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Filhos do conflito

O colombiano David Solano mora há nove anos em São Paulo, com a mulher, Leonor, e as quatro filhas. Se considerarmos apenas o fato de a cidade ser famosa por misturar todo o Brasil, e um pouco do mundo, não haveria nada mais a dizer sobre o estrangeiro de 52 anos vindo do país vizinho.

No entanto, há uma passagem de sua vida que o coloca numa estatística bem menos conhecida. Ele é um dos cerca de 4.200 refugiados reconhecidos pelo governo brasileiro – segundo levantamento de 2009 do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), órgão ligado à Organização das Nações Unidos (ONU).

Esse contingente é composto de pessoas vindas de 75 países – localizados na América Latina, Leste Europeu, Oriente Médio e África, na maioria dos casos. “Minha situação diz respeito a uma condição de muita insegurança [na Colômbia], relacionada com o papel que eu desempenhava na defesa dos direitos humanos em meu país, por conta dos conflitos que se vive lá”, explicou David, referindo-se à guerra civil pela qual o país passa há décadas e que envolve as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

O drama de David teve início em 2002, quando ele se viu obrigado a vir, com a mulher e as quatro filhas, para o Brasil, onde a família já tinha parentes, que os abrigaram nos primeiros meses. A condição de chegada da família espelha a de muitas vítimas de perseguições políticas e/ou religiosas em seus países: pouco ou nenhum dinheiro, desconhecimento da língua e da cultura local, desassistência e incerteza sobre o futuro. “A saída do país é difícil, mesmo traumática, e bastante cara”, detalha David. 

Canal de expressão

Um dos locais aos quais ele e a família recorreram, a exemplo do que fazem muitos dos refugiados que chegam à capital paulista, foi o Sesc São Paulo, que mantém um programa de assistência a pessoas vindas de países em conflito (veja boxe Garantia dos direitos humanos). Foi por meio desse canal, por exemplo, que David conseguiu fazer conhecer sua história.

Ela integrará um vídeo realizado para lembrar os 15 anos desse trabalho na instituição e que contou com pesquisa e roteiro da diretora Stela Grisotti. “A gente buscou pessoas que tiveram e têm vínculos com o Sesc”, conta Stela. “E pedimos para elas refletirem sobre a importância de programas como esse [do Sesc], que as fazem sentir-se acolhidas, recebidas, de uma maneira bacana.”  Nos depoimentos, os participantes resgatam e revelam suas histórias e contam os dramas pelos quais passaram para vencer os primeiros meses de vida em um novo país.

São relatos surpreendentes, como o do vietnamita Thai Quang Nghiã, que fugiu de um campo de trabalhos forçados e foi resgatado por um navio da Petrobras depois de ficar cinco dias à deriva em alto-mar. “É um retrato de um mundo desigual”, avalia Stela.

Por outro lado, o material, do qual participam o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, António Guterres, e o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, pretende transmitir uma mensagem de superação e um alerta à sociedade civil sobre a importância de todos os países tomarem consciência da questão. “Porque só o Acnur ou os governos não dão conta da gravidade do problema”, acredita a diretora. 

Vídeo-cartas a São Paulo

O tema também é abordado em outra produção audiovisual envolvendo o Sesc São Paulo. Trata-se de um vídeo que resultará da participação de dez refugiados numa oficina realizada na unidade Consolação. Esse projeto, que recebeu o nome de Vídeo-Carta a São Paulo (http://www.videocartasaopaulo.blogspot.com), é fruto de uma parceria entre o Sesc, o Adus – Instituto de Reintegração do Refugiado, uma ONG que trabalha com a questão – e a cineasta Eliane Caffé.

“É como se o grupo quisesse fazer uma ‘carta’ endereçada à cidade”, conta Eliane. “Então o ‘remetente’ é o próprio grupo, porque o trabalho todo é de autoria e produção coletiva, e o ‘destinatário’ são os habitantes da cidade.” As imagens constroem um painel com os pontos de vista dos participantes sobre a vida na capital paulista, as questões que mais se fazem presentes em seu dia a dia e a sua percepção de aspectos da nossa cultura. “Então temos, por exemplo, a chamada câmera-bastão, que vai passando de mão em mão. A cada dia um leva essa câmera para casa e grava coisas que acha importantes do seu cotidiano e que queira registrar”, exemplifica a diretora. 


Garantia dos direitos humanos

Programa do Sesc oferece cursos, como de língua portuguesa, para refugiados

Complementando 15 anos neste ano, o trabalho que o Sesc São Paulo realiza com os refugiados tem o objetivo de orientá-los na busca por autonomia e inserção na sociedade, além de tornar o assunto acessível como um todo. Na prática, porém, a ação vai bem além disso.

Parceria entre a instituição, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e a entidade católica Cáritas, a iniciativa significa um primeiro contato entre as pessoas que chegam na condição de refugiadas e o país que lhes servirá de pátria – quase sempre por tempo indeterminado.

Depois de passarem pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que oficializa a condição de refugiado, o recém-chegado vincula-se à Cáritas, que, por sua vez, encaminha os casos. O Sesc oferece cursos gratuitos de língua portuguesa e alimentação no restaurante da unidade Carmo.

A programação específica para esse público inclui ainda oficinas de geração de renda. “As mulheres que vêm de países muçulmanos, por exemplo, são muito pouco ativas para se inserirem na sociedade”, comenta Marina Herrero, assistente técnica da Gerência de Programas Socioeducativos (Gepse) do Sesc. “Elas são muito dependentes dos homens, têm uma outra cultura. Então, há atividades de incentivo à participação econômica dessas mulheres.” 

Além de promover ações específicas – concentradas, principalmente, nas unidades Carmo e Consolação –, o Sesc incentiva o uso de todas as unidades e seus serviços, como o acesso às salas de Internet Livre, essencial para quem está, muitas vezes, a um mundo de distância de casa.

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