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Faça você mesmo


Ilustração: Marcos Garuti



“[Para os anarquistas] o conceito de beleza na obra de arte é substituído
pelo desejo de significar”

                                                                                                                     ( L. Litvak )




“Do it yourself!”. Um conceito simples que já há mais de 30 anos pontua a história do rock: vá lá e “Faça você mesmo!”. Uma ideia simples que ganhou força no lado b do rock feito na Inglaterra e nos EUA a partir da metade dos anos 70 e correu o mundo como pólvora (encontrando no caminho as páginas de um fanzine nova-iorquino chamado Punk) até estourar num movimento da cultura que efetivamente inventava as suas próprias formas de criação e circulação: o ‘punk rock’.


Na América Latina, a inversão de valores que uma atitude como esta estimulava, transformando a exclusão dos centros de poder, a falta de recursos e uma limitada habilidade técnica de três acordes em ausência de amarras e rock intenso, encontrou campo aberto entre jovens que cresciam no estertor de ditaduras militares, sobretudo em países como o Brasil e a Argentina.


Faça você mesmo, independente do modo como as coisas todas parecem terem sido sempre feitas. Sem dúvida, um gesto político, para além de criar uma janela de respiro nas formas de produção e circulação de uma música que se debatia entre shows mastodônticos, o círculo de grandes gravadoras e eternos solos de guitarra.


Passados estes 35 anos (o primeiro disco dos Ramones, de 1976, é considerado o acorde inaugural) e depois de muitos fanzines, discos e filmes caseiros, as formas de produção se multiplicaram. A tecnologia (terror de uns, amor de outros) parece, de algum modo, ter tirado de cena certo sentido das categorias apocalípticos ou integrados no que se relaciona à “indústria cultural”.


A produção cultural que mira o alcance em “massa” e é feita como produto de larga escala já não é, sem dúvida, a única produção, e já não existem apenas os grandes meios (como a TV, o rádio, o cinema e a imprensa) como canal exclusivo para a circulação dentro desta “indústria cultural”. Ou, por outra: em pouco tempo, parece que é justamente este tipo de produção que terá de discutir a sua própria forma caso queira, realmente, ainda falar com alguém.


Sempre mediados por uma cadeia de distribuição ou de emissão, as músicas, os livros, os filmes, os vídeos já podem circular praticamente direto do autor para o público (e um público que, sim, pode ser igualmente autor). E isso, sem dúvida, coloca outras possibilidades de criação e liberdade de experimentação como horizonte. Um panorama dentro do qual (fato) expressões como o teatro e a dança já seguem, anos-luz à frente, experimentando.


Entre estas novas maneiras de produzir uma das mais interessantes surgem dentro dos chamados coletivos. Mas o que há de diferente, por exemplo, entre uma banda de rock progressivo dos 70 do tipo Emerson, Lake & Palmer e um coletivo de música eletrônica contemporâneo? A resposta é talvez o que se sugere como o mais interessante nesta forma de criação: a autoria.


Pude acompanhar isto de perto nos anos em que estive na programação de música e teatro no Sesc Pompeia (o mesmo Pompeia que inclui em seu DNA um festival como O Começo do Fim do Mundo, de 1982). Atuando de maneiras bastante flexíveis, alguns realizadores, principalmente na área de música e artes gráficas e visuais, se dividem entre vários coletivos ou, mesmo, um único coletivo se mostra a reunião de diversos coletivos distintos – num cruzamento bastante mais interessante para a relação autoria-circulação.


Este modo de colaboração passa, naturalmente, pelos meios e formas de distribuição dinamizados com a internet. Da Wikipedia aos blogs e redes sociais, ninguém é mais apenas leitor (receptor, segundo algumas teorias mais ‘técnicas’ da comunicação) mas também um novo autor (ou emissor, segundo estas teorias já bastante difundidas).


Ao corrigir verbetes numa enciclopédia, comentar posts ou acrescentar posts nas numerosas redes da rede, o “leitor” elimina o par binário “emissor-receptor” e o que se tem é algo como uma sala cheia de pessoas falando, em camadas que ora se cruzam, ora seguem em direções distintas. Há aí o risco, para quem procurar ainda muito do rigor de “um emissor diante de milhares de receptores”, de acabar encontrando pela frente já alguns acordes fora do lugar.



Jefferson Alves de Lima, jornalista e mestre em Comunicação e Semiótica,
é assistente técnico da Gerência de Difusão e Promoção do Sesc SP