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O alvo está além de nossas fronteiras

por Miguel Nítolo

Não há dados precisos sobre quando tudo começou, a não ser o fato de que os negócios passaram a deslanchar com vigor a partir da década passada. A internacionalização da empresa brasileira, mediante investimentos na abertura de filiais e aquisição de concorrentes em partes distintas do planeta, o chamado investimento direto, revela números surpreendentes, uma investida que poderá envolver, em 2012, conforme estimativas do início do ano, recursos da ordem de US$ 5 bilhões (de acordo com alguns depoimentos, esse número já foi superado). É um montante inferior ao registrado em anos anteriores, mas a crise da economia nos Estados Unidos e na Europa, de certa forma, pode explicar o ligeiro recuo. Não é demais lembrar que, em 2006, as aplicações alcançaram quase US$ 30 bilhões, e mais da metade dessa fabulosa soma foi desembolsada pela Vale na aquisição da canadense Inco, negócio que guindou a mineradora brasileira à segunda posição no ranking mundial do setor.

Calcula-se que em torno de 900 empresas de capital local se estabeleceram fisicamente no exterior, estando mais presentes na América Latina e nos Estados Unidos. De acordo com o Núcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral (FDC), essas companhias têm mantido um índice de expansão mundial anual de 1%. Outra descoberta: 60,9% delas pretendem ampliar sua presença nos lugares onde já atuam e 27,7% planejam entrar em novos mercados.

Todos os anos, a FDC monta o “Ranking das Transnacionais Brasileiras” – estudo que classifica o nível de internacionalização das multinacionais verde-amarelas a partir de variáveis como receita, ativos, número de funcionários fora do país, entre outras, e que aponta as dez companhias mais atuantes nesse aspecto. A última listagem, com data de 2012, trouxe em primeiro lugar a JBS-Friboi, maior empresa em processamento de proteína animal do mundo, com filiais na Argentina, Austrália, China, Estados Unidos, Itália, México, Paraguai, Rússia e Uruguai, entre outros países. A segunda posição é ocupada pela gaúcha Gerdau, líder do setor de aços longos nas Américas e uma das mais importantes fornecedoras internacionais de aços especiais, com operações industriais em 14 países, e a terceira pela Stefanini IT Solutions, provedora mundial de serviços em tecnologia, com escritórios no Brasil e em 26 outros mercados.

As outras empresas ranqueadas, pela ordem de pontuação, são a Metalfrio (refrigeração comercial plug-in), Marfrig (alimentos à base de carnes bovina, suína, de aves e de peixes), Ibope (maior empresa privada de pesquisa da América Latina e a 14ª do mundo), Odebrecht (engenharia e construção, energia, engenharia industrial e infraestrutura), Sabó (sistemas de vedação e condução para automóveis, caminhões, tratores e motocicletas), Magnesita (mineração, produção e comercialização de materiais refratários) e Tigre (tubos, conexões e acessórios).

A revoada de empresas dos ramos comercial, de manufatura e de serviços a caminho do exterior se deve, essencialmente, à necessidade de dar maior valor às suas marcas, assimilar novas tecnologias e oferecer atendimento superior à clientela internacional. Foi o que levou, por exemplo, as Indústrias Romi, do ramo de máquinas e equipamentos, a comprar, em fevereiro passado, a Burkhardt + Weber Fertigungssysteme GmbH, fabricante alemã de máquinas operatrizes. “Queríamos ter acesso a um know-how mais avançado, e não apenas a um mercado”, disse na oportunidade a direção daquela companhia paulista. Em julho de 2008, a Romi já havia adquirido os ativos da Sandretto Industrie, tradicional fabricante italiana de injetoras de plástico, com unidades fabris em Grugliasco e Pont Canavese, na região de Turim.

Nesta entrevista, o consultor de comércio exterior Michel Alaby, presidente da Alaby e Consultores Associados, fala das multinacionais brasileiras e tece considerações sobre as particularidades que envolvem essa modalidade de investimento.

Problemas Brasileiros – Como o senhor vê o processo de internacionalização da empresa brasileira?
Michel Alaby – As empresas de capital nacional estão se estabelecendo lá fora visando reduzir tanto os custos de produção quanto os encargos financeiros e, na mesma proporção, aumentar a escala lançando mão, em algumas circunstâncias, da experiência de parceiros estrangeiros. Esses passos podem ser observados, cada vez com maior firmeza, nas chamadas empresas multilatinas. Isso porque o grosso dos investimentos das empresas nacionais no exterior se concentra na América do Sul, especialmente em países vizinhos. Muitas companhias, porém, estão colocando também os pés em outras partes em função das vantagens comparativas de médio e de longo prazo.

PB – A valorização do real tem permitido aos empresários e aos investidores fazer caixa e sair às compras no exterior. Esse é o caminho?
Alaby – No período compreendido entre 2009 e 2011, isso de fato aconteceu. Com a crise no hemisfério norte e o real valorizado, grandes corporações brasileiras souberam aproveitar o momento e fizeram aquisições fora do país. A ideia, num primeiro momento, foi instalar fábricas em determinados pontos do planeta e, a partir deles, alcançar com seus produtos novos mercados. Muitas se estabeleceram na China associadas a parceiros locais, visando atender o sudeste asiático e – por que não? – também o Brasil. Há companhias que têm utilizado diversas plataformas de produção e comercialização na China, na Índia e na África, pois elas entendem que exportar o produto a partir de suas matrizes pode se tornar inviável em função do custo Brasil.

PB – A crise da economia nos Estados Unidos e na Europa tornou atraente a aquisição de ativos naquelas duas regiões. A situação no país de Obama parou de piorar e o preço das empresas de lá continua convidativo. Qual é sua impressão sobre isso?
Alaby – Acredito que as empresas nos Estados Unidos e na Europa que estavam em dificuldades já foram adquiridas, não apenas por brasileiros, obviamente, mas também por asiáticos, árabes e russos. E não podemos esquecer que o preço do dólar, hoje, se encontra num patamar bem mais elevado que há dois anos.
Os ativos podem até estar baratos em relação a outros tempos, mas são cotados em euros, moeda muito valorizada. As empresas brasileiras, principalmente do setor agropecuário, têm investido mais nos Estados Unidos, em função de seu gigantesco mercado interno e do fato de que lá os custos de produção são mais convidativos. Já as empresas europeias têm sido absorvidas, em boa parte, pelo capital chinês, árabe e russo.

PB – Que mercados devem merecer maior atenção de nossas multinacionais?
Alaby – O governo brasileiro, principalmente a partir de 2003, buscou maior interação no eixo “sul-sul”. Assim, destaco como atraentes para o empresariado nacional a América do Sul, a África do Sul, a China, a Índia e o México.

PB – É sempre vantajoso estabelecer-se fisicamente no exterior?
Alaby – De certa forma, sim, mas antes de escolher um mercado o empresário precisa levantar quais são as vantagens comparativas de curto, de médio e de longo prazo. As de curto prazo são aquelas vinculadas aos incentivos fiscais e financeiros, que podem ser canceladas a qualquer tempo. Já as de médio e longo prazo relacionam-se à dimensão do mercado interno e à possibilidade de exportar parte da produção. É preciso levar em conta, ainda, a existência local de recursos naturais e considerar o preço da energia elétrica. Isso sem falar no acesso a novas tecnologias, na qualificação da mão de obra e, principalmente, na segurança jurídica no país.
Muitas empresas brasileiras estão trilhando caminhos certeiros rumo à internacionalização, realizando grandes aquisições e fortalecendo suas posições. Entretanto, outras tiveram problemas e não souberam contornar questões culturais e estruturais. É necessário sempre estar atento às particularidades de cada mercado, procurando customizar a estratégia de expansão de acordo com o cenário. São muitas as razões que motivam a empresa a lançar âncoras no exterior, e elas podem decorrer, em alguns casos, do acirramento da competição no plano interno, da saturação de mercados e do crescimento das exportações.

PB – É preciso, então, ser cauteloso quando a atração é exercida pela concessão de incentivos fiscais?
Alaby – Sim. Muitas empresas brasileiras simplesmente buscam investir no exterior em função dos incentivos fiscais, sem se preocupar com a segurança jurídica ou a liberdade de atuação. Veja-se o caso da Argentina – que não é um exemplo único na América Latina –, cuja atuação governamental tem por hábito inibir a iniciativa privada em relação às políticas de investimento e produção, dificultando a importação de matérias-primas e criando artifícios muitas vezes contraproducentes e ilegais às empresas nacionais e estrangeiras, notadamente no âmbito do Mercosul.
Os empresários devem evitar países com governos populares e centralizadores, onde o risco está sempre presente, podendo se pronunciar, por exemplo, através da nacionalização e de outros procedimentos empregados com o intuito de tomar empresas estrangeiras. Países com governos enfraquecidos e com claras divisões internas e instabilidade política, ou engajados em conflitos armados, devem ser evitados. O governo brasileiro deve negociar com os países sul-americanos, primeiramente, e, posteriormente, com nações de outros lugares, tratados de promoção e proteção recíproca de investimentos, visando garantir o capital brasileiro no exterior contra qualquer tipo de ingerência governamental.

PB – Há empresas que, tecnologicamente avançadas e bem posicionadas no mercado interno, se mantêm indiferentes à internacionalização. O que elas estão perdendo agindo assim?
Alaby – Devemos levar em conta que, normalmente, o tamanho do mercado doméstico brasileiro norteia os planos das empresas aqui instaladas. Um mercado interno aquecido pode ser suficiente para a companhia obter ganhos satisfatórios. Por outro lado, e elas sabem disso, num momento de queda do poder de compra do consumidor ou de qualquer outra dificuldade, o lucro tende a caminhar para baixo. É justamente aí que vemos a importância da internacionalização. E tem mais: a diversificação das fontes de receitas e financiamentos é crucial em ambientes de crise.
Na realidade, as empresas devem pensar em diversificar riscos e lucros. Quando o mercado brasileiro entra em crise, normalmente elas miram o exterior, mas sem uma cultura apropriada, capaz de adaptá-las e adequá-las aos mercados onde querem atuar. Há exemplos e exemplos de empresas bem-sucedidas no mercado interno que, quando se deparam com a concorrência de produtos estrangeiros, não se preocupam em aumentar a produtividade, mas, simplesmente, batem às portas do governo em busca de proteção, prejudicando os consumidores. É o que chamamos de “vantagem vazia” para a economia nacional e para a própria empresa, em função da acomodação momentânea.

PB – Alguns empresários se justificam dizendo que o Brasil já é um mercado imenso. “Para que se instalar no exterior?”, dizem. Eles não estariam se esquecendo de que, ao criar filiais fora do Brasil, a empresa pode reduzir sua dependência do mercado brasileiro e aprender a competir com outras companhias do setor? Em outras palavras, se o Brasil é grande, o mundo não é bem maior?
Alaby – O Brasil possui, com efeito, um mercado muito bom em termos quantitativos. Porém, é relevante que as empresas tenham os pés em outros países para não ser surpreendidas por eventuais crises de naturezas diversas, como a hipotética edição de uma lei capaz de afetar diretamente seus negócios. A adequação à nova situação pode acabar consumindo meses, realidade que, certamente, desembocará na estagnação das vendas.
É fato que a demanda nacional de produtos e serviços cresceu, em função do aumento da renda da população. As importações, por outro lado, estão abertas, apesar de o Brasil utilizar políticas de incentivos fiscais de curto prazo para empresas e setores. É importante assim olhar o exterior como forma de ganhar produtividade, absorver tecnologia, aprender com novas culturas de consumo e com iniciativas empresariais mais criativas.

PB – Dizem que a expansão da influência do Brasil na América do Sul pode estar criando um sentimento antibrasileiro na região. O que o senhor pensa sobre isso?
Alaby – Com a geração de empregos, sempre respeitando a cultura local, acredito que essa rejeição tende a perder força. Quando um país é hegemônico em determinada região, além de ser territorialmente muito maior que os demais, é natural o surgimento de algo assim. Esse sentimento antibrasileiro não é predominante e tende a se esvaecer. Da mesma forma, no passado não tão recente, muitos brasileiros tinham um sentimento negativo em relação aos Estados Unidos.
Será importante ter uma influência econômica nos países sul-americanos, mas com certa dose de apoio para que empresas locais possam exportar para o Brasil. As reclamações acontecem quando o Brasil protege em demasia suas indústrias e coloca barreiras às importações. Convém ressaltar que a integração entre os países sul-americanos não é só comercial, sendo também pautada pelo aspecto físico, energético e pela circulação de pessoas. 

PB – Na opinião de alguns analistas, o Brasil estaria estendendo sua economia para os países vizinhos de maneira não organizada. O senhor concorda?
Alaby – Realmente, a cooperação com nossos vizinhos se dá de forma desorganizada e desequilibrada, principalmente no caso de Uruguai e Paraguai. Recentemente, tivemos a entrada da Venezuela no Mercosul, um episódio bastante controverso. Infelizmente, os governos sul-americanos não têm políticas semelhantes de integração, gerando discrepâncias e uma visível falta de coordenação estratégica. A falta de coordenação macroeconômica e de políticas de longo prazo para a integração efetiva das nações pode levar, por vezes, à tomada de posição contra o Brasil, discurso político que tem um claro objetivo eleitoreiro em alguns desses países.

PB – Uma empresa bem-sucedida no Brasil será também vitoriosa lá fora?
Alaby – Não necessariamente. As regras do jogo no Brasil são diferentes das de outros países. Muitos fatores podem colaborar para o fracasso de uma empresa no exterior, coisas que talvez não aconteçam aqui. Tudo depende do planejamento estratégico, das vantagens competitivas e das possibilidades de adequação do ponto de vista cultural e social, assim como da capacidade de investir no futuro e não somente no presente, visando atender situações casuísticas e momentâneas.

PB – Empresas de que setores empresariais têm maiores chances de se dar bem no exterior?
Alaby – O Brasil tem um setor agroindustrial e pecuário muito competitivo e que já exporta em grande quantidade. Alguns grupos empresariais do segmento agrícola têm investido na África, aproveitando as vantagens competitivas locais. Há outros setores que também apresentam boas condições para investimentos no exterior, como o ramo de maquinário de média tecnologia, equipamentos médico-hospitalares, fármacos (genéricos), cosméticos e autopeças.
Hoje há uma profunda transformação de cenário. A competição é mundial, a disputa pelo mesmo mercado é ferrenha e o consumidor impõe as condições de compra. Há também um novo ambiente de negócios, com a crescente preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade empresarial. Portanto, para um país se tornar competitivo, precisa investir nas exportações, mas também na administração adequada dos recursos humanos, no desenvolvimento de talentos e na habilidade gerencial para a transferência de processos e de conhecimentos.
Há um novo paradigma empresarial, cujos parâmetros têm a ver com confiabilidade das marcas e qualidade, design e criatividade. A gestão operacional, de sustentabilidade, de tecnologia e de recursos humanos é essencial, assim como a logística de comunicação e de entrega (interna e externa) e, o mais importante, a distribuição e a garantia dada ao produto.