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A Grande São Paulo ficou para trás

por Alberto Mawakdiye

É bem verdade que a população do nordeste brasileiro já consome mais de 17% dos bens e produtos comercializados no país; o agronegócio se fortaleceu tanto no centro-oeste que a região está quase alcançando o sudeste no tocante ao volume de investimentos em tecnologias da informação, que somarão cerca de R$ 9 bilhões em 2012; a região sul continua seguindo como exemplo de qualidade de vida, e São Paulo e o Rio de Janeiro ainda dão as cartas na política, na economia e na cultura.

Todavia, a região mais próspera do Brasil, agora, é outra. O cobiçado posto passou a ser ocupado pelo interior do estado de São Paulo, que, puxado por “capitais regionais” poderosas como Araçatuba, Bauru, Campinas, Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São José dos Campos, São José do Rio Preto e Sorocaba, dentre outras, tornou-se o maior mercado consumidor do Brasil. A liderança era ocupada, até agora, pela Grande São Paulo, que sempre esteve à frente da locomotiva, sobrando ao interior, durante anos, o segundo lugar nesse ranking.

Coube à consultoria paulistana IPC Marketing, especializada em mapeamentos de potencial de consumo, detectar a mudança de posições com base na estrutura de gastos da população medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outras fontes de pesquisa. De acordo com o estudo da IPC, o consumo dos domicílios das cidades do interior, em 2012, deverá somar R$ 382,3 bilhões, ou 50,2% do total do estado. Já a Região Metropolitana, que inclui a capital e 38 outros municípios que a circundam, vai movimentar no período R$ 379,1 bilhões, ou 49,8% do total gasto com alimentação, saúde, habitação, transporte, vestuário, educação e lazer. “Essa mudança de rota é consequência do processo de descentralização da economia pelo qual o Brasil vem passando já faz alguns anos”, destaca Marcos Pazzini, diretor da IPC Marketing e responsável pela pesquisa. “Contam-se às centenas as indústrias que trocaram a Região Metropolitana pelo interior do estado ou que vêm se instalando diretamente ali, e o resultado é um significativo aumento da renda da população local”, ele observa.

Ainda de acordo com Pazzini, o fenômeno não se limita apenas à capital paulista. Outras metrópoles brasileiras também estão perdendo espaço para o interior. Em 2002, mostram as estatísticas, 36,7% do consumo das famílias brasileiras estava concentrado nas 27 capitais estaduais. Em 2007, essa participação tinha caído para 33,1%, percentual que deve ficar em 32,4% em 2012.

O motivo da “fuga” de investimentos para o interior é facilmente explicado pelo inchaço das capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, uma realidade que começou a se configurar com mais força no final da Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando de fato teve início o processo de industrialização no Brasil. Transformadas em polos exclusivos da indústria, do grande comércio e das finanças, as metrópoles e suas cidades satélites acabariam por agrupar a própria população brasileira. Hoje, perto de 35% dos 190 milhões de brasileiros vivem em 12 regiões metropolitanas, pouco menos de 10% apenas na Grande São Paulo.

O crescimento econômico e populacional acabaria encaminhando a indústria de quase todas as grandes capitais para um lento e inexorável processo de “deseconomia”, que se tornaria bastante visível em meados dos anos 1970, expresso por uma série de limitações como a falta de espaço físico para novas construções fabris e ampliações, elevação exponencial do preço dos terrenos, trânsito infernal, transporte ineficiente e custo crescente da mão de obra.

As fábricas mais tradicionais – como as do ramo metalúrgico, também chamadas de “indústrias de chaminé”, em geral de grande porte, as agroindustriais, de transformação mineral e de plásticos e borracha – vêm, desde aquela época, optando por se estabelecer em áreas menos congestionadas do interior, preferencialmente na vizinhança da Região Metropolitana de São Paulo. De algum tempo para cá, todavia, passaram a buscar municípios mais afastados, notadamente aqueles que contam com acesso por boas estradas. A bem da verdade, pode-se afirmar, todo o estado é servido por rodovias asfaltadas. 

Curiosamente, ao contrário do que possa parecer, a Grande São Paulo está ganhando, e não perdendo, com a elevação industrial do interior. A Região Metropolitana começa a dar maior leveza à sua economia, já que o enfoque, agora, é tecnologia e inovação (empresas high-tech), assim como serviços.

Fenômeno natural

Exemplos da revoada para fora da Grande São Paulo não faltam. Fábricas de autopeças e de produtos siderúrgicos, que operavam na região do ABC paulista, berço da indústria automotiva brasileira, estão há tempos tomando o caminho do interior. Recentemente, a fabricante de esquadrias de alumínio Prado trocou o bairro paulistano do Butantã por Iperó, na região de Sorocaba, onde encontrou espaço para erguer uma linha de produção capaz de dobrar sua capacidade operacional, que saltou de 40 toneladas para 90 toneladas mensais, além de reduzir os custos com o transporte dos funcionários.

“Esse fenômeno é perfeitamente natural e pode ser verificado na história econômica de praticamente todos os países industrializados”, diz o professor Wilson Cano, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A indústria sempre procura locais que lhe permitam operar com custos mais baixos. Se está numa metrópole e ali eles disparam, ela não vacila e se muda para outra parte”.

De acordo com Cano – que coordenou a equipe de pesquisadores que acaba de lançar o livro Economia Paulista – Dinâmica Socioeconômica entre 1980 e 2005, o último de uma trilogia sobre o processo de industrialização paulista –, esse fenômeno é mais visível na Grande São Paulo. Ela foi, durante décadas, a região mais industrializada do Brasil e onde havia mais empresas decididas a mudar de endereço, por assim dizer.

Os números revelam a dimensão dessa sangria. Em 1970, o estado de São Paulo concentrava 58% da produção industrial do país, com a Região Metropolitana respondendo por 43,5% dessa oferta. Hoje, a participação do estado caiu para 43%, assim distribuídos: 17% da Grande São Paulo e 26% do interior do estado. Há um dado interessante: o interior praticamente se equipara à Região Metropolitana no tocante à participação no Produto Interno Bruto (PIB) do país, com 15,3%, para 33,1% de todo o estado.

O aumento do peso do interior não se deve apenas ao setor industrial, mas também ao agronegócio, menos divulgado que o do centro-oeste, por exemplo, mas altamente desenvolvido em termos tecnológicos, respondendo por mais de 63% da produção nacional de açúcar, 60% da de álcool, 95% do suco de laranja exportado e 13% do gado abatido.

A joia da coroa da economia do interior paulista – e responsável pela grande reviravolta – é, sem sombra de dúvida, a indústria de transformação. E essa troca de endereços não se deve apenas à amplitude dos espaços fora da Grande São Paulo, mas também aos subsídios oferecidos pelas municipalidades – tais como isenção de impostos e fornecimento gratuito de infraestrutura – e à malha rodoviária, a mais adensada e de melhor qualidade do país.

A existência de um grande porto (o de Santos, o maior do Brasil), de uma hidrovia (Tietê-Paraná) e de aeroportos eficientes no transporte de cargas, como Viracopos, em Campinas, além de uma boa rede de universidades e parques tecnológicos, são outros fatores de atração. Importante é também o papel exercido pelas escolas profissionalizantes de cunho tecnológico, que fornecem hoje para o mercado paulista em torno de 300 mil novos profissionais por ano.

Evidentemente, o avanço não foi igual em todo o estado. Embora as indústrias estejam por toda parte – às vezes, até ao lado de fazendas –, a multiplicação de instalações fabris tornou algumas áreas “mais industrializadas do que outras”, por conta, especialmente, da segmentação. Assim, por exemplo, a região de Campinas, no noroeste de São Paulo – a mais progressista de todas e que, sozinha, responde por um quarto do PIB do interior –, é forte em metalurgia e no desenvolvimento de alta tecnologia, tanto que empresas desses dois segmentos continuam chegando ao município.

Ao lado de Campinas, a pequena Vinhedo, no passado uma cidade dedicada essencialmente à agricultura e ao turismo, tornou-se um bem-sucedido cluster no segmento de usinagem, notadamente após a instalação em seu solo de várias fábricas do setor, como a TaeguTec, a Iscar, a Cosa e a Bener – a Mazak será a próxima a se implantar ali. Muitas delas vieram de São Paulo, como a Bener, que há quatro anos transferiu seus depósitos e oficinas para Vinhedo, deixando para sempre o bairro paulistano de Santo Amaro.

“Nós buscávamos um local que estivesse num raio de 70 a 100 quilômetros dos principais polos industriais do estado e que ficasse perto da capital e do porto de Santos, já que trabalhamos basicamente com a importação de máquinas”, informa o diretor da empresa, Paulo Lerner. A vizinhança do Aeroporto de Viracopos foi outro fator que contribuiu para a escolha do município. “Quando precisamos de peças de reposição com urgência, a proximidade do aeroporto é uma mão na roda”, diz Lerner.

Não longe dali fica Jundiaí, que está se especializando no setor de alta tecnologia. Dentre várias outras empresas de expressão, o município que se notabilizou no passado como fabricante de vinho é sede da Foxconn, que produz o iPad da Apple. A fábrica gerou 5 mil postos de trabalho em Jundiaí, cujo PIB per capita mais que dobrou de 2002 a 2008. “Vivemos um círculo virtuoso”, diz o prefeito Miguel Haddad. Ele afirma que a vinda para o município de empresas de ponta atesta o acerto dos investimentos em infraestrutura, avaliza os bons índices de saneamento e comprova a qualidade das políticas de educação e saúde de Jundiaí. “E esses indicadores melhoram em função das empresas e da maior geração de renda para a cidade”, sustenta.

Montadoras de veículos

Já o vale do Paraíba, cortado pela Via Dutra, rumo ao Rio de Janeiro, tornou-se um importante polo da indústria aeronáutica (a Embraer, a quarta maior indústria mundial de aviões de uso comercial, fica em São José dos Campos) e da área automotiva, reunindo montadoras como a General Motors e a Volkswagen e várias produtoras de autopeças. A expansão nesse último setor continua. A cidade de Jacareí, na mesma região, receberá em breve uma linha de montagem de automóveis da chinesa Chery, e Lorena, uma unidade da encarroçadora de ônibus Comil, sediada em Erechim, no Rio Grande do Sul. O investimento da Comil será de R$ 110 milhões e a fábrica, que deverá ser inaugurada em meados de 2013, vai gerar 500 empregos diretos e mil indiretos. Ela terá capacidade de produção de 20 ônibus urbanos por dia, o dobro da atualmente registrada na unidade gaúcha. “A empresa está se preparando para o crescimento da demanda nacional por ônibus até 2016, motivado por grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas”, afirma Silvio Calegaro, diretor-geral da Comil.

Mais ao sul do estado, Sorocaba, com quase 1,6 mil indústrias, se destaca no segmento de manufatura em nível nacional. O município é hoje um dos principais polos metalúrgicos e de autopeças do Brasil, com a presença de pesos-pesados do setor, a exemplo das empresas Jaraguá, Hurth Infer, Arthur Klink, ZF, Dana, Case IH, Schaefller, Metso, Heller, Index, Seco Tools e Kyocera. Além disso, dá abrigo a linhas de montagem, tendo há poucos meses festejado o início de operação da terceira fábrica da Toyota no país, unidade fincada às margens da movimentada Rodovia Castelo Branco e que se dedicará à fabricação do compacto Etios, um modelo especialmente desenvolvido para mercados emergentes. “Com a montadora, a arrecadação de ICMS de Sorocaba deverá aumentar em R$ 100 milhões”, informa, satisfeito, o prefeito Vitor Lippi. Em todo o complexo – incluindo a linha de produção do Etios e os sistemistas (como são conhecidos os fornecedores de sistemas completos) – serão gerados 10 mil empregos diretos e indiretos. A montadora de origem japonesa também vai erguer uma fábrica de motores na vizinha cidade de Porto Feliz, que deverá entrar em funcionamento em 2015 para complementar a linha de montagem de Sorocaba.

A 106 quilômetros de Sorocaba, mais para o centro do estado, fica Piracicaba, município que também ganhou uma linha de montagem. Em setembro último, a sul-coreana Hyundai colocou em operação uma fábrica com capacidade de produção de 150 mil veículos, mediante investimentos de US$ 600 milhões. A montadora está iniciando a fabricação do compacto HB20, planejando colocar em linha de produção, a partir do ano que vem, dois novos modelos da marca, um sedã e um utilitário. Em Piracicaba já opera uma fábrica da Caterpillar dedicada à produção de escavadeiras hidráulicas, compactadores, carregadeiras de rodas, motoniveladoras, retroescavadeiras e tratores de esteiras.

Além desses, há outros importantes centros de produção industrial dispersos pelo interior paulista, como Birigui (calçados infantis), Botucatu (componentes de aviões e carrocerias de ônibus), Franca e Jaú (calçados), Limeira (joias e bijuterias), Marília (alimentos industrializados e produtos metalúrgicos), Ribeirão Preto (equipamentos médicos e odontológicos), São Carlos (tecnologia de ponta), São Roque (indústria vinícola), Sertãozinho (automação industrial) e Votuporanga (móveis).

A realidade é que o interior virou moda entre os industriais. Sérgio Costa, diretor de relações institucionais e internacionais do Investe São Paulo, agência do governo estadual que faz a “ponte” entre as prefeituras e as empresas interessadas em se estabelecer no estado, relata que a carteira da entidade tem, hoje, 33 projetos em andamento.

O atual surto de desenvolvimento que mudou radicalmente a fisionomia do interior, todavia, também tem o condão de lhe criar problemas. Em várias cidades industriais, as favelas, os cortiços e os loteamentos irregulares se multiplicaram, há carência de saneamento básico e a violência, a exemplo do que se vê na Região Metropolitana de São Paulo, assusta. Em certas áreas a violência urbana é quase tão intensa quanto a registrada na Grande São Paulo. Numa nação cheia de contrastes e onde ainda há muito a ser feito no campo social, da saúde e da infraestrutura, esse é o preço do progresso.


Novos focos de atração
Algumas das cidades que estão fazendo bonito na economia

*Dados do IBGE/2010 / **Em quilômetros, até a capital

 

Habitantes*

Distância**

Araçatuba

181.579

525

Bauru

343.937

335

Birigui

108.728

515

Botucatu

127.328

245

Campinas

1.080.113

100

Franca

318.640

400

Iperó

28.300

135

Itapetininga

144.377

180

Jacareí

211.214

90

Jaú

131.040

300

Jundiaí

370.126

60

Limeira

276.022

150

Lorena

82.537

205

Marília

216.745

440

Piracicaba

364.571

160

Porto Feliz

48.893

125

Presidente Prudente

207.610

560

Ribeirão Preto

604.682

320

São Carlos

221.950

240

São José do Rio Preto

408.258

440

São José dos Campos

629.921

95

São Roque

78.821

70

Sertãozinho

110.074

340

Sorocaba

586.625

105

Vinhedo

63.611

80

Votuporanga

84.692

525

 

 


O peso da classe C

A grande concentração de famílias da crescente classe C é outra das razões que permitiram ao interior de São Paulo tornar-se o principal mercado consumidor do país. Entre 2007 e 2011, a participação dos lares da nova classe média saltou, fora da Grande São Paulo, de 39% para 47%. No mesmo período, a fatia desses consumidores na região metropolitana passou de 37% para 42%.

As consequências para o mercado de consumo foram diretas. Pesquisa da Kantar Worldpanel, empresa de atuação mundial em conhecimentos e insights sobre o consumidor, mostra que, hoje, o morador do interior desembolsa, em média, R$ 18,77 cada vez que sai para comprar alimentos, bebidas e artigos de higiene e limpeza. A cifra é 25% superior ao gasto do morador da Região Metropolitana (R$ 15,02).

A população do interior paulista se destaca também pela quantidade de itens que leva para casa: 4,7 produtos a cada ida ao supermercado, para 4,2 itens do consumidor da Grande São Paulo. O preço médio por item nas cidades do interior, contudo, é um pouco menor: R$ 2,80, contra R$ 2,92.

O potencial de consumo no interior já despertou o apetite do setor de shopping centers. Este ano, pela primeira vez, as cidades do interior paulista terão um número maior desses centros de compras que a Grande São Paulo. Até 2011, informa-se, 51% deles se achavam na Região Metropolitana, mas essa proporção vai se inverter. Até o fim de 2012, serão inaugurados nove shoppings no interior e apenas três na Grande São Paulo. Em 2013, serão 11 novos empreendimentos do gênero no interior e somente quatro na Região Metropolitana.

O mercado imobiliário residencial também está aquecido além dos limites da Grande São Paulo. Pode-se mesmo afirmar que essa realidade está presente em basicamente todas as cidades de porte médio para cima. Por exemplo, Itapetininga, na região de Sorocaba, aprovou a construção de 14 novos edifícios de apartamentos, e São José do Rio Preto promoveu o lançamento de 5,6 mil unidades verticais apenas entre janeiro de 2007 e maio de 2011.