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Dona Inah

foto: Joana Gudin
foto: Joana Gudin

Dona Inah empresta seu timbre rouco para muitos sambas clássicos. Cantora dos tempos áureos da Rádio Cultura e Record, em que a noite era palco de grandes intérpretes acompanhados de banda orquestral, a “rainha do samba” – título que recebeu na França em sua primeira turnê internacional – prepara para este ano seu terceiro álbum, em parceria com artistas cubanos. “Fui para Cuba ano passado, cantei com diversos músicos e surgiu a oportunidade de gravar boleros, chá-?-chá-chá e salsas”, afirma a sambista à Revista E.

A primeira gravação em estúdio se deu apenas aos ?68 anos, ao lançar o álbum Divino Samba Meu, em 2004. De lá para cá, angariou amigos e admiradores ícones da cena musical, a exemplo de Eduardo Gudin. Dona Inah o procurou para interpretar uma de suas canções, Olha Quem Chega, gravada até então somente por Elizeth Cardoso. A partir deste contato, escolheu mais treze músicas que compõem o segundo disco de sua carreira, em homenagem ao compositor. A seguir, trechos da conversa:

Vocação precoce

Logo com nove anos de idade comecei a cantar com meu pai numa banda. Aos quatorze, fazia parte da orquestra da cidade de Araras, interior de São Paulo, onde nasci. Em 1954, minha família se mudou para Santo André, uma época em que passamos dificuldade, fui trabalhar como doméstica e nos tempos livres participava do programa de calouros na Rádio Cultura, no concurso Peneira Rodini [o programa era comandado por Hélio de Araújo].
Ganhei como cantora.

Quando recebi a notícia da comissão, mal acreditei porque naqueles tempos muita gente boa participava dos auditórios. Lembro que eles pagavam bem, entreguei a quantia nas mãos do meu pai – a partir daí começamos a construir nossa casa. Logo depois, surgiram novas propostas para fazer bailes. Também viajava para São Paulo para ir à Rádio Record, que ficava ali na Quintino Bocaiuva com a Rua Direita. Participava do programa “Só para Mulheres”.

Gostava muito de imitar cantoras de música popular, principalmente Aracy de Almeida. Certa vez, fazia um show quando fui interpelada por Orlando Silva, que olhou para mim e disse: “Não imita não, você sabe cantar”. Então, decidi cantar do meu jeito. Um dos melhores momentos foi ter cantado nos clubes e salões de São Paulo, como o Som de Cristal, um dos maiores bailes de gafieira da cidade. Aos sábados havia matinê dançante, era divertido – cheguei a me apresentar com a orquestra do maestro Cyro Pereira. E assim fui indo, até que me casei aos 20 anos e tive de parar com os bailes.

A cidade de São Paulo

Gravei o primeiro disco na década de 1960, mas esse material se perdeu. Para sobreviver e sustentar a casa trabalhei servindo cafezinho, na faxina, até que um belo dia falei: vou voltar a cantar. Retornei aos bares em 1972. Quando decidi retomar, fui à Rádio Clube, uma casa de show em Santo André frequentada por muitos músicos. Refiz muitas amizades na noite, fiquei por lá oito anos. Na década de 1990, resolvi me fixar de vez na cidade de São Paulo com a ideia de vencer na vida.

Minha vinda para cá trouxe muitas surpresas. O produtor Heron Coelho me convidou para fazer um show em homenagem a Clementina de Jesus, com participação de Marilia Medalha e Fabiana Cozza [de título Rainha Quelé, o show ocorreu no Sesc Ipiranga]. Esse show despertou mais meu interesse pela música, porque foi minha primeira experiência em espaço de grande lotação.

Carreira internacional

Em 2004, participei do Fórum Cultural Mundial, em São Paulo. Uma das apresentações foi no Teatro Municipal de São Paulo. Quase chorei ao entrar naquele lugar. ?O representante da delegação francesa, após o show, veio falar comigo e disse que iria me levar para cantar na França. Não acreditei, dei risada. Em alguns meses, um produtor de lá veio até o Brasil me convocar: “A senhora vai para Paris em abril do ano que vem”.

Era o Ano do Brasil na França, eu já havia lançado meu primeiro álbum, Divino Samba Meu. De lá, fui convidada para fazer alguns shows na Espanha. Quando voltei a São Paulo, informaram que já tinha outro marcado para o Marrocos. Foi uma surpresa, um dos shows mais emocionantes que fiz [Dona Inah cantou para cerca de quatorze mil pessoas no Festival Mawazine].

Em 2008, procurei Eduardo Gudin para gravar algumas de suas canções. Olha Quem Chega [em parceria com Paulo César Pinheiro] só tinha sido gravada pela Elizeth Cardoso. Ele disse: “A responsabilidade é sua”. Escolhi mais treze músicas e entrei em estúdio. O álbum Olha Quem Chega é composto de músicas do Gudin, grande amigo. E agora estou preparando o terceiro de minha carreira. Um disco só com artistas cubanos. Passei dez dias em Cuba gravando boleros, chá-chá-chá e salsas. Já está no forno, agora é aguardar.