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A tentação das commodities

Matérias-primas na pauta de exportações batem recordes e preocupam economistas

ALBERTO MAWAKDIYE


Soja: quantidades pantagruélicas para a China

País que se mantém há algumas décadas na lista dos 30 maiores exportadores do mundo – embora sempre com uma participação minúscula, nunca muito além de 1% das transações globais –, o Brasil está tendo agora o dissabor de ver seu portfólio de vendas externas ameaçado de regredir aos padrões da década de 1960, quando as commodities agrícolas e minerais representavam 85% da pauta de produtos negociados.

Os dados são do próprio Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e referem-se aos últimos dez anos. De acordo com o ministério, a participação das matérias-primas, como soja, minério de ferro e petróleo, nas exportações totais do país praticamente dobrou na última década, passando de 22,8% no primeiro semestre de 2000 para 43,4% no mesmo período de 2010.

Já produtos como aviões, máquinas industriais, equipamentos agrícolas, veículos automotores, aparelhos de telecomunicação, placas de aço e calçados – dentre outros itens de alto ou médio valor agregado – responderam por apenas 40,5% das exportações de janeiro a junho de 2010. No primeiro semestre de 2000, eles equivaliam a 59% das vendas externas, com o restante da pauta preenchido por produtos semimanufaturados e matérias-primas.

O que explica tamanha redução da fatia de manufaturados é um segredo de polichinelo. A proporção entre as três modalidades de produtos (matérias-primas, manufaturados e semimanufaturados) registrada no ano 2000 – sem dúvida típica de um país em vias de pleno desenvolvimento industrial – vem mudando devido ao voraz apetite da China por commodities agrícolas e minerais, fazendo com que os produtos básicos voltem a predominar em nosso portfólio de vendas externas.

Em 2000, a China aparecia como o 12º destino das exportações brasileiras. Avançou uma posição logo no ano seguinte, ocupou o terceiro lugar a partir de 2005 e passou à liderança em 2009. O gigante asiático compra do Brasil principalmente minério de ferro e soja, em quantidades pantagruélicas – o que explica o fato de esses dois produtos terem respondido, juntos, por 25% das exportações totais no primeiro semestre deste ano, diante de cerca de 10% em 2000.

Apenas o minério de ferro, tradicionalmente um dos produtos brasileiros mais comercializados no exterior, representou 13,6% das vendas em junho de 2010, mais que o dobro da porcentagem registrada em 2000. A China necessita desesperadamente desse material para atender à sua poderosa indústria siderúrgica, que em 2009 produziu 567,8 milhões de toneladas de aço, o equivalente a 46,5% do total mundial.

É importante ressaltar que essas porcentagens não significam que as vendas externas de produtos industrializados tenham diminuído – historicamente, têm aumentado, acompanhando o próprio incremento do volume global de negócios. Entre os anos 1999 e 2009, na esteira da abertura da economia promovida pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-92), as exportações brasileiras se ampliaram nada menos que 218,6%, segundo o MDIC. E não param de crescer. No primeiro semestre deste ano, seu volume engordou substanciais 27,5% na comparação com o mesmo período de 2008 (antes da crise financeira mundial), passando de US$ 69,9 bilhões para US$ 89,1 bilhões.

O problema é que o aumento da participação dos produtos básicos costuma deixar a economia do país exportador mais vulnerável às oscilações de preços – já que os das commodities são definidos por bolsas de mercadorias –, assim como à lei de oferta e procura, que bem mais que no caso dos produtos manufaturados pontifica sobre as quantidades que serão exportadas. Tal dependência torna insegura a montagem das receitas externas e cria, ainda, sérios problemas estruturais no nível doméstico, como a dificuldade de proceder a um planejamento de prazo maior e eventuais crises de superprodução.

“Quando se exporta minério ou grão, o que se faz, no fundo, é vender terra, ou seja, algo de muito baixo valor agregado, mas que em grandes volumes por vezes é compensador”, diz Adriano Biava, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “O país que faz isso, porém, pode ver-se tentado a não desenvolver seu parque fabril, deixando de criar empregos e até mesmo exportando-os, e renunciando a solidificar a economia. É o que está acontecendo com o Brasil, ao privilegiar a venda de commodities em vez de investir na consolidação de uma indústria exportadora mais robusta.”

Portfólio

Diga-se que o cenário parece ainda mais sombrio quando da lista de manufaturados montada pelo governo retiram-se itens como laminados de ferro e aço, óleo combustível, etanol, açúcar refinado e suco de laranja. Segundo vários analistas, esses artigos também seriam commodities sem esse nome, tanto devido ao menor valor a eles agregado como ao fato de seus preços serem definidos, do mesmo modo, pelo mercado internacional.

De acordo com o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, com essa simples operação, por exemplo, o peso da exportação de manufaturados de maior valor agregado passaria a ser de 35% em 2008 e de ralos 25% em 2009, ano de plenitude da crise financeira internacional.

“Devia ser no mínimo de 50%”, explica Castro num estudo publicado a esse respeito, afirmando, ainda, que hoje a China exporta 93% de produtos manufaturados, a Índia cerca de 80% e até a Rússia – fortemente dependente das vendas externas de petróleo e diamantes –, em torno de 50%. Nesse quesito, o Brasil é o mais fraco do grupo Bric.

Evidentemente, não é só o apetite chinês pelas commodities brasileiras que está fazendo as exportações industriais retrocederem (ou crescerem menos do que deveriam). A indústria manufatureira também veio perdendo competitividade ao longo dos últimos anos, e não apenas devido às perversas – para o setor – políticas macroeconômicas do governo, que, sob a alegação de manter a estabilidade econômica e atrair capitais estrangeiros, enfatizam os juros altos e uma taxa de câmbio sobrevalorizada, que por sua vez atrapalha quem exporta e ajuda quem importa.

“Na verdade, o Brasil parece ainda não ter entendido que, sem investir em inovação tecnológica, jamais ocupará um espaço significativo no comércio internacional de produtos manufaturados”, afirma Guilherme Marco de Lima, vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). “Em 2008, por exemplo, o setor público e o privado destinaram, juntos, 1,13% do Produto Interno Bruto (PIB) à inovação. É quase a mesma porcentagem conjunta que foi observada em 2000, de 1,02%.”

De acordo com Lima, a maioria dos países com algum grau de industrialização tem por hábito investir de 2% a 3% do PIB em inovação – ou seja, o dobro ou quase o triplo do Brasil. Como resultado, o país faz um autêntico papelão em alguns indicadores fundamentais de pesquisa e desenvolvimento, como, por exemplo, o número de patentes internacionais. Embora este tenha aumentado nos últimos anos – foram 480 registros no ano passado, contra 270 em 2005 –, o Brasil foi responsável, em 2009, por apenas 0,3% do total mundial.

Não é pouco – é insignificante. Para se ter uma ideia, também em 2009, em plena recessão global e mergulhada numa crise institucional sem precedentes devido a falhas detectadas em vários modelos de seus carros, a montadora Toyota, sozinha, respondeu por mais de mil novas patentes. Sharp, LG, DuPont, Motorola e Microsoft ostentaram também, cada uma delas, mais registros que o Brasil.

Na comparação com outros países industrializados, o Brasil praticamente desaparece do mapa. Só a afluente China foi responsável em 2009 por mais de 7,9 mil patentes. E segundo previsão do Global Innovation Index para 2010, a situação tende a piorar: como consequência de tanta falta de investimento acumulada, o país deverá cair este ano da 50ª para a 68ª posição no ranking mundial dessa área. Será apenas o sétimo colocado na medianamente industrializada América Latina, caindo da terceira posição, ocupada em 2009, e tendo de arcar com o desprestígio que uma queda como essa provocará.

Lastro histórico

A expressão mais cabal da esqualidez dos investimentos brasileiros em pesquisa e desenvolvimento é, contudo, transmitida pela própria indústria: de fato, é incrivelmente pequena a quantidade de companhias brasileiras que investem em inovação, seja de processo, seja de produto. Segundo os últimos dados disponíveis, levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e referentes ao biênio 2005-2006, das 90 mil empresas brasileiras com mais de cem funcionários, somente 5 mil inovavam de forma continuada. E mesmo com os melhoramentos jurídico-institucionais que facilitaram o acesso às linhas de crédito para pesquisa e a formação de parcerias com institutos e universidades, não mais que 500 companhias utilizam os incentivos fiscais para inovação.

“Essa falta de apetite das empresas brasileiras em inovar para exportar é, em parte, fruto do modelo de industrialização adotado pelo país nas décadas anteriores à de 1990, quando houve a abertura econômica”, analisa Sérgio Dias Teixeira Junior, professor de comércio exterior e logística internacional do Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo) e de outras universidades paulistas. “Trata-se de um lastro histórico poderoso, difícil de remover.”

Segundo ele, o modelo, baseado na substituição de importações, concentrou, principalmente nas décadas de 1950 a 70, os vários segmentos do mercado nas mãos de poucas multinacionais, que foram fortemente protegidas por um muro tarifário de modo a atender a demanda doméstica do jeito que melhor lhes aprouvesse. “Como elas não tinham concorrentes internamente e não visavam primordialmente à exportação, não precisavam investir em inovação tecnológica. Podiam utilizar a tecnologia de suas matrizes”, diz o especialista.

Ainda de acordo com Teixeira, as pequenas empresas de capital nacional, em particular, sempre desempenharam um papel subsidiário nesse modelo, tanto do ponto de vista da produção como de mercado. Jamais tiveram capital suficiente ou apoio para investir em inovação e participar com alguma força do mercado externo, um cenário que implodiu em parte depois da globalização, mas que continua ainda com seus rígidos pilares à mostra.

De fato, embora tenham conseguido mais espaço para respirar no mercado externo com a globalização econômica, as micro e pequenas empresas continuam relativamente descapitalizadas e estão longe de participar como protagonistas da exportação. Da média de 20,8 mil empresas brasileiras que vendem regularmente no exterior, 48,3% são micro e pequenas empresas, uma porcentagem enganosamente alentadora, já que, ainda em 2008, as grandes companhias – em número de 5.508 naquele ano e parte substancial delas multinacionais – responderam por 94,2% do valor total exportado pelo país.

A concentração do mercado de exportação nas mãos das multinacionais transparece ainda melhor em outro indicador – o dos manufaturados. Em 2008, as companhias estrangeiras com vendas externas acima de US$ 10 milhões foram responsáveis, em valores, por 68% das exportações de produtos manufaturados, enquanto as nacionais corresponderam a 32%. Nas commodities, o quadro se inverteu: as nacionais representaram 72,5% e as estrangeiras, 27,5%.

Ressalte-se que parte significativa das vendas externas das multinacionais está agora “contaminada”, por conta das políticas de globalização, pela partilha mundial de produção e de mercados – como acontece assumidamente na indústria automotiva, onde alguns modelos de automóveis (como os da Volkswagen) são produzidos no Brasil para ser vendidos principalmente no México e na Argentina, e vice-versa. O que o Brasil exporta, nesses casos, é como que “compensado” pelo que importa.

Atitudes

Embora costume tradicionalmente negar a gravidade da situação, o governo tem feito esforços para melhorar o desempenho da indústria brasileira no mercado externo, por meio de seus órgãos de fomento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o que também pode ser interpretado como o reconhecimento implícito de que algo não vai bem.

O BNDES começou a operar este ano, por exemplo, linhas permanentes de crédito no exterior (negociadas através de bancos locais) para interessados em importar máquinas e equipamentos industriais produzidos no Brasil. Ainda em 2010, deverão ser emprestados entre R$ 100 milhões e R$ 200 milhões, principalmente a industriais argentinos, tradicionais consumidores de maquinário brasileiro. “A meta neste primeiro momento, porém, é também fechar parcerias com bancos locais de outros países da América do Sul, como Uruguai, Chile, Paraguai e Peru”, diz Luciene Machado, superintendente da área de comércio exterior do BNDES.

Já a Apex – devotada por origem e batismo a ajudar as empresas de médio e pequeno porte a navegar nos encapelados mares do comércio internacional – multiplicou de tal maneira suas ações (e os investimentos intermediados com entidades financeiras) que hoje participam dos programas do órgão mais de 10 mil empresas, de 79 setores da economia: de máquinas de construção a alimentos e bebidas, de produtos têxteis e eletroeletrônicos a materiais médicos e odontológicos.

O apoio dado a este último segmento é um dos exemplos mais bem-sucedidos da atuação da agência. Com um bem amarrado Projeto Setorial Integrado (PSI) em parceria com a Apex, o setor conseguiu elevar em 40% o saldo das vendas externas da indústria médico-hospitalar brasileira entre 2003 e 2009 – o volume saltou de US$ 222,6 milhões para US$ 581 milhões. Em 2002, das 82 empresas de pequeno e médio porte que participavam do programa, 50% nunca haviam exportado. Atualmente, o projeto reúne 150 companhias, 80% das quais já têm experiência no comércio exterior.

Os recursos intermediados pela Apex são utilizados pelas empresas do segmento principalmente em inovação tecnológica. “Hoje, 53% das companhias filiadas investem em pesquisa e desenvolvimento, porcentagem que sabemos ser rara na indústria brasileira. No total, 7,5% dos investimentos são reservados para essa finalidade”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), Franco Pallamolla, segundo o qual a parceria tem dado frutos também na área de prospecção de novos mercados. A China, por exemplo, entrou este ano no mapa das empresas do setor, por conta do trabalho de marketing e de sondagem de mercado feito em parceria com a Apex.

Diga-se que os programas da Apex estão provocando um bem-vindo efeito colateral no universo das exportações brasileiras: a crescente diversificação dos produtos manufaturados e dos mercados hoje por eles atingidos. De fato, a indústria brasileira hoje vende um pouco de tudo no exterior, e destinos até extravagantes se consolidaram nos últimos anos, como Moldávia, Montenegro e Luxemburgo na Europa, Bahrein no Oriente Médio e Benin e Madagascar na África.

Essa pulverização conseguiu reduzir um pouco a dependência brasileira dos países denominados tradicionais, como Estados Unidos, Argentina e China, que de qualquer modo responderam por um terço de nossas exportações em 2009. No ano passado, do ponto de vista regional, a Ásia foi o destino de 25,8% das mercadorias vendidas pelo Brasil, a América Latina e o Caribe de 23,3% (dos quais 10,3% referentes ao Mercosul) e a União Europeia de 22,2%.

Duas opções

No entanto, mais do que uma estratégia ofensiva, a busca de diversificação não deixa de representar também o reconhecimento, pelo Brasil, de que sua indústria não é tão competitiva como poderia ser, e que o mais sensato é distribuir os ovos por um número maior de cestas. Fato é que a indústria nacional vem perdendo espaços para a concorrência em diversos mercados onde antes alguns produtos tinham uma folgada participação e em locais onde eles pareciam plenos de possibilidades.

É o caso da Ásia, com a qual o saldo positivo de US$ 4,1 bilhões obtido pelo Brasil no primeiro semestre de 2009 desabou para um déficit de US$ 481 milhões no primeiro semestre deste ano. As perdas se deram em parte devido à crise financeira mundial e principalmente nas áreas de commodities e semimanufaturados, embora também tenham incidido sobre os manufaturados – rubrica que representa apenas 7% do total das exportações brasileiras ao mercado asiático.

Alguns setores industriais nacionais já perderam tanto terreno que parece difícil um dia recuperá-lo. É o caso da indústria automotiva, que ao optar preferencialmente pela produção de carros populares está batendo seguidos recordes de vendas no mercado doméstico – mas por isso mesmo vai sendo, aos poucos, expelida do cenário internacional até por players recentes, como Índia, México e Turquia.

A triste verdade é que os carros populares nacionais não têm nenhum atrativo para os consumidores de outros países, e os modelos mais sofisticados tampouco são competitivos. A filial brasileira da montadora General Motors, por exemplo, já chegou a exportar veículos para 40 países, mas hoje tem de se contentar com meia dúzia: Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, México e África do Sul.

As vendas externas da indústria têxtil também vêm sendo tolhidas por competidores mais fortes, como a China. Por exemplo, a participação brasileira nas importações argentinas do setor caiu de 35,5% em 2005 para 28,8% no primeiro semestre do ano passado, enquanto a chinesa subiu de 7,8% para 12,6%. Diga-se que os chineses também avançam no Brasil, onde já respondem por 35% da comercialização de têxteis – um mercado até 15 anos atrás dominado pelos produtores nacionais.

“Na verdade, dispor de uma enorme demanda potencial interna sempre foi uma bênção e uma maldição para as indústrias instaladas no Brasil, fossem de capital nacional ou multinacional”, diz Adriano Biava, da FEA-USP. “Se por décadas o mercado doméstico, ninado pelo protecionismo, praticamente as dispensou de lutar por maior participação no comércio internacional, também as isentou de investir em tecnologia e no cultivo de marcas próprias. Com a globalização, ficou patente que não somos industrialmente competitivos nem lá fora nem aqui dentro.”

Segundo Biava, o Brasil só tem duas opções para repor os produtos manufaturados na posição que ocuparam um dia no portfólio de exportações e, no caso de alguns setores, até no cenário nacional. A primeira é aproveitar o enorme potencial de consumo presente nas hoje afluentes classes C, D e E e, a partir do crescimento da escala de produção e da consequente capitalização, investir com força no desenvolvimento de artigos de ponta para o consumo externo (e também interno).

A outra, trágica, é deixar-se inebriar pela brisa fresca que vem das terras do agronegócio e das minas de ferro e deitar-se na rede para aproveitá-la – enquanto durar. E depois começar tudo de novo, se é que isso será possível.


China investe diretamente no Brasil

Além de principal destino das commodities brasileiras, a China deve também se tornar ainda este ano o país que mais investe diretamente no Brasil. De acordo com estimativa feita por Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, o total de recursos chineses lançados na economia brasileira deverá chegar a US$ 25 bilhões no transcorrer de 2010. E, segundo um estudo da consultoria Deloitte, os investimentos podem ultrapassar US$ 40 bilhões por ano até 2014.

É uma mudança drástica de atitude, pois até agora os chineses davam a impressão de estar interessados apenas em vender para o Brasil, e não em produzir no país. A investida parece fazer parte de uma estratégia mais geral, de exportar capitais em quantidades crescentes, além de produtos baratos. Entre 2000 e 2009, a soma dos investimentos da China em outros países saltou de US$ 30 bilhões para US$ 228 bilhões.

A escolha do Brasil como “a bola da vez” já preocupa entidades empresariais como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), uma vez que os investimentos da China deverão se concentrar em áreas estratégicas como petróleo, energia, mineração, siderurgia, infraestrutura e agronegócio.

As entidades alertam para o risco de os chineses comprarem minas no país e usarem o minério para controlar os preços e jorrar aço barato no mercado brasileiro, por exemplo. Com instalações próprias no Brasil, também poderão deixar de comprar minério de ferro e soja de companhias não chinesas na quantidade atual, comprometendo seriamente o balanço de pagamentos do país.

Os investimentos anunciados até agora são, todos eles, grandiosos. Na área de petróleo, a estatal Sinochem informou em maio a compra de 40% de participação da norueguesa Statoil no campo de petróleo de Peregrino, na bacia de Campos, no Rio de Janeiro, por US$ 3 bilhões.

Outros US$ 10 bilhões servirão para a empresa chinesa financiar projetos do pré-sal conduzidos pela Petrobras. Acenos também já foram feitos para a própria cadeia produtiva do pré-sal, para companhias que vão da fase de exploração até o fornecimento de equipamentos.

No setor minerossiderúrgico, a estatal Wuhan Iron and Steel Corporation (Wisco) fechou contrato com a LLX, do empresário Eike Batista, para a construção de uma siderúrgica no Porto do Açu, em São João da Barra (RJ). Os chineses entrarão com US$ 3,3 bilhões. A usina deverá produzir 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano.

Além de parcerias com companhias nacionais, os chineses estão colocando dinheiro na instalação de empresas próprias. A Sany Heavy Industry, de produção de maquinário para construção civil, pretende investir cerca de US$ 100 milhões para erguer uma fábrica em São José dos Campos (SP).

A montadora Chery, de carros populares, por sua vez, confirmou que produzirá no Brasil, devendo ser seguida por outras quatro ou cinco automotivas chinesas. Até instituições bancárias os chineses estão começando a trazer para o Brasil: o Banco da China já anunciou a abertura do primeiro escritório no país, em São Paulo.


Os estragos do câmbio no mercado doméstico

Se a taxa de câmbio está afetando a competitividade da indústria brasileira no mercado externo, muito mais estragos vem fazendo na seara doméstica. De acordo com pesquisa da consultoria LCA, a participação das importações no consumo interno de bens industriais no segundo trimestre deste ano ficou em 18,3%, contra os 14,9% do mesmo período de 2009. É o nível mais elevado desde que a série foi iniciada pela LCA, em 2002.

Os setores mais afetados pelos artigos estrangeiros são todos de médio ou alto conteúdo tecnológico: eletroeletrônica, telecomunicações, metalurgia e têxtil. A inundação de produtos de fora já desespera alguns desses nichos, como o eletroeletrônico: as importações somaram US$ 15,8 bilhões no primeiro semestre deste ano, 49,7% acima do volume observado no mesmo período de 2009.

“A situação está próxima do insustentável”, protesta o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, alertando para a possível desindustrialização do país em vários segmentos representados pela entidade, se algo de efetivo não for feito para deter a avalanche.

Alguns analistas, como o professor e ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, acham que essa desindustrialização já está em curso, engolfando o próprio conjunto da economia. De acordo com ele, não há outra leitura possível para o fato de a indústria, que só representava 20% do PIB na década de 1940, mas chegou aos 36% em 1985, ter desabado para meros 16% em 2008.

Em artigo, o ex-ministro disse que, mesmo levando em conta a redução da participação da indústria no PIB mundial de 25% para 17%, entre 1970 e 2007, devido ao avanço do setor de serviços, esse não é o caso do Brasil, e sim dos países desenvolvidos, que podem deslocar parte da mão de obra industrial para setores de serviços com valor adicionado maior.

Segundo ele, a desindustrialização do Brasil se relaciona à produção de mais commodities, no processo conhecido como “doença holandesa” – o aumento de preços das matérias-primas exportadas que traz uma enxurrada de dólares e acaba por afetar o câmbio, prejudicando ou até mesmo destruindo a indústria. Um cenário – é fácil concluir – que poderá se agravar no país quando as recentes descobertas de petróleo na camada do pré-sal forem efetivamente exploradas.

 

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