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Poesia do Cinema

Federico Fellini é um dos mais importantes cineastas da história da sétima arte. Nascido no dia 20 de janeiro de 1920, na cidade de Rimini, na Itália, ficou eternizado pela poesia de seus filmes, que tinham fortes críticas à sociedade, ao totalitarismo da igreja católica, ao capitalismo e à influência norte-americana nos costumes italianos, e ao mesmo tempo uma leveza característica de suas personagens.

Fez trabalhos com uma estrutura que fugia dos padrões, como em Oito e Meio (1963), no qual retratou o cineasta em crise criativa Guido Anselmi, interpretado por Marcello Mastroianni – sua representação em cena. A confusão entre um e outro é proposital e tende a afetar as outras aparições deste que vem a se tornar o principal ator a colaborar com o cineasta ao longo da extensa carreira.

“Fellini foi um dos primeiros cineastas a consagrar o que hoje chamamos de pesquisa autobiográfica como matéria-prima para a ?realização de filmes. Era um ‘grande mentiroso’, como ele mesmo dizia, e, portanto, fazia com que essa nostalgia parecesse autobiográfica, quando, na verdade, ele narrava ‘recordações inventadas’”, explica o crítico de cinema Sérgio Rizzo.

Fellini é influência certa na carreira de muitos diretores, como Woody Allen, David Lynch, Stanley Kubrick, Martin Scorsese, entre tantos outros que já disseram ter seguido os passos do italiano em seus trabalhos. “Allen fez o que chamamos de ‘homenagem’ em Memórias (1980), que dialoga com Oito e Meio. Esse filme de Fellini está na base da árvore genealógica de qualquer filme que fale do processo criativo do próprio cinema, como alguns de David Lynch e A Noite Americana (1973), de François Truffaut”, conta Rizzo.

O diretor italiano construiu a filmografia na esteira do neorrealismo, movimento cultural surgido na Itália no final da Segunda Guerra Mundial, representado no cinema por nomes como Roberto Rosselini, Vittorio De Sicca e Luchino Visconti. “O neorrealismo mostrou que era possível fazer um cinema mais inteligente, que não precisava rebaixar o conteúdo para o público dialogar com a visão do diretor. Isso marcou muito o cinema mundial, inclusive o nacional. Fellini é uma continuação dessa fase”, esclarece o cineasta brasileiro João Batista de Andrade, que entre outros filmes dirigiu O Homem que Virou Suco (1980).

Em 1942, Fellini conhece a atriz Giulietta Masina, com quem se casa no ano seguinte. Esse foi o começo de uma longa parceria criativa, na vida e na arte, marcadas por algumas tragédias como a perda prematura de um filho. É possível ver a concepção de transtornos familiares que circundaram a vida do cineasta em A Estrada da Vida (1954).

Cartunista talentoso, na época em que houve a queda do fascismo, em julho de 1943, e a libertação de Roma pelas tropas aliadas, em julho de 1944, Fellini desenhava e vendia caricaturas para os soldados. “Durante toda a carreira ele continuou a desenhar. O livro Fellini Visionário (Cia. das Letras, 1994) traz uma pequena amostra de como esse trabalho orientava a composição de personagens e a direção de arte dos filmes”, diz Rizzo.

Fellini tinha uma relação muito próxima com sua equipe do complexo de estúdios cinematográficos ?Cinecittá, em Roma, onde filmou a maior parte de suas produções. Mesmo com muito improviso nas filmagens, Fellini era rodeado por uma equipe de grandes roteiristas, que o acompanharam por muito tempo. Em 1956, o então poeta, que também se tornaria cineasta, Pier Paolo Pasolini trabalhou no roteiro de Noites de Cabíria. Recebeu o Oscar de Honra por suas obras em 1993, ano em que morre de ataque cardíaco, em Roma, aos 73 anos. Um dia depois de completar cinquenta anos de casado.


Retrato de um gênio

Com cartazes, fotografias e trechos de filmes, mostra Tutto Fellini reúne extenso material sobre o cineasta italiano

O Sesc Pinheiros, em parceria com o Instituto Moreira Salles, realiza a exposição Tutto Fellini, entre os dias 5 de julho e 16 de setembro, com fotografias de bastidores, desenhos feitos pelo próprio diretor, revistas de época, cartazes, entrevistas e trechos de filmes. Com curadoria de Sam Stourdzé, diretor do Musée de l’Elysée, em Lausanne, na Suíça, a retrospectiva chega ao Brasil após passar pela França, Espanha, Rússia e Canadá. Junto será lançado o catálogo da mostra, com 184 páginas, parceria das Edições Sesc com o IMS.

Construída como uma espécie de laboratório visual, a mostra favorece o diálogo entre imagens estáticas e em movimento. A montagem não segue um padrão cronológico, nem filmográfico, e sim temático. Está dividida em quatro núcleos. Cultura Popular apresenta os primeiros trabalhos como caricaturista.

Fellini em Ação explora o trabalho do cineasta por trás das câmeras. A sessão A Cidade das Mulheres apresentará os vários tipos de mulher felinianas, como prostitutas, mães, femmes fatales e ninfomaníacas, sempre muito sensuais e voluptuosas. Por último, A Invenção Biográfica, onde o público poderá experimentar as visões de alguma personagens, como as de Snaporaz, interpretado por Marcello Mastroianni, no filme A Cidade das Mulheres (1980).

“A mostra evidencia que o que interessa a Fellini não é a realidade em si, e sim a percepção da realidade. Parece que, com seus filmes, ele quer nos dizer que o cinema é um instrumento intermediário entre a realidade e a percepção que temos dela”, afirma Stourdzé.