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Sol do nordeste atrai estrangeiros

Imóveis a bons preços e beleza natural tornam a região irresistível

TATIANA UEMURA


Maquete do complexo Cumbuco / Foto: Divulgação

A história se repete 500 anos após as caravelas portuguesas aportarem no nordeste brasileiro. Desta vez, no entanto, além de portugueses, desembarcam espanhóis, italianos, além de outros europeus, argentinos e americanos. Não se trata apenas de turistas: com eles, vêm também grandes grupos empresariais. Desde o final dos anos 1990, a paisagem nordestina vem se transformando, e os modestos empreendimentos dão lugar a faraônicos complexos turísticos, vilas residenciais, centros comerciais e de lazer. O desafio, agora, consiste em manter o fluxo, apesar dos altos e baixos da economia mundial, e ordená-lo de forma sustentável.

O clichê sol e praia é só um dos fatores que explicam essa redescoberta. O país passou a ser, junto a outros destinos alternativos como o leste europeu, uma opção boa e barata a locais saturados, como a costa mediterrânea. O preço de um imóvel de segunda residência no Brasil é, em geral, mais baixo que na Europa e nos Estados Unidos. Um apartamento de 70 metros quadrados sairia por € 102 mil no Brasil. Em Malta, seriam € 210 mil, na Espanha, € 175 mil, na África do Sul, € 143 mil e, na Flórida, € 119 mil, segundo levantamento das publicações Homes Overseas e Place in the Sun. O estrangeiro que investe numa casa no país tem em média de 40 a 59 anos e curso superior completo, e está em busca de sol, praia e ecoturismo, informa estudo de setembro de 2008 do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Nordeste Brasileiro (Adit Nordeste). Do total, 79,8% já conheciam o país.

Com a economia estável, a imagem do país no exterior também melhorou. Entre 124 países, o Brasil é hoje o 59o destino mais atraente para o turismo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Os números falam por si: em 1995, chegaram ao país 1,99 milhão de estrangeiros, total que chegou a 5 milhões em 2007, conforme a Embratur. O nordeste detém 28% do fluxo turístico de origem externa. O perfil do turista também mudou. Os portugueses são os que mais visitam a região: em 2004, somaram 23,6%. Os italianos, que já ocuparam o primeiro posto, passaram ao segundo lugar, com 13,7%, seguidos pelos argentinos (12,9%).

Chegar ao nordeste a partir do exterior ficou mais fácil com o aumento da oferta de voos regulares. Só no ano passado, a Bahia ganhou conexão direta com Miami (American Airlines) e Lisboa (TAP), e a Air Europa anunciou que ofereceria embarques diários de Madri a Salvador. Em 2007, o estado passou a contar com voos diretos de Paris e Buenos Aires (TAM). Pernambuco, por sua vez, foi contemplado em 2008 com rotas de Frankfurt (Condor), Atlanta (American Airlines), Miami (Delta Airlines) e Buenos Aires (TAM).

O aumento do fluxo de pessoas provenientes de outros países para o nordeste é providencial, especialmente devido a seu maior poder aquisitivo. A receita relativa a turistas estrangeiros passou de US$ 244 milhões em 1996 para US$ 359 milhões em 2004. Esse crescimento, de 47,1%, se refletiu na participação turística internacional no Produto Interno Bruto (PIB) da região: de 0,7% em 1996 para 2% em 2004, segundo o Banco do Nordeste. Na Bahia, maior porta de entrada do turismo de origem externa da região, a parcela representada por esse segmento praticamente dobrou. Em 2004, os estrangeiros deixaram 38,1% dos recursos (R$ 1,21 bilhões), em relação ao total do setor. Em 1991, esse percentual foi de 19,9% (R$ 228,5 milhões). O estado recebeu 664 mil turistas provenientes do exterior em 2004, o equivalente a 13,6% do fluxo turístico. Em 1991, essa proporção era de 9,2%. Os visitantes são, em sua maioria, italianos (18,2%), portugueses (14,9%) e espanhóis (13,6%).

A italiana Claudia Coscini, arquiteta de Florença, viajou por todo o mundo, mas parou em Cacha Pregos, na ilha de Itaparica (BA), para construir sua residência de praia. Ela comprou o terreno em janeiro de 2005 e, em dezembro de 2006, concluiu as obras da casa, onde passa duas temporadas por ano. "A experiência foi tão boa, e as pessoas tão honestas, que em janeiro de 2007 decidi comprar uma pousada próxima, que estava à venda", conta. O estabelecimento é voltado a turistas brasileiros. Na opinião de Claudia, a infraestrutura local ainda deixa a desejar, mas pelo menos não está estagnada. "A gente não acredita como o lugar mudou em cinco anos. Por outro lado, perde-se um pouco do encanto, porque agora todos podem chegar aonde antes só existia uma ruazinha de bairro." Franco Tofanari, outro florentino, também investiu em uma pousada, só que em Aracaju, que ficou pronta em 2002. "Tenho convicção de que não falta nada ao Brasil para se tornar um país moderno e equipado em curto período."

A grande procura por terrenos na região nos últimos sete anos inflacionou o mercado. Um imóvel para segunda residência é, em média, 30% mais caro para estrangeiros. No nordeste, o preço do metro quadrado pode chegar a R$ 10 mil para produtos de alto nível. Casada com um brasileiro, a espanhola Rocío Martín Valle já havia estudado em Salvador graças a um programa de intercâmbio e, apaixonada pela cidade, decidiu investir em uma segunda residência quatro anos depois. Ao ver quanto os preços haviam subido, porém, ela desistiu. "Não esperávamos valores tão altos, então resolvemos esperar até encontrar um imóvel que não esteja inflacionado."

Resorts e crise

Para grupos estrangeiros, o turismo no Brasil, atividade que movimenta o equivalente a 2,2% do PIB do país, é um prato cheio. Terrenos à venda com preço relativamente menor, a força do mercado interno e o afluxo de turistas estrangeiros motivaram a entrada de poderosos grupos hoteleiros, que começaram a investir em grandes resorts e, mais recentemente, em "condoresorts" (condomínio + resort), um novo conceito de empreendimento que reúne as vantagens de uma segunda residência em um ambiente ecologicamente correto às facilidades hoteleiras de um resort.

A era dos grandes complexos turísticos foi inaugurada no final dos anos 1990 pelo complexo turístico da Costa do Sauípe (BA), voltado de início aos turistas do sudeste do país e que atraiu hotéis de bandeiras internacionais. Já nos anos 2000, houve uma segunda leva de empreendimentos ancorados por capital estrangeiro, especialmente espanhol e português, dedicados a explorar também os chamados hotéis de charme. Entre os portugueses mais representativos hoje em território nordestino estão o Pestana, o Vila Galé, o Tivoli e os Hotéis Dom Pedro. Seguindo o exemplo, vieram espanhóis como o Iberostar e o Sol Meliá.

A Bahia tem não só a política mais antiga de turismo como concentra a maior parte dos projetos em estágio avançado de desenvolvimento, especialmente na Costa dos Coqueiros, no litoral norte. Em novembro de 2008, o estado tinha 60 empreendimentos turísticos previstos, dos quais 34 com capital estrangeiro – totalizando US$ 5 bilhões – e três com recursos estrangeiros e brasileiros. São projetos de cadeias hoteleiras, condomínios de primeira e segunda residência, resorts, centros de serviços e lazer, complexos turísticos e hotéis-butique, a maioria com previsão de abertura até 2012. Em implantação, há três empreendimentos, com investimentos de US$ 142,5 milhões, dos quais se destaca a segunda etapa do Iberostar Bahia (US$ 100 milhões), com condomínio residencial, centro de entretenimento, spa e um novo hotel, inaugurado recentemente.

No entanto, a crise internacional ofuscou alguns empreendimentos e mudou o posicionamento de outros. Os grupos empresariais estrangeiros garantem que os projetos já em andamento terão seguimento, mas alguns outros podem ser, no mínimo, postergados. O Pestana, que tem três hotéis na Bahia, um em Natal e outro em São Luís, lançou em 2007 uma nova marca, Pestana Residence, voltada ao turismo de segunda residência, com quatro unidades previstas no nordeste. Destas, apenas a sediada na Bahia tem previsão de entrega ainda neste ano; as outras vão ter de esperar mais. "Com a crise, o grupo vai reanalisar os projetos e redimensioná-los, a exemplo da unidade de São Luís", afirma João Sampaio, coordenador imobiliário do grupo no Brasil.

O Aquiraz Riviera, enorme resort de US$ 350 milhões em construção no Ceará, enfrentou rumores de dificuldades financeiras por causa da ameaça de falência do Banco Privado Português (BPP), um dos controladores do Ceará Investment Fund, que financia o empreendimento. "Este ano será crítico, mas nada foi alterado no cronograma", insiste Jorge Chaskelmann, diretor do projeto. Ele comenta, no entanto, que o grupo adiará qualquer lançamento até pelo menos o segundo semestre deste ano e deixará de lado o público internacional para priorizar o mercado local.

A rede portuguesa Vila Galé, que até então vinha apostando no nordeste – tem duas unidades em Salvador, uma em Fortaleza e um resort em construção em Cumbuco, também no Ceará –, informa que não suspendeu nenhum projeto e que pretende seguir investindo na região, mas a curto prazo mudará o foco. "De imediato, a aposta será no Rio de Janeiro e em São Paulo", afirma Jorge Rebelo de Almeida, presidente do conselho de administração da rede. O resort de Cumbuco tem investimento de R$ 95 milhões, só na fase inicial.

Diogo Canteras, sócio-diretor da consultoria de hotelaria HVS Consulting & Valuation, acredita que a chave é visar o mercado interno, de forma a compensar uma possível redução no fluxo de turistas estrangeiros. "O produto turismo de segunda residência vai acabar sendo redirecionado ao mercado local", afirma. Diferença no perfil das consultas já se verifica em alguns casos, como atesta Mauro Fabbroni, sócio da Eko Empreendimentos Imobiliários, que, em parceria com a americana RCI, lançou o Itacaré Paradise, na Bahia. De início, o projeto tinha forte apelo internacional, a partir de um novo conceito de venda fracionada, em que a mesma casa é dividida em 12 frações, vendidas a diferentes proprietários. "No primeiro semestre de 2007, o fluxo de consultas era de 70% de estrangeiros e 30% de brasileiros. Hoje estamos com 50% de cada um desses segmentos. Obviamente também sofremos com o pioneirismo e o cenário econômico", diz ele. Segundo Ricardo Abreu, da Abreu Imóveis, no Rio Grande do Norte, alguns investidores europeus passaram a optar por construir para brasileiros. "Em 2006, 50% de nosso escritório era voltado a vender áreas a estrangeiros. Hoje, 85% é direcionado ao mercado local. O que se vê agora é um aumento de grupos externos interessados em construir para brasileiros, para preencher o déficit habitacional, no mercado de primeira residência", explica ele.

Na opinião de alguns, porém, o efeito da crise no mercado imobiliário nordestino será positivo. "Antes, devido à grande demanda, os preços estavam inflacionados. Na verdade, alguns estavam fora da realidade. Por conta da crise, no entanto, tiveram de ser revistos", observa Rarene Pacheco, sócia-diretora da imobiliária Josinha Pacheco. Segundo Peixoto Accioly, diretor-executivo da Adit Nordeste, os preços foram readequados e os especuladores, "expurgados". "Só fica no país quem realmente tem compromisso a médio e a longo prazo", afirma.

Políticas públicas

Atentos à oportunidade gerada pelo fluxo estrangeiro, os governos nordestinos tiveram de se mobilizar, especialmente quanto à infraestrutura básica e à melhoria dos aeroportos. Boa parte do crédito para essas obras saiu do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur/NE), ponto de partida para colocar em prática políticas públicas que fomentem o turismo e, especialmente, atraiam o investimento privado. O programa federal é financiado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com liberação pelo Banco do Nordeste. A primeira fase, de 1994 a 2004, envolveu investimentos de US$ 670 milhões, 14,9% bancados pelo governo federal e 85,1% pelos estados – 50% desses financiados pelo BID.

Esses recursos permitiram a pavimentação de 978 quilômetros de rodovias, dos quais 285 quilômetros associados à melhoria de acesso a localidades turísticas. Além disso, foram recuperados os centros históricos de São Luís, Recife, Porto Seguro e Trancoso, Aracaju e João Pessoa. No mesmo período, Bahia, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará ampliaram oito aeroportos, o que possibilitou em 2004 um aumento de 128% no número de passageiros que desembarcaram de voos internacionais regulares e não-regulares em relação a 2000, atingindo a marca de 450 mil passageiros. A participação desses aeroportos no total de desembarques no país passou de 3,8% para 7,3%.

Inez Garrido, assessora técnica da Superintendência de Investimentos em Polos Turísticos da Bahia, destaca que a melhoria em infraestrutura no estado e a chegada de grandes projetos hoteleiros também geraram benefícios aos empresários locais. "Esses empreendimentos estrangeiros acabaram por impulsionar outros menores, populares, de capital nacional, como pousadinhas e lojas." Os números confirmam: em 1994 havia no nordeste 10.184 estabelecimentos comerciais relacionados ao turismo, número que passou a 59.622 em 2003, um aumento de 485% – maior que o do país, que foi de 397,8%.

Na sequência, em 2006, o Prodetur II liberou outros US$ 240 milhões em financiamentos e US$ 160 milhões como contrapartida dos estados para projetos a concluir neste ano. Os governos estaduais também tentam ordenar suas prioridades para melhor enfrentar a concorrência. A Bahia tem a estratégia de turismo mais consolidada. "Lideramos a atração de investimentos porque nosso trabalho não é só esporádico. Não somos apenas sol e praia, desenvolvemos destinos turísticos desde a década de 1990", conta Inez. O primeiro plano estratégico baiano data de 1970, mas as ações foram alavancadas de 1991 a 2002. Ela destaca como principais medidas, além da ampliação do aeroporto de Salvador, a melhoria dos acessos rodoviários que interligam o litoral baiano. "São obras caras justamente porque muitas são vias com cuidados ambientais."

O exemplo baiano motivou outros estados, como Pernambuco, que lançou seu plano estratégico no ano passado com a ambição de desbancar a Bahia e o Ceará na preferência dos turistas. "Ficamos por muitos anos fora da agenda promocional do turismo do nordeste e do Brasil. Agora temos ações concretas fundamentadas em três pilares: infraestrutura, qualificação e promoção", afirma o secretário estadual de Turismo, Silvio Costa Filho. Com recursos do Prodetur II, o estado está implantando sistemas de abastecimento de água e esgoto e sinalização turística. O Ceará também já havia estruturado um plano de desenvolvimento turístico para o período de 2004 a 2007, priorizando a interiorização do turismo e a criação de macrorregiões para atrair diferentes nichos de mercado. Hoje, as principais obras em andamento dizem respeito à urbanização de praias.

Já Alagoas promoveu seminários técnicos no ano passado para diagnosticar a situação de Maceió e Maragogi e, assim, ter dados para definir um plano de ação. A ideia é captar empreendimentos diferenciados. "Ficamos defasados em relação a outros estados por ter permanecido sem um trabalho de capacitação durante 20 anos. Agora definimos uma estratégia que não é ser só mais um destino. Temos uma área territorial pequena e vamos partir para uma atração seletiva de empreendimentos. Não queremos quantidade, mas um elevado padrão de qualidade, além da preservação quase integral do ambiente", afirma Marcos Vital, superintendente de Investimentos da Secretaria do Turismo de Alagoas e vice-presidente da Federação do Comércio do estado (Fecomercio-AL).

Justamente a preservação ambiental causa polêmica, especialmente quando se trata de megaempreendimentos estrangeiros construídos em linha de praia ou em meio à vegetação nativa. Hoje, há trechos classificados como áreas de proteção ambiental (APA) e áreas de proteção rigorosa, onde nem sequer pode haver construção. De acordo com o local, pode ser definida a taxa de ocupação do empreendimento. Há quem diga que a demora na concessão das licenças e outros entraves burocráticos afugentam investidores. Um dos casos mais emblemáticos é o Aquapura, ex-Warapuru, um midiático resort em Itacaré (BA) anunciado como o primeiro seis estrelas da América Latina. Com investimentos de US$ 40 milhões, o empreendimento de capital português está dentro de uma APA e teve as obras paralisadas a pedido do Ministério Público Federal por irregularidades ambientais. Comenta-se nos bastidores que essa paralisação, aliada a possíveis dificuldades financeiras dos investidores, pode engavetar o projeto. "Acreditamos que a lei de proteção ambiental não deve ser flexibilizada, e sim manejada responsavelmente para não sucatear o local. Há empresários que entendem e há os que desistem", afirma Inez.

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