gravura da Escola de Belas Artes da UFMG, e ex-aluno de Amilcar, lamenta que no campus da universidade não haja nenhuma obra do artista, mesmo ele tendo oferecido, em vida, expô-las nos jardins da universidade.  “E olha que ele foi professor e aluno da UFMG”, conclui Maduro.

 


Amilcar para crianças
Sesc Pompeia monta exposição com obras do artista voltada especialmente para os pequenos


Amilcar de Castro e outros 11 artistas fazem parte da exposição Arte para Crianças, organizada pelo Sesc Pompéia, com curadoria do artista plástico e produtor cultural Evandro Salles. A seleção de obras permite um passeio pelas diversas formas da arte contemporânea, reunindo desde o trabalho em aço de Amilcar às videoinstalações do também mineiro Eder Santos, convidando as crianças a interagir de diversas formas com as peças expostas. Na parte dedicada a Amilcar, por exemplo, estão 140 pequenas esculturas em aço, outras três de maior tamanho e um conjunto feito em madeira. Há também um espaço onde os pequenos podem brincar aplicando a técnica usada pelo artista em recortes de papelão, criando formas tridimensionais. A exposição, inaugurada em 15 de maio, vai até o dia 2 de agosto.

Ainda para a criançada, fica em cartaz de 8 de julho a 23 de agosto, a exposição Proibido Não Tocar – Crianças Em Contato com Bruno Munari, um passeio inspirado na produção do designer italiano. O percurso foi concebido especificamente para a idade pré-escolar, e as crianças serão conduzidas à experimentação baseada no fazer, na descoberta e na experiência multi-sensorial.