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Investigação em declínio

O jornalista Claudio Julio Tognolli é professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Membro do International Consortium of Investigative Journalists (consórcio internacional de jornalistas investigativos), já trabalhou na revista Veja, no jornal Folha de S.Paulo, e nas rádios CBN e Eldorado.

É autor de vários livros, entre eles, O Século do Crime (Boitempo Editorial, segunda edição de 2004), ganhador do prêmio Jabuti em 1997, escrito juntamente com José Arbex Jr, e 50 Anos a Mil (Nova Fronteira, 2010), em parceria com o músico e compositor Lobão.

O convidado do Conselho Editorial da Revista E desta edição contou, durante o encontro, suas impressões sobre o momento atual do jornalismo, em especial do jornalismo investigativo, diante das novas transformações que o mercado de mídia vem sofrendo nos últimos anos.

“Chegamos a essa fase em que o público está começando a fazer jornalismo. E acredito que, quando o público tiver uma expertise ética, que ele sempre exigiu de nós, mas ainda não foi treinado a exercê-la, lentamente ele vai ocupar o espaço do jornalista, do mesmo modo que o DJ ocupou o lugar do músico”, sentencia Tognolli. A seguir trechos da conversa.


Mudança de paradigma

A mídia passa por profundas transformações nos últimos tempos. Vemos o surgimento daquilo que o Rosental [Rosental Calmon Alves, professor da Universidade de Austin, ex-correspondente do Jornal do Brasil nos Estados Unidos] chama de eucentrismo.

Trata-se da reação do público às narrativas que os donos das grandes mídias impunham. Quando começaram a explodir, sete ou oito anos atrás, os blogs, as pessoas passaram a assumir as próprias narrativas. Quando o jornal vê que está perdendo a narrativa para o cidadão comum, ele tenta arrumar uma forma de trazer de volta o leitor, e o faz com o uso dessas mesmas ferramentas.

Uma primeira tentativa é oferecer o serviço de RSS, para o cidadão que, por exemplo, não quer mais que a manchete seja de economia, mas sim de futebol.  Outra tática é dar a oportunidade de sugerir, “curtir”, compartilhar um assunto com sua rede de contatos, cruzando assim diversas ferramentas, como o Twitter, Tumblr e Facebook.

Vem também a possibilidade de comentar. Num primeiro momento, os jornais acham que liberar os comentários sem identificação pode render uma boa visitação. Mas então começa a surgir uma série de ações cíveis indenizatórias por conta de falsos comentaristas que escrevem comentários maldosos, capciosos, mentirosos.

A mídia se confronta assim com aquilo que Noam Chomsky [acadêmico, professor de linguística e filosofia, é ativista político contra o capitalismo americano] chama de fabricação de consenso, aquela lista de comentários que parecem ser demonstrativos da opinião pública, mas que, na verdade, são produzidos segundo interesses escusos, muitas vezes por blogueiros de aluguel.

Portanto, essa inovação exige dos leitores a mesma responsabilidade sobre o que eles dizem, que eles sempre exigiram de nós, jornalistas.  E, finalmente, vem a última tentativa. Mas essa é uma revolução de fato. O Le Monde possui um site chamado lepost.fr, no qual existe apenas um editor responsável.

Quem escreve é o público, e se paga o preço de mercado pela matéria, na medida em que o público tenha furos e saia primeiro naquele veículo.  Acredito que, quando o público tiver uma expertise ética, que ele sempre exigiu de nós, mas ainda não foi treinado a exercê-la, lentamente ele vai ocupar o espaço do jornalista. As fontes estão também assumindo a narrativa. Elas o fazem lentamente, mas isso é uma tendência mundial.

Acho que isso é uma revolução maior que a francesa, porque lentamente o público está assumindo a narrativa. A pergunta que se faz é: como as grandes mídias que sempre tiveram o discurso da democracia vão reagir ante o público que, ele mesmo, vira concorrente?

Jornalismo investigativo

Nesse cenário, é óbvio que o jornalismo investigativo, que é o diferencial do jornalismo, é o que mais sofre. A gente sabe que o jornalismo investigativo é o jornalismo em que você usa o documento produzido por uma autoridade como ponto de partida, e não como ponto de chegada.

O site Papercuts [http://newspaper layoffs.com] mostra que nos últimos seis anos as redações americanas encolheram 60%, e a primeira casta a ser cortada é aquela dos jornalistas investigativos, experientes e que têm fontes para produzir um produto diferenciado.  Os jornalistas investigativos estão sendo demitidos, não porque os jornais não se interessam, mas o jornalismo investigativo é muito caro em termos de custo-benefício.

E os documentos produzidos por autoridades se tornam muito interessantes nesse sentido. Com o sistema Guardião (aparelho que grampeia legalmente milhares de telefones), que começa a ser usado pelas autoridades, a polícia obtém provas contundentes – não juridicamente, mas midiaticamente – e entrega a um repórter um CD com grampo, imagens e fotos. Os jornalistas, por falta de tempo para investigar, e por falta de técnica para competir com aquilo que a autoridade colheu, acabam publicando aquilo que receberam. Lá se vão os furos, ficam os processos. 

O jornalismo e a assessoria

Estamos tendo o maior boom de assessorias de imprensa no país. Não acredito que jornalismo e assessoria devam ser duas coisas distintas e separadas. Agora uma coisa é certa: é óbvio que o inimigo dos assessores é o jornalista investigativo, é o blogueiro.  Então eu acredito que hoje existe uma litigância entre um público muito bem informado e que quer publicar tudo e políticos muito bem assessorados, que não querem publicar tudo.

Para lembrar, no auge do caso Monica Lewinsky [foi estagiária na Casa Branca durante o governo de Bill Clinton, com quem esteve envolvida num escândalo após a divulgação de que mantiveram relações sexuais], foram os assessores de imprensa do presidente que tiraram Clinton do centro das atenções. Foram eles que criaram aquela história em que o Slobodan Milosevic [1941-2006.

O ex-presidente da antiga Iugoslávia era julgado por crimes contra a humanidade cometidos em Kosovo em 1999 e na Croácia entre 1991-1992, além de genocídio nos crimes de guerra ocorridos na Bósnia entre 1992 e 1995] estava promovendo uma limpeza étnica e que tinham achado dez mil corpos de kosovares. A Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte] invadiu Kosovo em abril de 1999, e o maior site de geopolítica do mundo, o stratfor.com – criado na universidade de Louisiana – publica um laudo do FBI [Federal Bureau of Investigation] dizendo que foram achados cerca de 100 corpos, não dez mil.

Era mais fácil invadir o Brasil, no caso Carandiru, porque ali foram 111 corpos! Então, essa é uma batalha bem interessante: o público, que quer colocar tudo no ar, e o jornalista assessor, que quer criar cada vez mais filtros a essas informações.


“As fontes estão também assumindo a narrativa. Elas o fazem lentamente, mas isso é uma tendência mundial. Acho que isso é uma revolução maior que a francesa, porque lentamente o público está assumindo a narrativa”

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