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"O Brasil tem vocação florestal"

Cláudio Pádua é reitor da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade
Cláudio Pádua é reitor da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade

Cláudio Pádua: administrador de empresas e biólogo, é reitor da escola superior de conservação ambiental e sustentabilidade e vice-presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas.

Para o administrador de empresas e biólogo Claudio Pádua, a economia mundial do século 20 foi concebida em cima da utilização pura e simples dos recursos naturais, sem preocupação com sustentabilidade. “mas hoje sabemos que isso não é possível”, pontua. reitor da ESCAS (escola superior de conservação ambiental e sustentabilidade), pádua é vice-presidente do IPÊ (instituto de pesquisas ecológicas), instituição responsável por um dos mais conceituados projetos agroflorestais do brasil, o café com Floresta, no Pontal do Paranapanema (SP).

Pádua tem doutorado em ecologia pela Universidade da Flórida em Gainesville (EUA), é pesquisador associado sênior do centro de estudos ambientais e de conservação da columbia university e diretor internacional de conservação do Wildlife Trust Alliance, ambos em nova York (EUA). atualmente ocupa o cargo de conselheiro do Fundo brasileiro para biodiversidade (Funbio) e do WWF Brasil. nesta entrevista aos Cadernos de Cidadania SESC, ele defende a necessidade de trazer a floresta para o centro da economia, pensando em maneiras sustentáveis de extrair riquezas dela. segundo ele, é preciso resgatar o paradigma de brasil como país com vocação florestal.

SESC: podemos considerar a biodiversidade da floresta brasileira como um patrimônio natural?  

CLAUDIO PÁDUA: A floresta tropical é um patrimônio extraordinário, pois ali dentro tem muita coisa. a maior parte dos medicamentos do mundo tem origem na floresta tropical. além disso, a madeira é um importante produto econômico. mas há uma consideração de que aquilo foi dado por deus e que você pode destruir à vontade, e não se pensa em sustentabilidade a longo prazo. isso acontece porque a economia do mundo no século 20 foi montada em cima da utilização pura e simples dos recursos naturais, e hoje sabemos que isso não é possível.

O Brasil é um país riquíssimo em biodiversidade, em florestas tropicais. Já gastou uma floresta inteira, a Floresta  atlântica, sem grandes avanços para a sua economia, e corre o risco de gastar a sua segunda floresta, que é a amazônica, da mesma forma. está na hora de fazer uma mudança. se conseguirmos colocar a floresta de uma maneira sustentável no centro da economia, garantimos a sua sobrevivência.

A floresta pode ser também considerada um patrimônio cultural? 

A floresta é um patrimônio cultural, não só para as comunidades que vivem nela, mas para o Brasil inteiro. a cultura brasileira foi construída com a floresta, com seus animais, com suas árvores. o nome do brasil é o nome de uma árvore. a beleza da floresta tropical brasileira é de chocar.

Isso tudo está na cultura do Brasil. Faz parte do processo cultural do brasileiro, das nossas raízes. todos viveram intensamente a floresta. mas, no século 20, começamos a abandonar a floresta por razões econômicas, esquecendo de uma parte importante
da nossa cultura, que precisa ser revigorada, porque, se não tivermos orgulho disso, não conseguimos manter a floresta e protegê-la. é preciso ter uma postura ética, que venha do coração, com a floresta.

Como funciona a produção agroflorestal, que no Brasil tem como um de  seus exemplos o café com Floresta, do IPÊ (instituto de pesquisas Ecológicas)? 

Agroflorestais são os projetos que misturam culturas com floresta. É um processo que nasceu não faz muitos anos e que está crescendo bastante no Brasil. O café é, originalmente, um produto de sombra de floresta, como o cacau. Na América Central, por exemplo, planta-se café na sombra da floresta. nós fomos resgatar essa história, porque o brasil abandonou o café de floresta e resolveu criar variedades de sol, que sofrem muito mais as consequências das pragas e que requerem uso intenso de agrotóxicos.

É difícil a produção de café orgânico, e nós resgatamos isso. Fomos buscar variedades antigas de café do Brasil. no princípio não foi muito fácil de achar. trabalhamos junto com as comunidades  na construção do projeto. Não mais plantando na sombra da floresta, porque a floresta tinha desaparecido, mas usando a cultura como  um motivador para o plantio florestal.

Onde funciona o projeto?

A maior parte está no pontal do Paranapanema [área que abrange 32 municípios paulistas], onde atuamos há muitos anos. começou há mais ou menos dez anos e já tem uma produção grande, vendendo café na região. gostaríamos de vendê-lo internacionalmente, mas os produtores que estão conosco ainda estão querendo usufruir desse café antes de partir para uma exploração mais comercial.

Quais são os ganhos do projeto?

Isso faz parte de uma estrutura que aumenta a renda dos agricultores, que permite a produção de variedades orgânicas e gourmet. o bosque florestal que sombreia o café aumenta a sua produtividade e sua qualidade. Isso faz parte de uma estratégia de gestão de conservação da paisagem. 

Chamamos esses bosques de “caminho das pedras”, numa alusão ao caminho das pedras para atravessar rios. Da mesma forma, o restante da biodiversidade – os morcegos, os polinizadores das plantas, aqueles que levam as sementes, a fauna – não conseguem atravessar de um fragmento florestal para outro quando a distância sem floresta é muito grande.

Mas, se você coloca esses bosques entre os fragmentos florestais, eles servem como caminho das pedras para essa fauna, fazendo com que a população da fauna e da flora regional se torne viável.

Um pequeno proprietário me  disse: “você não faz ideia da quantidade de aves que eu vejo aqui; tem arara, papagaio, espécies que eu não via havia anos”. Estão aparecendo porque encontraram um bosquinho florestal, onde o produtor ganha dinheiro com o café, onde ele tem alguma madeira, onde ele ganha com outras plantações, mas, acima de tudo, que compõe uma paisagem e que é bom para a biodiversidade e para o ser humano.

Quantos hectares já foram plantados nesses bosques? 

Há três ou quatro anos, tínhamos cerca de 100 famílias envolvidas no projeto. cada bosque tem 1 hectare [o equivalente a um campo de futebol] ou um pouco mais. Hoje deve ter mais do que isso. mas o importante não é isso. o importante é que está havendo uma mudança de paradigma.

Quais são as dificuldades para implantar um projeto como esse? 

Primeiro, a mentalidade. Os pequenos proprietários, principalmente os da reforma agrária, saíram do mundo rural e foram para o mundo urbano. voltaram
muito desconfiados, porque, no mundo urbano, a história que você vê em revistas e na televisão é que a floresta é um lugar perigoso, tem bichos etc. Então as pessoas ficam com uma sensação de que a floresta não vale a pena.

Nós fizemos um grande trabalho de educação ambiental para ir aos poucos trabalhando com as pessoas numa nova cultura agroflorestal. a maior dificuldade é resgatar o paradigma florestal do Brasil. e o brasil tem vocação florestal. Nós temos que ter orgulho disso e fazer isso acontecer.

O que a floresta pode oferecer para as cidades? 

A floresta fornece produtos importantes para as cidades, agrícolas ou
florestais. a biodiversidade está presente na vida de todo mundo. Até petróleo é biodiversidade, porque foi fauna ou flora que se fossilizou há milhões de anos. mas, mais do que isso, os serviços ecossistêmicos que a floresta nos presta englobam a limpeza, a qualidade dos ecossistemas. eisso tem uma relação com o regime das chuvas, o regime climático, com a água que você bebe, com a qualidade do solo que a agricultura usa. nada é isolado neste mundo. Tudo faz parte de um sistema, em que as florestas têm um papel fundamental em sua organização e sobrevivência.

Como desmistificar a ideia de que um ecossistema intacto é improdutivo ou um obstáculo ao desenvolvimento?

Nós não podemos viver sem três coisas: ar, água e comida. a qualidade do ar e da água tem uma correlação forte com a saúde dos ecossistemas. A comida tem uma correlação forte com as modificações que o homem faz nos ecossistemas. então é preciso um balanço em que a gente reconheça que os ecossistemas são importantes para duas das coisas mais vitais para a nossa sobrevivência e que é necessária uma ação para ampliar a produção de alimentos. Os ecossistemas produzem alimentos, mas, dentro da vida moderna, não o suficiente. Mas é o balanço dessas coisas que permite a nossa vida no ecossistema.

Mas como introduzir a noção de que o ecossistema não é um obstáculo ao desenvolvimento?

A saúde dos ecossistemas não deve ser protegida com ênfase em comando e controle, ou seja, com leis que proíbem isso e aquilo. é preciso fazer uma inversão nessa história e passar a trabalhar por incentivos econômicos. Estou vendo isso caminhar em várias áreas, mas seria preciso acelerar muito mais. a criação de incentivos econômicos para a proteção de ecossistemas, de forma que aqueles proprietários de terra que têm componentes importantes de algum ecossistema sintam-se recompensados por mantê-los dessa forma. recompensados por uma razão ética, mas também por uma razão financeira, porque vivemos num mundo econômico e capitalista.

Como fazer para preservar as áreas verdes urbanas diante da pressão do mercado imobiliário?

Depende muito da ação do Estado. O que aquela população quer para aquela cidade? Todo mundo gosta de uma cidade arborizada, que tem bons parques. mas o valor da terra é complicado, há muita disputa nesse sentido. Aí as prefeituras, os estados e o governo federal têm que compor, senão cai numa coisa que chamamos de “tragédia do bem comum”. Quer dizer, o espaço público não tem um dono. O estado nos representa como donos do espaço público de uma cidade. e o estado tem o dever de impor que alguns espaços vão ser reservados ao bem-estar da coletividade, na forma de parques, de arborização e até de florestas.

O poder público está cumprindo esse papel adequadamente? 

Em algumas cidades, sim, em outras, não. Tenho andado por regiões em que fico fascinado com a quantidade de parques e com a satisfação da população. cidades planejadas, como Brasília, onde eu vivo uma parte do meu tempo, são muito arborizadas. e a população vive isso com muita intensidade, em qualquer que seja a classe social. Mas há municípios que se esqueceram disso e pagam um preço alto na saúde da população. Muitos pedaços de São Paulo são dessa forma.

Como fortalecer a cultura de sustentabilidade? 

Aumentar o conhecimento das pessoas é relativamente fácil, como diz a
minha mulher, que é educadora. Com técnicas educacionais você consegue isso. mas mudar o comportamento é muito difícil. Há pessoas que sabem que não devem jogar lixo, mas jogam. Não conseguem mudar. Outro jeito é o incentivo econômico, que é uma forma poderosa de mudar os hábitos das pessoas.

A tecnologia ajuda ou atrapalha? 

Ajuda e atrapalha. É a mesma coisa que acontece com a energia nuclear,
as armas nucleares e outras grandes descobertas da humanidade. Depende de em que mãos está. E você não pode parar o desenvolvimento tecnológico por causa disso. Agora, neste momento, precisamos de muita inovação para criar as condições da sociedade sustentável que o século 21 está demandando e que garantam a nossa sobrevivência neste planeta. Não dá para vivermos da mesma forma que fizemos no século 20. Precisamos mudar de comportamento.