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“Só cumprir as Metas do Milênio não vai resolver o problema de todos"

texto: Flavia Galembeck fotos: Flavita Valsani

Nina Orlow se dedica a pra­ ticar e a ensinar cidadania em tempo integral. Arqui­ teta de formação, ela par­ticipa de três movimentos sociais: a Agenda 21 Local, que congrega ações regio­nais pelo cumprimento das metas do Milênio, o Movi­mento Nossa São Paulo, do qual o SESC SP também é parceiro, e o movimento Nós Podemos São Paulo. Em comum, os três visam esti­mular a cidadania e o desenvolvimento sustentável.

Tudo começou em 2000, durante a Eco­92, conferência mundial da Or­ganização das Nações Unidas, no Rio de Janeiro. Nessa ocasião, os países membros das Organizações das Na­ções Unidas (ONU), se comprome­ teram a melhorar a qualidade de vidas das populações e a estimular um mo­delo de desenvolvimento sustentável para o planeta.

O roteiro de como implementar essas ações foi chamado de Agenda 21 Global, que aborda quatro itens: as di­mensões sociais e econômicas, a con­servação e gestão dos recursos para o desenvolvimento, o fortalecimento do papel dos grupos principais e os meios de implementação. Mas para que esse roteiro se transformasse efetivamente em ações era preciso regionalizar esse como fazer e o que fazer, por conta das imensas diferenças culturais e econô­ micas de cada região. A saída foi a des­ centralização, com a Agenda 21 Local, que busca a formação de núcleos que representem a real necessidade da população de uma determinada área. Qualificados, esses cidadãos passam a exercer sua cidadania de fato, co­ brando e apresentando propostas para os governos locais, apoderando­se das soluções dos problemas da sociedade. Tudo dentro dos conceitos de desen­ volvimento sustentável.


Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista que a arquiteta e multi­ plicadora Nina Orlow concedeu aos Cadernos de Cidadania do SESC SP.

SESC Sp: Onde está sediada a Agenda 21 Global?

Nina Orlow: Esse movimento, o Mo­ vimento de Cidadania e Solidariedade, está no gabinete da Presidência da Re­ pública. O Estado de São Paulo formou um grupo de objetivos do milênio, em setembro de 2009. Isso está acon­ tecendo em todos os Estados através do movimento Nós Podemos, que está em tese sediado nas federações das indústrias, e é uma inovação porque o segundo setor não participa muito da Agenda 21, dos fóruns. O inspirador para esse movimento foi a Fiep do Pa­ raná, e o secretário­executivo desse movimento, o Rodrigo Loures, é pre­ sidente da Federação da Indústria da­ quele Estado.

Quais são os avanços da Agenda 21?
A Agenda 21 Global preconiza que as ações sejam locais. A cidade de São Paulo aglomera 35 municípios. Somos a favor da descentralização, e a Agenda 21 prescinde do poder pú­blico, o que dificulta muito porque a sociedade se divide em dois blocos: os que concordam com o poder pú­ blico, que votaram e que não querem perceber os erros da administração eleita, e os que discordam integral­ mente. Trabalhar localmente e sentar em uma mesa junto com o poder pú­blico é um desafio.

Quais são os objetivos das Agendas 21 locais?
Todas as Agendas 21 locais traba­lham com os Objetivos do Milênio. Temos que cumprir as metas pro­postas, que são o combate à fome e à pobreza. O primeiro governo Lula já cumpriu essa meta. Então novas metas já foram estabelecidas porque o fato de termos alcançado a meta inicial não significa que estamos bem, porque há ainda muita gente passando fome, há muita coisa a se fazer. E isso é difícil de as pessoas entenderem, inclusive os governos. Assim que superamos uma meta, estabelecemos outra, e é assim que vamos melhorando. O prazo para alcançarmos as metas iniciais estabe­ lecidas em 2000 é 2015.

Como está essa questão no Estado de São Paulo?
No Estado de São Paulo estamos checando como estão os Objetivos do Milênio. Estamos convidando todos os Cades regionais a virarem comitês dos Objetivos do Milênio, que é um programa do PNUD (Programa de De­ senvolvimento das Nações Unidas), da ONU, para acompanhar e apresentar propostas.

Que tipo de dificuldade há no dialogo com o poder público?
O governo local deveria treinar seus interlocutores, ou seja, os fun­cionários da prefeitura, a ouvir quem pensa diferente. Eu diria que essa dis­posição para ouvir é aquém do que a gente gostaria, mas temos algumas iniciativas importantes e boas, que estão em andamento.

Como estão estruturadas as Agendas 21 locais na cidade de São Paulo?
Existem duas estruturas: o Cade, que reúne quatro secretarias da pre­ feitura municipal de São Paulo – Par­ ceria e Participação, Esportes, do Verde e das Subprefeituras, que por sua vez fomentam a criação de estru­ turas em cada uma das 31 subprefei­turas da cidade. Nem todas as regiões têm conse­lhos. O processo de descentralização começou em 2008. A zona sul foi bem articulada e logo elegeu seus conse­lheiros. Das 31 regiões da cidade, umas 28 já têm conselho. Esses conselheiros também estão aprendendo o seu tra­balho. Os conselhos englobam Meio Ambiente, Desenvolvimento Susten­tável e Cultura de Paz.

O que é Cultura de Paz?
É a prática da relação construtiva, não­ agressiva, entre as pessoas, dentro da proposta de construção desse con­ selho, de como ele deve se articular, ser acolhedor, seguindo os conceitos da Carta da Terra. A Agenda 21 não fala de cultura de paz. Mas a prática disso tem que passar pela cultura de paz, que, por sua vez, passa pela boa edu­ cação, moradia pra todos... São con­ ceitos de cidadania. Então temos que ter também a visão da educação, da saúde, da moradia. Porque na vida de cada cidadão esse conjunto permeia o desenvolvimento humano e a me­ lhoria da qualidade de vida.

Como está a questão da descentralização desse processo?
Hoje em dia não está muito des­centralizado, já esteve melhor. Por exemplo, a Secretaria da Assistência Social não está dentro da Subprefei­tura. Então, o morador que mora em MBoi Mirim tem que ir não sei aonde para saber da saúde porque não necessariamente a subprefeitura daquela re­gião tem a informação. Muitas vezes o subprefeito desconhece o que acon­tece nas outras áreas. Não há muita integração. E existe o desafio de você propor política pública. O subprefeito deveria ser um prefeito, com toda es­ trutura de Justiça, Câmara etc. MBoi Mirim seria a 35a cidade do Brasil em número de habitantes e não tem uma estrutura autônoma.

Como é a relação com o poder público?
Há muita mudança desses inter­locutores porque os subprefeitos não são eleitos, são indicados políticos, que ficam naquela posição apenas por um período de tempo. Em muitos casos os subprefeitos não participam das reu­niões, mas mandam representantes. E não é incomum que esse interlocutor mude de função e o que ele fez se perca na transição de poder. Outra dificul­dade é que muitas vezes os subprefeitos não são da região – a grande maioria não é – e demanda tempo até que ele entenda os problemas da comunidade e apresente propostas. Quando um conselho está mais enraizado fica mais fácil de a gente exigir continuidade. Se é um conselho novo ou se o interlo­ cutor muda com frequência fica mais difícil. A gente usa na agenda 21 local o passo a passo da Agenda 21 Global. O primeiro passo é conscientizar go­verno e sociedade. Então, sempre es­tamos no primeiro passo, que é meio que permanente. Sempre tem alguém pra conscientizar. São dificuldades que precisamos superar.

Em que outras áreas o avanço é lento?
O terceiro capítulo da Agenda 21 diz que a gente tem que trabalhar num as­pecto fundamental que é o combate à pobreza. Então tudo o que você pensar que gere trabalho e renda é prioridade. Como a coleta seletiva do lixo, que é o ponto de partida de qualquer grupo de Agenda 21. Mas a coleta seletiva na cidade de São Paulo está aquém do que a gente pode imaginar. E não avança porque está excluída da pauta. A co­leta seletiva tem que ser com catador, com as cooperativas, mas vira e mexe alguém quer inventar outro sistema em vez de oferecer a estrutura para que eles trabalhem com dignidade.

O volume de impostos para cata­dores é enorme. O custo de uma cer­tidão, necessária para o convênio com a prefeitura, é de R$ 500. Eles juntam o dinheiro e aí descobrem que precisam de outra certidão e até eles conse­ guirem os recursos, a primeira cer­tidão já não vale mais. E começa tudo de novo. A microempresa consegue isenção de impostos, mas a coopera­ tiva de catadores, não. Foi aprovada a lei de resíduos, que abre brecha para incineração, o que nós somos contra porque não gera trabalho. Vinte por cento dos resíduos que vão para a re­ ciclagem são graças aos catadores, e essa é muitas vezes uma possibilidade de renda e dignidade para quem não tem tanta qualificação.

E na área da saúde?
São três os Objetivos do Milênio de saúde: combater AIDS, malária e dengue; acompanhamento das ges­tantes; redução da mortalidade in­ fantil. Sabemos, pelos indicadores, que a situação é sempre pior para o negro, a mulher e a criança. A dengue avança no Estado. Nunca tive nenhum conhecimento nas Agendas 21 locais do quinto item, sobre o acompanha­ mento da saúde da gestante. Os fó­ runs locais não apresentaram projetos. Então já sabemos que provavelmente não vamos cumprir essa meta.


O que isso significa?
Significa que estamos abandonando nossas gestantes, que elas provavel­ mente não estão sendo acompanhadas e estão ingressando em um grupo de risco. Não há uma sanção. Mas a gente não queria só cumprir as Metas do Milênio, gostaríamos de superá-­las. Só cumprir a meta não vai resolver o problema de todos.

E a educação?
Educação, não sei ao nível de Brasil, mas acho que deixamos a de­ sejar, assim como na igualdade entre os sexos. Acho que em São Paulo a meta foi cumprida, mas não chegamos ainda ao estágio que gostaríamos, que é condição de vida igualitária. As metas foram estipuladas em 2000 e para o mundo todo. Não adianta co­locar uma meta lá em cima porque caso contrário isso desestimularia, por exemplo, a África. A Agenda 21 Local é que oferece a medida real. Houve avanço na mortalidade infantil, pode ser até que a meta tenha sido cumprida, mas sabemos que muitas crianças ainda morrem por falta de atendimento médico.

E como está a participação da sociedade?
A comunidade participa bastante, mas tem dificuldades de entender a questão orçamentária, por exemplo. O Movimento Nossa São Paulo fez uma cartilha, explicando como isso fun­ciona, porque pedir algo para o qual não há verba também não adianta. Há necessidade de capacitar a po­pulação para a mobilização e a ação ci­dadã para que ela saiba e compreenda onde pedir, o que pedir, e como aquele órgão específico funciona. Há algumas regiões do Brasil em que a Agenda 21 está presente nas escolas, para que as crianças possam aprender a exercer sua cidadania devidamente.

Tem o exemplo de uma turma de alunos de seis anos de idade que fez uma mini­passeata porque a comu­nidade jogou lixou no entorno da es­ cola. Eles fizeram cartazes orientando as pessoas a não jogar lixo ali. E exercer a cidadania é isso: exigir coisas, protestar de forma organizada. É isso o que a gente quer trazer.

Metas do Milênio- Objetivos para 2015

1. Acabar com a fome e a miséria

2. Educação básica e igualitária para todos

3. Igualdade entre os sexos

4. Reduzir a mortalidade infantil

5. Melhorar a saúde das gestantes

6. Combater a AIDS e outras doenças

7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente

8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento