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Mercado das letras

É ideia corrente a afirmativa de que o brasileiro não lê e o mercado estaria em queda. No entanto, a última edição da Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL), identificou a existência de 95 milhões de leitores no país, que passaram a ler, em sete anos, 4,7 títulos por habitante ao ano. Com a chegada de tecnologias como e-books, e-readers e outras plataformas, o mercado editorial estaria pronto a seguir em crescimento? Ou deve sofrer como a indústria fonográfica, que teve queda vertiginosa na venda de CDs, sobretudo por causa dos downloads? Analisam esse cenário a presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Rosely Boschini, e a presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Sônia Machado Jardim.

Um mercado em evolução
por Rosely Boschini

O anúncio que o Google acaba de fazer, relativo ao seu investimento milionário para a disponibilização de livros na Internet, corrobora o que a Câmara Brasileira do Livro (CBL) constatou ao realizar pioneiramente em 2010 o I Congresso Internacional do Livro Digital, em pesquisa com editoras participantes do evento: o e-book, em suas distintas mídias, é irreversível e se constitui em meio adequado para a comercialização de conteúdos. Sua presença é ainda incipiente, pois somente 2% das empresas brasileiras o adotam para a oferta de volume razoável de títulos (entre 30% e 50% do catálogo). Setenta por cento sequer iniciaram a implantação do processo e a grande maioria dos que já o utilizam tem menos de 10% de suas obras disponíveis na nova mídia.

Porém, a tendência de avanço é inexorável, o que não significa ameaça ao livro impresso na forma como o conhecemos. Há espaço no mercado para todas as mídias. A expectativa é a de que o livro digital até contribua para estimular o hábito de leitura em segmentos do público, em especial o infantojuvenil, mais afetos aos computadores do que à comunicação gráfica. O importante é garantir o respeito aos direitos autorais, de modo a preservar os direitos de autores, editoras, livrarias, distribuidores e creditistas, que já enfrentam problemas demais com a pirataria do livro impresso. A CBL está muito atenta a essa questão.

Mais do que nunca o mercado brasileiro está preparado para o advento do e-book. Paulatinamente, amplia-se o gosto pela leitura. Um dos fatores importantes desse processo é o aumento da oferta e a queda de preços dos livros, que ficaram, em média, 3,52% mais baratos em 2009, em relação ao ano anterior. Os valores médios caíram de 11,52 para 11,11 reais. É o que indica a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro 2009, realizada para a CBL e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe). As edições anteriores do estudo já apontavam, no período de 2004 a 2008, quedas de preços de 24,5% no segmento de didáticos, 22,4% no de obras gerais, 38% no de religiosos e 23,3% no de científicos, técnicos e profissionais.

O novo relatório indica que a produção total de livros no país cresceu 13,55%, passando de 340,3 milhões de exemplares, em 2008, para 386,4 milhões, em 2009. Quanto às vendas das editoras aos canais de comercialização (livrarias, distribuidores e porta a porta etc.), verificou-se expansão de 11,30% (370,9 milhões de unidades, contra 333,3 milhões). O faturamento total do setor cresceu 2,13%, alcançando R$ 3,37 bilhões, ante os R$ 3,30 bilhões do período anterior. Cruzando-se os percentuais relativos ao volume e ao valor das vendas, também se percebe, de modo muito evidente, a redução de preços. Detalhe importante: os números referem-se ao exercício de 2009, marcado pela grave crise econômica mundial. Isso nos permite aludir que a performance do setor em 2010 possa ser ainda mais positiva.

Outro indicador relevante é o crescimento de 14,88% na quantidade de novos títulos publicados (22.027 em 2009 ante 19.174 em 2008). Essa tendência do mercado editorial amplia a diversidade temática à disposição do público e, por outro lado, oferece oportunidade a mais autores, suscitando o surgimento de novos talentos na literatura nacional. A redução do preço e o maior volume de produção e edição de novos títulos integram o esforço do mercado no sentido de contribuir para a meta de multiplicar a base de leitores. Tal empenho soma-se às políticas públicas de fomento do livro, empreendidas pelo governo federal, vários estados e numerosas prefeituras.

Os resultados dessa mobilização aparecem de modo claro na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que, em sua última edição, identificou a existência de 95 milhões de leitores no país. Esse público passou a ler, em sete anos, 4,7 títulos por habitante/ano. Contudo, o mais expressivo e gratificante resultado é o incremento ocorrido entre os jovens com mais de 15 anos e um mínimo de três anos de escolaridade: esses leitores saíram de um índice inferior a duas obras/ano per capita, para 3,7. É inegável que o brasileiro só pôde incluir o livro de modo mais regular em seu orçamento devido à queda dos preços médios.

O processo de evolução do mercado editorial foi muito perceptível na 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, promovida pela CBL, de 12 a 22 de agosto, no Pavilhão de Exposições do Anhembi. Tivemos a presença de 743 mil pessoas, e a resposta dos visitantes ao empenho do mercado em prol do hábito de leitura foi estimulante, pois, segundo o Instituto Datafolha, 80% dos presentes compraram livros na feira. Outro indicador importante é o Prêmio Jabuti. Criado em 1959, chegou em 2010 à 52ª edição e, mais uma vez, como já ocorrera em 2009, estabeleceu novo recorde absoluto de participação, com 2.867 inscrições.

Para os empresários do livro, que vêm promovendo a profissionalização do setor, melhoria da qualidade e aumento da eficiência produtiva, tem sido gratificante observar as respostas do mercado. Nesse cenário, não há o que temer quanto ao advento das mídias eletrônicas. Não devemos entendê-las como ameaça, mas sim como algo que acrescenta novos canais de acesso à leitura.

Rosely Boschini, empresária do setor editorial, é presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL)

 

Mito derrubado
por Sônia Machado Jardim

Há uma ideia recorrente no Brasil de que a população do país não gosta de ler. Ao analisarmos friamente alguns números, porém, fica impossível acreditar nessa “máxima”. Segundo o IBGE, as vendas nacionais no varejo há tempos apresentam um gráfico ascendente. Na comparação mensal do ano anterior, livros, jornais, revistas e artigos de papelaria formam o segundo segmento que registrou maior aumento de vendas, da ordem de 6,6%, atrás apenas de equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (10,5%).

É bom lembrar que 2009 foi um ano de crise econômica mundial. Mesmo assim, a última pesquisa “Produção e vendas do setor editorial brasileiro” realizada, ano passado, pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe-USP) mostrou que a venda total de livros do mercado brasileiro teve um crescimento expressivo, passando de 333,3 milhões de exemplares vendidos em 2008 para 370,94 milhões em 2009, o que representa um aumento de 11,30%. Os dados de 2010 ainda não se encontram disponíveis.

Vários fatores provocaram esse resultado positivo. Um deles foi devidamente apontado pela mesma pesquisa da Fipe: o preço médio do livro vendido, em termos reais, está hoje um terço mais barato do que há cerca de cinco anos. Dessa forma, uma nova camada da população brasileira está conseguindo ter acesso à leitura.

O estudo informa que essa redução de preços se deve à economia de escala, com o crescimento do número de exemplares vendidos ao mercado, à redução de margem das editoras e à desoneração do PIS e Cofins.

Isso indica que a cadeia produtiva brasileira do livro responde a contento quando estimulada por políticas públicas adequadas.

Dados da pesquisa também apontam as livrarias como o principal canal de comercialização dos livros produzidos no Brasil. Em 2009, esses estabelecimentos receberam 97,1 milhões de unidades e venderam 42,44% dos livros produzidos no país. Há, porém, outra curva ascendente despontando como constante nessa área: a venda porta a porta. Essa modalidade de distribuição avançou sua participação no mercado, passando de 13,66% em 2008 para 16,64% em 2009, o que representa um volume de vendas de 38,1 milhões de livros.

Um olhar mais atento para a geografia brasileira pode destacar ainda mais a importância desse canal de comercialização. O país tem atualmente uma livraria para cada 64.255 habitantes, sendo que 56% delas estão nas maiores cidades do país. A venda porta a porta é feita por um “exército” que chega aos cantos mais remotos do país, atendendo um segmento da população que não frequenta livrarias. É um reflexo também do bom momento econômico que o Brasil vive, com o ingresso das classes C e D no mercado consumidor, inclusive de livros.

Se é verdade que o brasileiro não liga para livros, como se explica, então, a proliferação de eventos literários pelo Brasil inteiro, todos registrando enorme sucesso de público?

Eventos como a Bienal Internacional do Livro confirmam a cada edição o interesse do público pelo livro e seus autores. Aqui também temos um exemplo de política pública vitoriosa. Viabilizada com a Lei Rouanet, a Bienal do Livro do Rio de Janeiro realizada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) em 2009, ao longo de 11 dias de programação, recebeu 640 mil pessoas. Ao todo, mais de 2 milhões de livros foram vendidos. Em 2011, a festa da literatura está de volta ao Riocentro, que sediará a XV Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro de 1º a 11 de setembro. 

O sucesso de público tanto da Bienal do Rio como da Bienal de São Paulo está motivando outras cidades, como Belo Horizonte, Curitiba e Salvador, a também organizarem suas Bienais do Livro. Além disso, eventos regionais como a Flip em Paraty (RJ), Passo Fundo (RS), Ouro Preto (MG) e Fliporto (PE) e tradicionais feiras como a de Porto Alegre confirmam que o público brasileiro gosta, sim, de ler.

Dentro desse quadro, estamos iniciando em 2011 um novo comando na política brasileira, tendo pela primeira vez uma mulher na Presidência da República, Dilma Rousseff, que será acompanhada por outra mulher à frente do Ministério da Cultura, Ana de Hollanda. As mulheres representam 55% do público leitor, de acordo com a 2a. pesquisa Retratos da Leitura, patrocinada pelo Instituto Pró-Livro.

Acreditamos que o novo governo percebeu que o crescimento do Brasil só se dará através de um investimento maciço na qualidade da educação. Esse processo passa por uma política de formação de leitores. É verdade que o primeiro passo foi dado, ao se manter o ministro Fernando Haddad à frente do Ministério da Educação: o governo anterior colocou mais crianças nas escolas e facilitou a inclusão de jovens nas universidades. Mas isso, por si só, não garante o ensino de qualidade. Afinal, não basta colocar o aluno na universidade se não dermos os instrumentos necessários para a sua formação acadêmica.
A formação do hábito de leitura nas escolas precisa ser intensificada. O primeiro passo é um projeto que transforme, de fato, o professor em professor-leitor. Não podemos ter a expectativa de que o professor fará despertar o prazer da leitura no aluno se ele também não o tiver. O novo governo deve também ter como missão ampliar a política atual de fomento a bibliotecas escolares, universitárias e públicas, com acervos renovados e atualizados, em quantidades suficientes para atender às demandas dos alunos.

Em maio de 2010, o Ministério da Cultura divulgou o resultado do primeiro censo das bibliotecas municipais do país – aqui, abro um parêntese para aplaudir essa iniciativa inédita e importantíssima para o aprimoramento da nossa política pública do livro.

O que a pesquisa mostrou foi que o brasileiro usa a biblioteca apenas para a realização de pesquisas escolares. O local ainda não é visto como uma opção de lazer, como acontece em vários países. Além disso, 21% das cidades visitadas não tinham bibliotecas municipais abertas sendo que, em 8% dos municípios, de fato não existiam bibliotecas. Esses dados mostram que ainda há muito trabalho a ser feito e um potencial enorme de crescimento do público leitor.

No Brasil, o e-book está apenas começando. Ainda não se sabe se esse novo formato poderá provocar uma revolução similar à que aconteceu com a música há alguns anos, levando a uma queda vertiginosa nas vendas de CDs. Acredito que não será uma ameaça ao livro de papel. Acho que os dois formatos de livro irão conviver e que o novo formato significa também uma nova oportunidade de negócio. Com os dispositivos eletrônicos móveis e compactos, temos a oportunidade de atrair um novo tipo de leitor.

Esse é o desafio que a indústria deverá enfrentar nos próximos anos. Como criar um modelo de negócio que remunere autor, editor e livreiro, que impeça a proliferação da pirataria e garanta a sobrevivência do setor? Em um território livre e globalizado como a internet, como preservaremos a indústria editorial brasileira? Questões como essas devem permear as discussões para futuras políticas públicas.

Não devemos permitir que as conquistas que o setor obteve até agora percam continuidade ou sejam atropeladas pela tecnologia. Nessa ótica, a discussão em torno do projeto para a alteração da Lei do Direito Autoral também merece bastante atenção. Se aprovado no formato proposto, seria uma catástrofe para a sociedade brasileira, pois haveria um desincentivo à produção intelectual nacional. A nossa indústria é fundamentada no respeito ao direito autoral e esperamos que nesse novo ano seja possível um entendimento mais adequado a respeito dessa questão.

O mercado editorial brasileiro se encontra em um ótimo momento e esperamos que essa tendência permaneça, indicando para o futuro um quadro ainda mais promissor.

Sônia Machado Jardim é presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Presidente do Instituto Pró-Livro (IPL), membro do Conselho Curador da Fundação Nacional do Livro Infantojuvenil (FNLIJ), membro da Comissão Carioca de Leitura, Vice-presidente do Grupo Editorial Record.