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Programas intergeracionais na Europa: breve avaliação crítica das políticas, práticas, teorias e pesquisas

MARIANO SÁNCHEZ MARTÍNEZ

Esclarecimento terminológico

Como parte deste artigo, entendemos que o conceito “Europa” se refere aos estados-membros da União Europeia, e que o termo programas intergeracionais se refere a um conjunto planejado de ações que, intencionalmente, pretende aproveitar o encontro intergeracional como motivador de mudanças e melhorias.

Um programa intergeracional como um conceito ideal abstrato refere-se a três dimensões fundamentais. Por um lado, a intencionalidade própria em todo programa: queremos que as coisas aconteçam em certa direção, buscando atingir alguns objetivos específicos. Por outro lado, a distância implícita em todo o inter, ou seja, em tudo o que acontece entre duas ou mais entidades. Por fim, a temporalidade-historicidade necessariamente ligada às gerações. Estas existem em um momento concreto, são entendidas dentro desse tempo e estão condenadas a desaparecer após certo tempo.

No caso de outros conceitos que aparecem no título do artigo (políticas, práticas, teorias e pesquisas), consideramos interligados por meio de outro conceito, que é o campo intergeracional, entendido como o conjunto de conhecimentos (teorias, pesquisas, práticas) e de ações (em especial, as políticas públicas e os programas intergeracionais) projetados para, de forma benéfica, aproveitar o potencial da intergeracionalidade (encontro e intercâmbio entre pessoas e grupos pertencentes a diferentes gerações).

Como explicamos em outro texto (NEWMAN e SÁNCHEZ, 2007), inspiradas por Bernard (2006), as teorias, pesquisas, políticas e práticas intergeracionais formam um quebra-cabeça – o campo intergeracional – que pode ser representado graficamente da seguinte forma:

Este gráfico e o conceito de campo intergeracional tratam de salientar que os programas intergeracionais, que são, em última análise, outro tipo de prática intergeracional, devem ser baseados nas pesquisas e teorias, e devem ser ligados ao quadro político vigente em seu ambiente, a fim de produzir uma mudança cultural, sistêmica, profunda, que, na realidade, e em última instância, visa a passar de uma sociedade dos indivíduos para uma sociedade das relações, de uma cultura da idade para uma cultura intergeracional.

Portanto, falar de programas intergeracionais obriga a falar de pesquisa, teorização e políticas ligadas a esses programas. Consequentemente, a tarefa diante de nós nas páginas seguintes não é a de descrever o que os programas intergeracionais estão realizando na área geográfica da União Europeia – o que é algo, aliás, impossível de realizar de forma abrangente, porque ninguém sabe o que realmente está acontecendo em toda esta geografia –, mas descrever algumas informações que circulam por aqueles que querem e têm os recursos para conhecer os programas que estão executando. O que nos propomos a fazer é refletir sobre a conexão na Europa, incluindo os programas intergeracionais como prática e os outros três componentes do campo intergeracional propostos.

A situação das políticas

Em 2009, a Comissão Europeia publicou um levantamento sobre a situação da solidariedade intergeracional em todos os países da União Europeia (EUROPEAN COMMISSION, 2009). Seis em cada dez europeus com 15 anos de idade ou mais entrevistados acreditavam que há poucas oportunidades para os idosos e que os mais jovens podem realizar projetos conjuntos. E nove em cada dez dessas pessoas pedem que as autoridades apoiem novas iniciativas para reforçar as relações intergeracionais entre jovens e idosos. Como vemos, os cidadãos europeus exigem mais contato intergeracional entre jovens e idosos. 

Qual é a resposta das autoridades públicas a essa demanda dos cidadãos? No que se refere à União Europeia, podemos dizer que a solidariedade intergeracional abriu uma lacuna na agenda pública, a ponto de ter se tornado parte da legislação do mais alto nível; assim, no Tratado de Lisboa (UNIÃO EUROPEIA, 2007, p. 11), é dito que “a União combaterá a exclusão social e a discriminação, e promoverá a justiça social e proteção social, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos das crianças” [grifo nosso].

Em 2008, ocorreu em Brdo (Eslovênia) uma conferência internacional que teve como título “Solidaridad intergeneracional por una sociedad cohesiva y sostenible”, que já tinha mostrado o que seria o campo semântico em que se queria inserir o uso europeu institucional da expressão solidariedade intergeracional: alteração demográfica (envelhecimento da população), mercado de trabalho (contratos, treinamento, políticas de emprego, etc.) e sistemas de segurança social (pensões), principalmente (VV.AA., 2008).

Um ano depois, em abril de 2009, e aproveitando a celebração do primeiro “Dia Europeu de Solidariedade e Cooperação entre as Gerações”, a Comissão Europeia publicou um documento sobre como lidar com o impacto do envelhecimento da população na Europa (COMISIÓN EUROPEA, 2009). A posição oficial desta instituição europeia claramente enquadrava a solidariedade entre gerações dentro de uma grande preocupação: garantir que as pessoas perto da idade de aposentadoria continuem a trabalhar e a se envolver no desenvolvimento de suas comunidades, porque só assim parece viável que o envelhecimento da população não comprometa o crescimento econômico da Europa ou a validade do contrato intergeracional que se baseia na sustentabilidade do modelo europeu de bem-estar social.

No último trimestre de 2010, avançaram as gestões para que 2012 fosse celebrado em toda a Europa como o “Ano do Envelhecimento Ativo”. Inicialmente, a proposta era que o ano fosse dedicado a um envelhecimento ativo e à solidariedade intergeracional, mas a Comissão Europeia considerou que era suficiente se referir ao envelhecimento ativo, porque a solidariedade intergeracional deve ser vista como “uma consequência do envelhecimento ativo, o qual se supõe que seja uma oportunidade importante para manter a solidariedade entre as gerações” (EUROPEAN COMMISSION, 2010, p. 2). Assim, o envelhecimento ativo está emergindo como o último quadro no qual a solidariedade intergeracional consegue ter sentido político. A Comissão Europeia, uma instituição que vem liderando a tomada oficial de posição da União Europeia no que diz respeito ao tema, considera que um envelhecimento que melhore as oportunidades de saúde, participação e segurança das pessoas pode melhorar a qualidade de vida dessas mesmas pessoas e alcançar uma maior solidariedade entre as gerações. Tudo isso com uma ênfase explícita na participação relacionada à atividade de trabalho.

Esta revisão seletiva sobre alguns marcos recentes nos discursos políticos europeus a respeito da intergeracionalidade nos permite antecipar, embora cientes de que a questão exigiria uma análise mais aprofundada, que atualmente os ventos políticos europeus, em âmbito supranacional, sopram na direção de instrumentalizar as relações intergeracionais, para conseguir tanto uma maior produtividade como manutenção do contrato social. Neste sentido, é fácil ver que programas intergeracionais devem ter como objetivo eliminar os obstáculos – estereótipos, discriminação, conflitos, falta de contato, desigualdades na prestação de cuidados familiares, etc. – que podem impedir a prática e o desenvolvimento da solidariedade intergeracional.

Se considerarmos o nível estatal, o quadro é outro: ainda há muito poucos países europeus que abriram um espaço significativo quanto às práticas intergeracionais. O projeto europeu EAGLE investigou essa questão em seis países europeus (Inglaterra, Finlândia, Alemanha, Grécia, Itália e Romênia) e, em 2007, concluiu que tais práticas são uma prioridade política na Alemanha e no Reino Unido. Nos outros quatro países estudados, o problema não teve presença destacada na agenda política (WERMUNDSEN, 2007).

Em um estudo similar (STROHMEIER, 2009), mas com foco na política geracional da Dinamarca, Itália, França, Alemanha e do Reino Unido, concluiu-se também que a Alemanha e o Reino Unido têm uma política estatal explícita dedicada às relações intergeracionais: “França e Dinamarca são casos intermediários: temos encontrado algumas políticas nacionais. No entanto, essas políticas são muitas vezes iniciativas locais para a Dinamarca (...). Na França, os programas políticos e geracionais são muitas vezes parte de programas mais amplos de envelhecimento, política familiar, entre outros, e, portanto, não são explícitos. Na Itália, não foram encontrados quaisquer programas ou políticas nacionais” (STROHMEIER, 2009, p. 23).

Por enquanto, na Europa só existem indícios isolados de uma possível institucionalização das políticas geracionais. Só na Alemanha, no Reino Unido e, em menor medida, na França, parecem estar se consolidando algumas políticas geracionais, mais bem implantadas de cima para baixo, ou seja, por iniciativa das autoridades políticas (BAUMGARTNER, 2009).

Considerando que Alemanha e Reino Unido são dois países onde as políticas de promoção da intergeracionalidade têm sido mais atualizadas, faremos uma menção específica a ambos.

No caso do Reino Unido, no início foram as organizações ligadas aos idosos que chamaram a atenção para a intergeracionalidade, e questões na agenda política eram distribuídas das quatro formas seguintes: modelos positivos do envelhecimento, envelhecimento ativo, idade e mudança de atitudes das diferentes gerações em relação aos outros (HATTON-YEO, 2010a). Ao longo do tempo, a promoção de uma abordagem intergeracional tornou-se mais multissetorial, e não apenas algo para as pessoas idosas, e concentrou-se mais nas necessidades da juventude e no desenvolvimento da comunidade. Os imperativos políticos que atualmente norteiam a prática intergeracional no país são os seguintes (HATTON-YEO, 2010b):

- fortalecer as famílias e promover o papel desempenhado pelos familiares mais idosos;

- as relações intergeracionais no local de trabalho;

- saúde, bem-estar e envelhecimento ativo ao longo do ciclo de vida;

- transição para a aposentadoria e o hábito de fazer trabalho voluntário;

- apoio aos jovens que estão fora da educação, da formação ou do emprego;

- cidadania e participação da comunidade;

- enfoques intergeracionais para uma maior coesão comunitária;

- construção de atitudes positivas em relação aos jovens;

- a eliminação de projetos para alcançar programas sustentáveis;

- as cidades amigas dos idosos e o projeto de inclusão;

- melhora do trabalho de equipe nas administrações locais para otimizar a eficiência e conseguir melhores resultados para um maior número de pessoas.

Na Alemanha, os intercâmbios intergeracionais abriram caminho na agenda política no início dos anos de 1990, com uma campanha nacional para promover o diálogo intergeracional, que teve lugar em 1994, e com a criação, em 1997, de um gabinete de acompanhamento e lançamento de projetos intergeracionais. Atualmente, nesse país, existem em andamento cerca de 10.000 desses projetos. A sociedade conhece seus benefícios, as atividades intergeracionais que são realizadas são variadas e muitas áreas políticas – como desenvolvimento comunitário, inclusão social, habitação, educação e formação, etc. –, em âmbito estadual, regional e local, assumiram a bandeira em favor da intergeracionalidade (MARREEL, 2010). O crescimento político da atenção com a intergeracionalidade na Alemanha precisa, para a sua sustentabilidade, de medidas tais como:

- trabalho em rede e implantação de práticas intergeracionais em âmbito local;

- pesquisa sobre o impacto das práticas intergeracionais e sobre a comunicação intergeracional;

- mais formação e qualificação das pessoas envolvidas no trabalho intergeracional;

- implementação da política intergeracional transversal, ligando os diferentes setores e levando-se em conta as necessidades e preocupações de todas as idades.

Presente e futuro dos programas intergeracionais

Em 2007, como parte da conferência sobre as práticas intergeracionais que a Fundação Beth Johnson realizou em Manchester (Reino Unido), ocorreu um workshop dedicado à reflexão sobre o futuro internacional e europeu das atividades intergeracionais (FISCHER, KAPLAN, SÁNCHEZ e SCHLIMBACH, 2007). Quanto ao potencial das atividades intergeracionais, ficou concretizado que essas atividades, individualmente, aumentam as oportunidades de prestar e receber suporte social, e aumentam a autoestima, estabelecem valores pró-sociais e aumentam a capacidade emocional das pessoas para cuidar das outras. No nível da comunidade, as atividades intergeracionais contribuem para a coesão social, oferecem caminhos para a inclusão de jovens e adultos, melhoram a capacidade dos governos locais para responder às necessidades e aos interesses dos residentes, aumentam o espírito comunitário e introduzem a cultura do cuidado. Finalmente, em nível macrossocial, as atividades intergeracionais ajudam a construir sociedades mais tolerantes com a diversidade dos sistemas de valores, ajudam a abrir linhas de comunicação entre gerações, promovem o respeito mútuo entre idades, raças e grupos étnicos, facilitam que todas as pessoas possam fazer ouvir a sua voz e têm um impacto importante sobre a organização institucional de educação e saúde. 

Esse mesmo workshop incluiu uma seção sobre os riscos associados com as atividades intergeracionais. Concluiu que é necessário chegar a um entendimento comum, compartilhado, sobre o que entendemos por intergeracionalidade. Agora, ao mesmo tempo, temos de aceitar a variedade de abordagens metodológicas utilizadas; neste contexto, falta mais espírito de autocrítica e mais atenção aos riscos associados com a replicabilidade de atividades realizadas de forma inadequada. Em contrapartida, o valor dessas atividades não deve nos levar a acreditar que os programas são igualmente necessários em todos os contextos; é necessário que se saiba quando e por que realizar um programa intergeracional. Existem comunidades em que as relações intergeracionais surgem naturalmente. No entanto, devemos nos concentrar mais em como e o que podemos aprender com essas comunidades para decidirmos quando é conveniente se colocar em ação um dos nossos programas. Temos observado a falta de meios de financiamento especificamente dedicados a apoiar as iniciativas intergeracionais. Além disso, há um déficit de cooperação e disseminação de informação, que muitas vezes gera a repetição inconsciente de esforços descoordenados, os quais são um desperdício de energia e recursos: estamos tentando reinventar a roda.

Tendo em conta a análise da atualidade, quais são algumas das tarefas a serem realizadas de imediato para melhoria das práticas intergeracionais no futuro?

- Ir além das questões que vinculam programas intergeracionais com a coesão da comunidade;

- falta mais cooperação entre os profissionais no campo intergeracional;

- abrir as atividades intergeracionais para todas as gerações: estamos nos concentrando muito em idosos, há um forte viés gerontológico;

- expandir o foco para mover-se do intergeracional para o multigeracional;

- excesso de trabalho intergeracional nas escolas, fazendo com que as escolas, muitas vezes, não respondam a esta demanda de incorporação das atividades intergeracionais no currículo;

- necessidade de melhorar a base de conhecimento utilizado para apoiar o trabalho intergeracional; é necessária a abertura a outros campos;

- promover uma maior integração transversal entre programas e políticas;

- as atividades intergeracionais deveriam ser introduzidas, de forma generalizada, como um elemento central nas políticas nacionais e internacionais;

- a sustentabilidade (econômica, ambiental e social) do trabalho intergeracional é ainda escassa;

- necessitamos demonstrar o valor agregado, em termos econômicos e sociais, dos programas intergeracionais.

Finalmente, e em relação à teoria, às práticas (programas) e à pesquisa, esse workshop proporcionou uma conclusão particularmente importante: se desejamos um bom desenvolvimento futuro dos programas intergeracionais na Europa, temos de produzir modelos teóricos mais válidos que os da atualidade, compartilhar as lições aprendidas tanto com os programas que funcionam como com os que não funcionam, bem como incentivar a pesquisa multidisciplinar e integrar esse trabalho em um quadro teórico e prático que nos ajude a contar com um corpo de prova capaz de demonstrar como os programas intergeracionais estão contribuindo para o desenvolvimento do capital social e humano.

Em conformidade com o que já foi mencionado, porém mais recentemente, o projeto MATES (ALMEIDA et al., 2009) tem apresentado as seguintes conclusões e recomendações depois de analisar 7 programas intergeracionais diferentes realizados na Europa (Áustria, Suíça, Espanha, Alemanha, Reino Unido e Itália) e 30 projetos europeus que abordam, sob diferentes perspectivas, questões relacionadas à intergeracionalidade (aprendizagem, engajamento e participação social, mercado de trabalho, habitação, espaços públicos, diálogo):

1) Temos de melhorar os métodos de aprendizagem intergeracional e definir um perfil das habilidades para o profissional/mediador/moderador intergeracional. O treinamento e a conscientização geral da sociedade são necessidades acusadas.

2) A igualdade e a não discriminação parecem ser as chaves centrais dos programas intergeracionais, mas precisamos interligar as diversas formas de discriminação para trabalhar de modo transversal em sua erradicação.

3) Muitos programas estão tendo sucesso na promoção do voluntariado e na participação cidadã das gerações.

4) Parece provado que os programas intergeracionais podem aumentar a sensação de bem-estar e saúde dos participantes e também têm um significativo potencial de prevenção. Entretanto, mais pesquisas são necessárias sobre como participar de programas intergeracionais para pessoas com demências.

5) Necessidade de ampliar o número de questões sociais que são abordadas por meio de um enfoque intergeracional – conciliação familiar, abuso infantil, maus-tratos de idosos, delinquência juvenil, isolamento, falta de moradia, etc.

6) O desenvolvimento de programas intergeracionais relacionados ao mundo do trabalho ainda é escasso: faltam programas que promovam o empreendedorismo intergeracional, o autoemprego, o intercâmbio de conhecimentos no local de trabalho e a criação de oportunidades de emprego.

7) Os espaços públicos ainda são muito fragmentados sob o ponto de vista geracional, às vezes até mesmo pela idade. Precisamos abrir mais espaços, bem como, em contrapartida, aumentar o número de espaços de aprendizagem não formal para que a aprendizagem intergeracional fique mais próxima das pessoas e se torne mais atraente e acessível.

8) Mudanças nos padrões familiares e seu impacto sobre as interações intergeracionais nos obrigam a desenvolver programas que readaptem o contato intergeracional familiar a novas condições e estilos de vida.

Em geral, o projeto MATES convida-nos a repensar o que estamos fazendo e inovar para sermos capazes de dar respostas intergeracionais válidas para as demandas e situações vigentes.

A Fundação Rei Balduino, na Bélgica, também é outro agente importante na promoção do campo intergeracional na Europa. Essa organização tem dedicado parte de seus recursos para apoiar a implementação dos programas intergeracionais. Também estimulou a realização de encontros para discutir os desafios ligados ao desenvolvimento das relações intergeracionais. Nesses encontros se falou sobre a integração da dimensão intergeracional ao funcionamento das sociedades europeias. Quais são, no âmbito de reflexão da geografia europeia, alguns dos princípios básicos para a realização de um programa intergeracional de sucesso? (DE METS e VASSART, 2008)

- A intergeracionalidade diz respeito a todas as gerações, com sua diversidade e heterogeneidade. A ideia de que os programas intergeracionais são apenas para crianças e idosos é errada.

- A questão intergeracional não se limita unicamente nem ao debate sobre o financiamento dos sistemas de pensões nem à concorrência entre os trabalhadores idosos e jovens no mercado de trabalho.

- Os poderes públicos e as associações têm um papel crucial na tarefa de incentivar a introdução estrutural da intergeracionalidade em políticas e projetos.

- É crucial aproveitar os talentos e as habilidades de cada trabalhador ao longo da sua vida produtiva. Para fazer isso, deve-se definir os canais para que, eventualmente, os trabalhadores idosos possam compartilhar e transferir conhecimento para os jovens.

- Temos de corrigir as imagens estereotipadas que levam à incompreensão e rejeição mútua entre gerações. Deve-se evitar a tentação de rotular e generalizar as diferentes gerações.

- As relações intergeracionais precisam de tempo: não podem ser impostas, mas desenvolvidas a cada dia com base em pequenas ações concretas.

Como vemos, ainda há muito que se fazer na Europa quanto aos programas intergeracionais de qualidade autêntica e conectados com marcos políticos existentes.

Teorias e pesquisas: o vagão 

Sem dúvida alguma, teorias e pesquisas são os dois componentes menos desenvolvidos do campo intergeracional europeu. As atividades e os programas não deixam de crescer. As políticas, como temos visto, vão tomando forma lentamente, mas a construção de uma base de conhecimento válida, sobre a qual se apoia o trabalho intergeracional, tem um ritmo muito menor. “Há uma defasagem enorme entre as ideias teóricas sobre a política de gerações e a realidade política em si” (LEICHSENRING e HÄMEL, 2009, p. 294), concluem os autores de uma pesquisa recente sobre as políticas geracionais na Dinamarca, Itália, França, Alemanha e no Reino Unido.

Schlimbach (2007), depois de fazer uma revisão da situação das práticas intergeracionais no mundo inteiro, diz que, na Europa, os desafios incluem o aumento da qualidade, sustentabilidade e melhoria da avaliação dos programas, o treinamento de profissionais, o estabelecimento de uma forma comum de entender o que é o trabalho intergeracional, e, finalmente, o desenvolvimento da investigação científica sistemática sobre o campo intergeracional.

Na frágil agenda europeia de pesquisa sobre a intergeracionalidade, parecem prevalecer duas linhas de trabalho. Por um lado, os estudos sobre equidade entre as gerações, que têm a ver com a distribuição sincrônica e diacrônica dos recursos disponíveis e com a questão da justiça intergeracional. Por outro lado, especialmente na Alemanha, a análise das relações intergeracionais familiares e fora da família, desde as chaves da solidariedade, do conflito e da ambivalência (LEICHSENRING e HÄMEL, 2009, p. 295).

Assim como a atenção investigativa sobre as relações intergeracionais nas famílias não para de crescer, os programas intergeracionais ainda não foram instalados na agenda de pesquisa; as poucas pesquisas com as quais estamos contando são mais de caráter descritivo e são constituídas de enumerações e classificações dos programas em curso. No entanto, temos avançado pouco em outras áreas de pesquisa que são vitais para o fortalecimento do campo intergeracional: o projeto e a implementação de programas, o seu impacto, a formação dos profissionais que gerem os programas, a conexão entre os programas e o desenvolvimento comunitário ou as políticas geracionais, entre outras. Poderíamos dizer, com Granville (2007), que não temos abordado de forma adequada as ligações entre a pesquisa e as práticas, nem temos desenvolvido uma cultura de pesquisa e avaliação, nem introduzimos o repertório adequado de abordagens e métodos de pesquisa no campo intergeracional. Estamos usando explicações teóricas isoladas, provenientes de várias disciplinas, e que muitas vezes não servem para aprofundar a essência daquilo que é intergeracional: o seu caráter relacional.

Comentário final

Embora seja verdade que na última década tem ocorrido na Europa um desenvolvimento sem precedentes de programas intergeracionais, vimos que a situação atual do campo intergeracional europeu sofre de muitas fraquezas. Por um lado, as políticas da União Europeia estão tratando de instrumentalizar as relações intergeracionais para oferecer resposta economicamente eficaz ao crescente envelhecimento populacional. Por outro lado, alguns países, em especial Alemanha e Reino Unido, tentam promover as práticas intergeracionais para aumentar o capital e a coesão social, ao mesmo tempo em que se fortalecem as redes e os laços com a comunidade. No entanto, ainda temos pela frente um panorama político vasto, e, em muitos casos, com um forte viés gerontológico.

Por sua vez, os programas intergeracionais estão aumentando em número, mas nem sempre em qualidade. Uma das razões é a falta de fundamentação teórica adequada, de uma sólida base de conhecimento, produto de pesquisas especializadas, as quais poderiam permitir melhor decidir o que fazer, onde fazer e, sobretudo, como fazer. A desconexão entre a prática e as teorias e pesquisas é clara. Assim, muitos programas são lançados a esmo para se tentar alcançar objetivos, mas sem considerar uma avaliação adequada do seu planejamento e de sua execução. E nesse contexto tão incerto está faltando um esforço para treinar profissionais na utilização de abordagens intergeracionais. Os fóruns para compartilhar experiências e conhecimentos são muito escassos e a informação é difícil de ser localizada. Esperamos que novas iniciativas, como o projeto European Map of Intergenerational Learning (www.emilnetwork.eu), possam ajudar a melhorar a situação atual.

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