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Dia do Edoso [4754]

Segundo a millennar sabedoria
judaica, envelhecer não é problema.
“Não seja catastrophico! Não tema!”
Assim diz o rabbino, e sentencia:

“É tempo de colher o que se havia
plantado...”, explica o sabio. O estratagema
funcciona quasi sempre, mas o thema
afflige aquella typica judia.

Nervosa, apprehensiva, ella compara
seu caso ao do habitante do deserto,
logar onde ninguem jamais plantara...

Responde-lhe o rabbino: “Mas, bem perto
dalli, na terra fertil, minha cara
senhora, quem plantou colher quiz, certo?”



SIGNAL DE VIDA [4783]

Alguem sempre lhe toca a campainha
e foge. Está rheumatica, coitada,
a velha moradora! Agora, cada
vez que ella escuta, esboça a risadinha.

Coitada! Antigamente, às pressas, vinha
à porta, ver quem era... Via nada!
Ninguem! Disse a vizinha, acostumada:
“Desliga! Eu desliguei, tambem, a minha!”

Prefere a velha ouvir o barulhinho
de sinos repicando. Não attende,
mas pensa num irmão ou num sobrinho...

Não vinham visital-a, mesmo... Accende,
à noite, a luz de fora e, dum canthinho
escuro, espia, a ver quem surprehende...



TESOURA QUE DESDOURA [4874]

A vovó que, na costura,
insistindo vive, está
quasi cega e se tortura,
pois mancadas sempre dá.

Corta o dedo, espeta, fura...
Machucou-se toda, ja!
É teimosa, porem: jura
que mais roupas nos fará!

Ai da gente! Meu pyjama
não me serve: elle diffama
qualquer outra costureira!

Uma perna é bem mais curta
e a cor delle, que se furta,
nem a um cego é prazenteira!




LENTES INCORRECTIVAS [4942]

Os oculos cahiam toda hora!
Na sopa, no seu collo, até na pia!
Em casa, todo mundo della ria:
“Amarra! Ja fallei para a senhora!”

Ganhava correntinhas. Mas escora
alguma aquelles oculos? A thia
usava uns muito grandes! Não seria
o caso de trocar? Sim, sem demora!

Teimosa, a velha tudo recusava!
“Não quero! Estes aqui teem boa lente!
Um pouco pesadinhos, mas...”, fallava.

Até que demorou. Num dia quente,
a velha se abanou e... Agora, aggrava
a lente de contacto o que ella sente...



AVARIA QUE VARIA [5299]

Quebrado o elevador, vão pela escada
acyma os moradores desse antigo
e enorme condominio. “Vem commigo?”,
pergunta o velho à velha, que se agrada.

De braço dado, sobem. Vão, a cada
andar, parando um pouco, um pappo amigo
battendo. “Calma! Espera! Não consigo
subir ja tão depressa! Estou cansada!”

O velho comprehende que a vizinha,
embora tenha quasi a mesma edade,
das pernas é mais fraca, coitadinha!

Chegados ao apê della, a cidade
contemplam da janella. “Cê não vinha
faz tempo! Quer café? Leite? Metade?”
 


Glauco Mattoso é poeta, ficcionista e cronista. Autor de Poética na Política (Geração Editorial, 2004), Contos Hediondos (Demonio Negro, 2009), Cavalo Dado: Sonetos Cariados (100 (Sem) Leitores, 2004), entre outros. Qualquer texto assinado por Glauco Mattoso estará em desacordo com a ortografia oficial, pois ele adotou o sistema etimológico vigente desde a época clássica até a década de 1940.


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