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Eu sou o outro

Poeta e escritor português modernista, Fernando Antônio Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, nasceu numa casa do Largo de São Carlos, em Lisboa, no dia 13 de junho de 1888. Trabalhou como crítico literário, tradutor, jornalista e publicitário.

Publicou sua obra com o seu ortônimo (o próprio nome), mas usou e abusou de seus heterônimos, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, e do semi-heterônimo Bernardo Soares. Existem outras personalidades criadas pelo poeta, que foram encontradas após sua morte: “Só depois da compra da obra pela Biblioteca Nacional de Lisboa e do espólio de seus bens é que foram encontradas obras desconhecidas, que foram atribuídas a seu ortônimo, a seus heterônimos mais conhecidos e a alguns outros quase ou totalmente desconhecidos”, afirma a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ocupante da cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Letras (ABL), Cleonice Berardinelli.

Segundo o professor titular do departamento de teoria literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Paulo Franchetti, “o que melhor define o Fernando Pessoa como figura talvez seja quando ele escreve com seu próprio nome. Mas todos os outros heterônimos o completam”.

Passagens da vida real

Pessoa é considerado, junto a Luís de Camões, um dos mais importantes poetas da língua portuguesa. Aprendeu inglês em 1896, na cidade de Durban, na África do Sul, onde morou desde os sete anos devido ao segundo casamento de sua mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, com o cônsul português, João Miguel dos Santos Rosa.
Passa 1901 e 1902 viajando de férias por Lisboa, Tavira, visitando a família de seu pai, e para a Ilha Terceira, conhecendo a família materna.

Nesse período redigiu para jornais, assinados com diferentes nomes. Após uma tentativa de montar a tipografia e editora Empresa Íbis, começou a traduzir correspondências estrangeiras de várias casas comerciais, e o tempo livre dedicava à escrita e ao estudo de filosofia (grega e alemã), ciências humanas e literatura moderna, o que foi determinante para a sua formação cultural anglo-saxônica.

Em 1920, conhece Ophélia Queiroz, com quem teve um breve romance. No mesmo ano Maria Madalena regressa a Portugal e o poeta foi viver novamente com a família. Cinco anos depois a mãe de Pessoa morre, e, a partir daí, Pessoa começa a ter uma vida restrita com amigos intelectuais nos cafés da capital, onde se envolve em discussões literárias e políticas da época. Exatamente uma década depois da mãe, morre Fernando Pessoa, no dia 30 de novembro de 1935, no Hospital de São Luís, onde foi internado com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo consumo excessivo de álcool.

O primeiro responsável pela compilação dos trabalhos de Fernando Pessoa foi o poeta, ensaísta e editor português Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, que assinava seus textos como Luís de Montalvor. Ele deu início à edição das obras completas de Fernando Pessoa em 1943, abrangendo tanto a poesia dos heterônimos quanto a do ortônimo.

Foram ainda editados textos de crítica literária, filosóficos, políticos e páginas íntimas. Entre estes estão, de seu ortônimo, Volumes Poéticos de Poesias, Poemas Dramáticos, Poesias Inéditas e Quadras ao Gosto Popular, e também Poemas, de Alberto Caeiro, Poesias, de Álvaro de Campos, e Odes, de Ricardo Reis.


Cinco pessoas em um só poeta

A obra sob o ponto de vista de um médico, um camponês, um engenheiro e um ajudante de guarda-livros

Ao contrário dos pseudônimos, que são vários nomes para uma mesma personalidade, os heterônimos constituem várias pessoas que habitam um único poeta. Cada qual com biografia, temática poética e estilo próprios. Como é o caso do poeta português Fernando Pessoa, que, além de assinar textos com o próprio nome, criou os heterônimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro.

Outra de suas criações foi o semi-heterônimo Bernardo Soares. “Por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribui poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e ideias, os escreveria”, explica o próprio poeta sobre os seus diversos heterônimos em 1935, o ano de sua morte, em carta a Adolfo Casais Monteiro, mais conhecida como “Carta sobre a gênese dos heterônimos”.

Alberto Caeiro

Alberto Caeiro da Silva foi um camponês nascido em Lisboa, no mês de abril de 1889. Quase não tinha estudos formais, apenas o primário. Depois da morte dos pais permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de pequenos rendimentos e morreu tuberculoso em 1915. Foi autor dos livros O Guardador de Rebanhos e O Pastor Amoroso.

“Caeiro, na sua poesia quase prosa, repetitiva, caracterizada pela presença dominante da natureza, com a qual se integra em contato com a terra”, explica a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Cleonice Berardinelli. Pessoa o caracteriza como um “poeta-filósofo”, mas o próprio heterônimo rejeitava esse título e pregava uma “não filosofia”, uma crença de que os seres simplesmente são como são e nada mais. Irritava-se ao falar de metafísica e qualquer tipo de simbologia para a vida.

“Há metafísica o bastante em não pensar em nada”, dizia Caeiro. Possuía uma linguagem direta e simples, ao mesmo tempo era bastante complexa e reflexiva. Dos principais heterônimos de Fernando Pessoa esse foi o único a não escrever em prosa, alegando: “somente a poesia seria capaz de dar conta da realidade”.

“Eu nunca guardei rebanhos,  Mas é como se os guardasse.  Minha alma é como um pastor,  Conhece o vento e o sol  E anda pela mão das Estações   A seguir e a olhar”

O Guardador de Rebanhos (1911)


Álvaro de Campos

Entre todos os heterônimos, Álvaro de Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo da obra. Fernando Pessoa o construiu como um engenheiro português, nascido na cidade de Tavira, no dia 15 de outubro de 1890, com educação inglesa, mas definido pelo próprio poeta como “um estrangeiro em qualquer parte do mundo”.

Começa a escrever como um decadentista com influências do simbolismo, ambos movimentos estéticos de origem francesa surgidos no fim do século 19, que fazem contraposição à objetividade do realismo e do naturalismo. Mas logo Campos aderiu ao futurismo, movimento artístico que surgiu oficialmente em 20 de fevereiro de 1909, com a publicação do Manifesto Futurista, pelo poeta italiano Filippo Marinetti, no jornal francês Le Figaro, no qual pregava a rejeição ao moralismo e ao passado. As obras vinculadas a essa estética baseavam-se intensamente na velocidade e nos desenvolvimentos tecnológicos do fim da Revolução Industrial.

Após uma série de desilusões com a existência, o heterônimo de Pessoa escreve o poema Tabacaria, considerado um dos poemas mais conhecidos e influentes da língua portuguesa. Campos tem uma personalidade revoltada e é muito crítico à modernidade de seu tempo. “Tabacaria é um belo poema com versos introdutórios de grande força, até porque apresentam uma série de três versos que negam progressivamente até à totalidade das possibilidades de realização material, para num último verso contrapor-se ao já dito”, explica Cleonice Berardinelli. “E é dessa oposição que faz fluir o poema.”

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(...)

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)”


Tabacaria (1928)


Bernardo Soares

Autor de Livro do Desassossego, composto de centenas de fragmentos, dos quais o poeta publicou apenas doze, Bernardo Soares é um caso à parte dentre os heterônimos de Fernando Pessoa. Ajudante de guardalivros na cidade de Lisboa, sua prosa fragmentada traz as reflexões humanas que aparecem na escrita imperfeita, à beira do tédio, do trágico e da indiferença estética

Ao considerar Bernardo Soares um semi-heterônimo, Fernando Pessoa o aproxima de seu próprio temperamento. “O meu semi-heterônimo Bernardo Soares, que, aliás, em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio.

É um semi-heterônimo porque, não sendo a personalidade a minha, é não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de tênue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual”, expressa Fernando Pessoa em Carta a Adolfo Casais Monteiro (1935).


“A vida prática sempre me pareceu o menos cômodo dos suicídios. Agir foi sempre para mim à condenação violenta do sonho injustamente condenado. Ter influência no mundo exterior, alterar coisas, transpor entes, influir em gente – tudo isso pareceu-me sempre de  uma substância mais nebulosa que a dos meus devaneios. A futilidade imanente de todas as formas da ação foi, desde a minha infância, uma das medidas mais queridas do meu desapego até de mim.”

Livro do Desassossego (1910-1920)


Ricardo Reis

Médico monarca que simbolizou a herança clássica na literatura ocidental, expressada simétrica e harmonicamente em um ambiente bucólico, utilizando a mitologia não cristã. De costumes rurais e exaltando as belezas da vida campestre, Reis traz a procura dos prazeres amorosos e mostra um conformismo diante do sofrimento e do infortúnio alheio.

Segundo Pessoa, Ricardo Reis veio morar no Brasil em protesto à proclamação da República de Portugal. O escritor José Saramago continuou a vida desse heterônimo no livro O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984). Saramago mostra o diálogo entre o fantasma de Pessoa e um Reis sobrevivente ao criador, dentro do universo do heterônimo.

“Essa fantasia do Saramago é muito interessante, pois Ricardo Reis foi o único heterônimo que o poeta não matou. O próprio autor tem uma tese sobre a história; ele quis mostrar que, perante o fascismo, mesmo um homem de cultura clássica, que tem desprezo pela política, passa a ser envolvido por ser um homem diferente”, explica o professor titular do departamento de teoria literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Paulo Franchetti.

“Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o”

Odes (1952)


Viva a cultura portuguesa

Autor é homenageado no mês de seu aniversário

A companhia italiana Fondazione Pontedera Teatro prestou homenageou ao poeta português Fernando Pessoa com dois espetáculos na programação do Sesc, durante o mês de junho. No Sesc Vila Mariana, com direção de Roberto Bacci e Anna Stigsgaard, a cia. apresentou a montagem Abito, inspirada na obra Livro do Desassossego, do semi-heterônimo de Fernando Pessoa, Bernardo Soares.

A trama traz a história de um homem comum que em uma manhã em vez de ‘vestir’ a sua vida normal, sai de casa pela janela e se perde nas ruas da vida cotidiana.

Também com direção de Anna Stigsgaard, a cia. mostrou Lisboa, uma performance poética em que onze atores movimentam-se em bicicletas através dos cenários da cidade.  O espetáculo contou com sessões no Sesc Belenzinho, no dia 24, no Sesc Carmo, dia 25, e no Sesc Santos no dia 26/6.

O Sesc Carmo organizou ainda a programação Pessoa Especial, em homenagem ao poeta português, com exposição, peça de teatro e shows. A exposição Pessoa de Lisboa, do fotojornalista João Correia Filho, segue até dia 20 de julho e reúne imagens de Lisboa e trechos da obra do escritor e seus heterônimos, propondo uma viagem segundo a ótica do autor.

As apresentações musicais contaram com Notas de Portugal, um conjunto de cordas com violões lusitanos e a viola de fado. No dia do aniversário de Pessoa, 13 de junho, a unidade recebeu o bate-papo “Lisboa Literária”. No encontro, o jornalista João Correia Filho contou suas aventuras e experiências na cidade de Lisboa, durante a confecção de seu livro Lisboa em Pessoa – Guia Turístico Literário da Capital Portuguesa.

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