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Os segredos das artes cênicas

Teresa Aguiar fala sobre sua vida, dedicada à direção de peças e filmes

CECÍLIA PRADA


Teresa Aguiar / Arquivo pessoal

Na última sessão de premiação da Ordem Nacional do Mérito, realizada em outubro de 2008, entre os condecorados encontrava-se uma mulher de atuação destacada e singular, nestes 50 anos, no campo das artes cênicas e da cinematografia. Teresa Aguiar, nascida em Campinas (SP), desde criança comandava as brincadeiras de escolinha de circo, pois, como ela própria diz, "já nasci com isso, quando leio um texto já o vejo como espetáculo e não como literatura".

Teresinha, ou Tatá – como é carinhosamente chamada no meio teatral –, diplomou-se advogada mas nunca exerceu a profissão, trocando-a pelo teatro. Formou-se pela Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD) e é mestra em artes. Desde 1956, porém, atuava no Teatro do Estudante de Campinas (TEC), um grupo amador que surgiu na trilha iniciada pela companhia homônima criada no Rio de Janeiro por Paschoal Carlos Magno. Desenvolvendo o TEC, Teresa foi a fundadora do primeiro grupo profissional do interior do estado de São Paulo, o Teatro Rotunda, formado em Campinas em 1967 – cuja trajetória é relatada por Ariane Porto no livro Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena, editado pela Imprensa Oficial do Estado em 2007. Em 1984 fundou, sempre na sua cidade natal, o Teatro de Arte e Ofício (TAO), até hoje em atividade. Seu currículo registra a produção de mais de 40 peças, além de documentários e curtas-metragens. Atualmente está lançando no circuito comercial seu primeiro longa-metragem, Topografia de um Desnudo, um filme de temática densa, baseado em peça teatral de um autor chileno, Jorge Díaz, mas que tem como tema um episódio infelizmente bem brasileiro – a matança de mendigos que foram atirados no rio Guandu, no Rio de Janeiro, no início dos anos 1960, para "limpar" a Cidade Maravilhosa de visões e presenças inoportunas por ocasião da visita de Sua Majestade, a rainha da Inglaterra.

Problemas Brasileiros – Como você vê o teatro brasileiro de hoje?
Teresa Aguiar – São Paulo, segundo matéria recente do jornal "O Estado de S. Paulo", tem 130 salas de espetáculos, incluindo teatros, auditórios de escolas, igrejas, sindicatos etc. Logo, se tantos espaços existem, devem ser de alguma forma ocupados – ainda que nem sempre as salas estejam cheias. Faz-se teatro em todo canto. Da mesma forma, há escolas teatrais por toda parte. Portanto, o teatro "avolumou-se" e popularizou-se bastante – exceção feita às salas convencionais, que, devido ao preço inacessível dos ingressos, não são nada populares. O teatro para crianças também está em quase todas as salas. Mas a qualidade nem sempre acompanha a quantidade.
Se pensarmos do TBC [Teatro Brasileiro de Comédia] para cá, tivemos um teatro de qualidade, em que conseguimos assistir aos clássicos e conhecê-los. As novas gerações não têm essa oportunidade. Quando surge alguém com coragem para abordar os clássicos, as tragédias, é sempre a partir de adaptações.
Depois, com o Arena e o Oficina – um teatro de protesto e nacional –, grupos surgiram e pequenas companhias se formaram com atores saídos do TBC. Mas nesse período a televisão não era voraz como agora. Essa voracidade se refletiu na formação de um público que precisa ser conquistado, às vezes ao preço alto de concessões. Nesse ponto, temos especialmente muitas comédias – algumas bem-feitas, mas outras que descambam abertamente para a bobagem. E o resultado é que hoje há poucos grupos ou companhias estáveis que se dediquem à experimentação e produzam bom teatro.
Os grandes musicais estão aí, fazendo muito sucesso, com superproduções cheias de efeitos, boa música, atores cantando, dançando – ou pelo menos tentando. Isso é muito bom.
O saldo é agradável e temos de acreditar e ter esperança. Mas confesso que sinto falta do TBC, do Arena, daquele Oficina, da Companhia Tônia-Celi-Autran. Paulo Autran faz falta – não só como ator, mas como homem de teatro.

PB – E o cinema?
Teresa – O cinema, bem... o cinema no Brasil não é indústria, é um ato de coragem. Para aquela "meia dúzia de seis" não é assim, as coisas são mais fáceis e obtêm melhores resultados.
Sou novata nessa área, mas vejo como tudo é difícil. Depois do golpe de Fernando Collor, que fechou a Embrafilme, o cinema ressurgiu mais forte, múltiplo e virou moda. Porém... sempre o "porém", hoje, depois que o filme está "na lata", a distribuição, a divulgação e a exibição equivalem ao esforço de fazê-lo de novo.
O espaço deixado pelo cinema americano para as produções do resto do mundo – incluindo o Brasil – é mínimo. Mas o público vem pouco a pouco se chegando ao filme nacional. Existe muita gente boa fazendo cinema, não só "a moçada", "os famosos", como também "os de sempre", que continuam acreditando.
Temos técnicos da melhor qualidade e, além disso, um novo polo de produção cinematográfica em Paulínia, no interior de São Paulo, onde uma dezena de filmes já foram produzidos. Não temos atores de cinema – como na velha e boa Hollywood –, mas bons atores que fazem também cinema.

PB – Quais os critérios que adota quando escolhe uma peça ou um roteiro cinematográfico?
Teresa – Sei bem quais são os critérios que não adoto. Não vou atrás do sucesso oportunista, não corro atrás de datas comemorativas de autores nem favoreço autores que compõem a assustadora lista dos exames vestibulares. Também não facilito as coisas para o público. Preciso gostar muito para eleger uma peça ou um roteiro. Talvez não seja o critério ideal, mas preciso me apaixonar.
O roteiro tem de contar uma boa história. O texto teatral precisa ter um autor que me conquiste. A escolha final se faz quando, ao ler o texto, visualizo o espetáculo. O processo de criação começa imediatamente, mas a sua gestação, até a estreia, pode durar anos.

PB – Você é tida como uma grande "preparadora de atores". Fale um pouco de seus métodos.
Teresa – Meu método de trabalhar os atores é baseado no velho e bom Stanislavski. Não existe ator que esteja inteiramente disponível para o trabalho (digo disponibilidade interior) que resista a esse processo de trabalho.
Para que os atores não fiquem "tomados" e não criem "viagens", nada como uma boa dose de Brecht. Quando chegamos a Grotowski, os cuidados redobram. Mas tudo começa com um alerta: observe a vida, as atitudes comportamentais do homem comum, que passa na rua, que está nas imagens em movimento ou não. Aprenda a se conhecer, se observando, se ouvindo. Disciplina. Total atenção no trabalho que está fazendo.
Minha intenção é que os atores que fazem determinado espetáculo saiam dele conhecendo um pouco de teatro. Temos bons momentos de conhecimento teórico, porém amenos, como se fossem uma conversa. Meus lemas no trabalho são: "a vida é mais importante que o teatro"; "ator que se machuca por excesso no fazer é bobo".
Outras regras: exijo respeito total entre todos. "Gracinhas", estimulantes de qualquer gênero, incluindo o cigarro, só da porta do teatro para fora.
Gasto dois terços do tempo de ensaios "na mesa", fazendo leitura, conhecendo o autor, discutindo a história, localizando-a no tempo e no espaço. Acredito que isso leve à compreensão do texto, sem o que não há o que fazer.
Depois dessa fase, quando o texto já está memorizado, jamais decorado, levantamos o espetáculo. Em paralelo, pretendo sempre estender aos técnicos esses mesmos critérios e processos.

PB – Como surgiu seu interesse pelo teatro?
Teresa – Quando criança, eu fazia "teatrinho" num cômodo que havia em cima da garagem da casa de meus pais. Mais tarde, quando vi no circo o "drama" – que vinha depois do ato variado –, o teatro se instalou em mim. Desde criança, sempre dirigi o "espetáculo" – nunca fui atriz.
Daí ao Teatro do Estudante de Campinas foi um passo. Nessa época percebi que era preciso estudar e conhecer o teatro. E isso faço até hoje.

PB – Como iniciou sua vida profissional?
Teresa – O doutor Alfredo Mesquita, que me conhecia como estudante "periférica" da EAD e depois como assistente de Cândida Teixeira, professora de interpretação, me chamou para dirigir O Rato no Muro e O Visitante, de Hilda Hilst, com a turma que se formava naquele ano. Foi meu primeiro cachê.

PB – Como surgiu o projeto Topografia de um Desnudo e como tem se desenvolvido?
Teresa – Assisti à peça Topografia de um Desnudo, de Jorge Díaz, com o grupo da Universidade Católica do Chile, em Manizales, na Colômbia, durante um festival de teatro universitário. Eu estava lá participando com O Rato no Muro pela EAD.
Topografia de um Desnudo trata da "operação mata-mendigos" que ocorreu no Rio de Janeiro, no início dos anos 1960. O autor teve conhecimento desse fato através de uma notícia de jornal que vazou. O espetáculo nos entusiasmou de tal forma que, chegando ao Brasil, Renata Pallottini traduziu a peça, que esperávamos montar imediatamente. Porém, era 1972 e o texto ficou preso na censura até 1985, quando afinal conseguimos produzir o espetáculo.
A ideia de transformar a peça em filme me acompanhou desde o início, e já na montagem teatral inserimos projeções em super-8 de imagens que filmamos em lixões da cidade.
Em 2006 conseguimos filmar essa história, inaugurando o Polo Cinematográfico de Paulínia. Hoje, o filme está pronto, finalizado, iniciando sua carreira comercial – espero que tão longa quanto seu processo de criação, mas menos dolorosa.

PB – No que trabalha atualmente?
Teresa – No teatro, estou em cartaz com o espetáculo Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, com o Grupo Rotunda. E, em preparação, Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, com tradução de Bárbara Heliodora, para estrear neste ano.
No cinema, pretendemos filmar também neste ano O Crime da Cabra, uma adaptação de Ariane Porto da peça de Renata Pallottini.
Na literatura, estou escrevendo a biografia de Paschoal Carlos Magno para a Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial.
E, na construção civil, começamos a deslanchar o projeto do novo TAO, que em 2009 completa 25 anos e ganhará uma casa nova: um espaço que vai sediar um teatro, um cinema, uma livraria e um restaurante.

PB – Quais as decepções que teve em sua vida profissional?
Teresa
– A primeira delas foi quando da estreia do Rotunda, em 1967. Preparamos durante mais de um ano Electra, de Sófocles. Quando estávamos com tudo pronto, o Teatro Municipal de Campinas fechou e tivemos de estrear em São Carlos. Assim, o primeiro grupo profissional do interior paulista estreou fora de casa.
Outra estreia, ou decepção. Dessa vez, estávamos inaugurando a arena externa do Teatro do Centro de Convivência de Campinas. Outra vez, preparamos Hipólito, de Eurípides, durante mais de um ano. Dez caminhões de areia do mar e tocheiros de até 6 metros de altura compunham o cenário. As arquibancadas estavam lotadas, com quase 5 mil espectadores. Surgido do nada, um professor da Unicamp (que ainda não tinha seu Departamento de Artes), com um pequeno grupo de arruaceiros, começou a cantar "parabéns a você" – isso, enquanto o coro dos homens acendia os tocheiros. Não fora a atriz que fazia Fedra – Lourdes de Moraes – levantar-se da areia e dizer "Eu sou Fedra" com tamanho vigor que calou os arruaceiros, teríamos tido um grande fiasco.
Quando o Rotunda fez dez anos, montei um musical composto de cenas dos espetáculos até então produzidos. Chamava-se As 3.650 Noites do Rotunda. O programador de eventos da cidade – não sei bem por que ou não quero me lembrar – marcou espetáculos importantíssimos, inclusive um show de Elis Regina, no período de nossa temporada. Tivemos um grande fracasso de público.

PB – O que considera os "pontos altos" de sua carreira?
Teresa – O ponto alto de minha carreira foi minha formação. Com Carlos Maia em Campinas; em São Paulo com Cândida Teixeira, Alfredo Mesquita, Maria José de Carvalho, Décio de Almeida Prado. A EAD, com um clima, um conjunto de coisas. Depois, uma passagem irregular pela Old Vic School de Bristol, na Inglaterra, e pela Sorbonne, em Paris. Mas Paschoal Carlos Magno é a síntese do teatro dentro de mim, de minha formação e meu ideal.
Quanto aos espetáculos: Electra, de Sófocles, em São Carlos, Hipólito, de Eurípides, na arena externa do Convivência em Campinas, João Guimarães: Veredas, de Renata Pallottini, com Jofre Soares e Nídia Lícia em São Paulo e com o elenco do Rotunda em Campinas, Dona Rosita, a Solteira, de Lorca, com Nicete Bruno e Márcia Real, O Rato no Muro, de Hilda Hilst, pelas ruas de Manizales, As 3.650 Noites, único musical, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, apresentando Regina Duarte em Porto Alegre, O Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado, com Ney Latorraca e Carlos Alberto Riccelli, O Crime da Cabra, de Renata Pallottini, em um circo de verdade, Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, em praça pública, Topografia de um Desnudo, em suas duas montagens, A Via Sacra, de Ghéon, sob as árvores da Aldeia de Arcozelo, de Paschoal Carlos Magno, Quarta-Feira sem Falta lá em Casa, de Mário Brasini, Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, sob as árvores da Lagoa do Taquaral, em Campinas... é melhor parar. Começo a entrar na síndrome A Escolha de Sofia.
Em televisão, toda a série TV Povos do Mar. E, no cinema, a estreia na direção de atores com A Ilha do Terrível Rapaterra, de Ariane Porto, com Lima Duarte e Arlete Salles no elenco; e a minha primeira direção-solo, Topografia de um Desnudo, é claro.

PB – A arte deve ser considerada como valor em si ou estar associada a objetivos de caráter social?
Teresa – A arte tem sempre um caráter social. Mesmo que não tenha o objetivo de promover alguma mudança no conjunto da sociedade ou em suas relações, a arte é um dos grandes motores de transformação. A arte engajada, aquela que levanta bandeiras e é porta-voz de causas e anseios de grupos, tem o propósito explícito de interferir de forma objetiva em determinada situação. Porém, mesmo a "arte pela arte", que não possui nenhum outro objetivo explícito além de ser veículo de expressão do artista, sempre provoca uma alteração no público. A arte torna mais humano quem produz que quem consome. Quer maior transformação social?

PB – Você sofreu perseguições no tempo da ditadura?
Teresa – Eu dava aula na EAD – já na USP [Universidade de São Paulo] – no tempo em que a cavalaria do exército fazia ronda no campus. Nosso exercício de fim de ano era um passeio pela história que ia da Idade Média aos tempos atuais. Chamava-se "Liberdade em cinco tempos". Usávamos muito corpo, lutas, gritos de comando e cenas de torturas. Os "homens", pelos vitrôs, com armas embaladas, assistiam, atentos. Tínhamos muito medo, mas muita coragem. O pior era a saída da USP.
Fomos também severamente aconselhados a não montar A Revolução na América do Sul, de Augusto Boal.
Um texto meu, que levávamos em igrejas, sindicatos e clubes, foi censurado e cortado quase que totalmente com enormes rabiscos de lápis vermelho – chamava-se O Calvário do Zé da Esquina. Idêntico destino teve outro texto que seguia o mesmo caminho – Natal de Jesus Severino.
Quando estávamos apresentando O Calvário do Zé da Esquina no Sindicato da Construção Civil, em Campinas, foi dado o sinal de alerta, e todos fugimos desabalados pelas ruas da cidade – "eles" estavam chegando. Acho que sempre escapei porque é difícil pegar lambari!

PB – Qual o seu recado às novas gerações?
Teresa – "Fazer teatro é duro", lia-se na entrada do teatrinho da EAD, ainda na Rua Maranhão. Não é duro, como dizia o mestre Alfredo Mesquita – é duríssimo. Os resultados não são imediatos, é preciso haver um tempo de maturação construído com trabalho árduo, intelectual e prático. Ler como hábito cotidiano. Isso para quem quiser fazer teatro, seja como ator ou técnico. Mas quem quiser brincar ou ganhar um dinheirinho, ou ser galã ou primeira atriz logo, está no lugar errado.
E atenção – a televisão e a propaganda poderão vir, mas não faça delas sua meta, que atormenta e avaria seu tempo interior. Mesmo nessa grande usina do entretenimento, que vai do bom ao péssimo, só ficam os bons – aqueles que não têm estrutura são usados e depois descartados.
Faça teatro para ser feliz. Enquanto não chegar a hora não espere sobreviver dele.

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