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Entre utopias e realizações
por Áurea Leszczynski Vieira Gonçalves


Paris, quartier Latin. Estudantes revoltados com o presidente da república, a sociedade de consumo, o imperialismo e a falta de liberdade de expressão. Serge Gainsbourg compõe o hit Je t’aime, moi non plus a favor da vida sexual descompromissada. Em consequência desta efervescência, a juventude se estabiliza como categoria sociocultural e política, modifica o cenário do século XX e mobiliza 2/3 da classe operária à greve por melhores condições de trabalho, ao mesmo tempo em que a urbanização cresce aceleradamente. A sociedade do espetáculo é posta em xeque por Guy Debord. Eis a França de 1968.

Quarenta anos depois de toda a ebulição de maio de 1968 em Paris, é possível constatar que franceses e brasileiros, que selaram um acordo de amizade para fazerem o Ano do Brasil na França em 2005 e depois o Ano da França no Brasil em 2009, sempre quiseram acreditar nas mensagens dos muros de Paris, um tanto utópicas, mas também poéticas, que tomadas de visceralidade e de encantamento, inundavam os pensamentos humanos: “Viver sem tempos mortos”, “É proibido proibir”, “A imaginação toma o poder”.

Foi no início de 2008 que se apresentaram ao Sesc SP, ao Ministério da Cultura e ao órgão Culturesfrance alguns projetos bilaterais para o Ano da França no Brasil. Chegavam de todos os lugares ideias novas para parceiros e instituições, definiam-se as linhas gerais sobre a programação em algumas capitais do país com critérios consistentes, que alinhavavam a ilusória desordem com a perfeição e a delicadeza da alta costura: não se poderia perder de vista os preceitos da diversidade, da territorialidade, da popularidade e da permanência. Àquela época, a programação franco-brasileira engatinhava, mas prometia ser uma verdadeira revolução na forma de construir uma rede cultural. O savoir-faire do Sesc SP se propagava ao ambicionar a abertura irrestrita entre as fronteiras francesas e brasileiras e ao impulsionar a criação conjunta como nunca se havia testemunhado no país.

Existe nas sociedades ocidentais o sentimento de que as revoltas que nascem na França resultam em ótimos saltos qualitativos nos percursos sociais, em discussões férteis, em inúmeras teorias para vários ramos das ciências humanas e em novas possibilidades de invenção, críticas e trocas. Foi exatamente essa percepção otimista e visionária que conduziu a preparação de toda a homenagem à França e permite que todos vivenciem atualmente as ações realizadas em vários domínios do conhecimento, uma exemplar preleção de democracia e de convergência de ideais.

Da tecnologia automotiva à moda; da gastronomia aos seminários e colóquios acadêmicos; do teatro de Chéreau a Cartier-Bresson,o homem que fez da fotografia a arte do instante; da física aplicada às luzes e sombras ao mundo onírico de Chagall e às cores de Matisse; dos contorcionismos do circo às linhas do design de Patrick Jouin; do teatro democrático encenado na rua aos bailados da era napoleônica, passando pelos cinemas de autor; da música clássica contemporânea com seus compositores a pequenos grupos de câmara impressionistas; dos gemidos de Jane Birkin às vozes sussurradas de Coralie Clément e Yael Naïm; da exposição de si mesma de Sophie Calle à exposição de si mesma de Catherine Millet; enfim, a denominação “Ano da França no Brasil” representa mais de 600 projetos em vários entretons, que dialogam entre si sem precisarem escolher línguas, apenas pela simbiose que deriva da aproximação cultural.

Este intercâmbio fundamental entre a França e o Brasil, concretizado atualmente por todo o país, derruba barricadas de qualquer confronto, instaura novas práticas sem qualquer motim e é sincero em construir, no âmago da diversidade, uma verdadeira ode à convivência e à imaginação.




Áurea Leszczynski Vieira Gonçalves, filósofa, é técnica do Sesc, atualmente como assessora do presidente do Comissariado Brasileiro do Ano da França no Brasil