Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

'Há pouco espaço para se arriscar'

Daniela Capelato é produtora e roteirista de audiovisual para cinema e televisão, com enfoque no gênero de documentário. Há três anos, vem divulgando as obras brasileiras no exterior como correspondente no Brasil do FIPA, Festival International des Programmes Audiovisuels, realizado anualmente em Biarritz, na França.

Qual sua formação e como foi sua trajetória no audiovisual?

Fiz Comunicação na FAAP. No meio do curso, fui passar um ano na França, acompanhando os trabalhos do Instituto Nacional do Audiovisual, que tem um importante acervo. A França vivia a transição das TVs públicas para as TVs privadas, processo em que surgiram canais como a ARTE, por exemplo. Eu acompanhava as séries que eram feitas em coprodução com vários países da Europa.

Eram produções interessantes, dirigidas por grandes nomes, como Polanski e Godard. Projetos muito ousados, com produções bem trabalhadas e a preocupação de formar um acervo. Voltei para o Brasil muito animada em trabalhar com TV, mas nessa linha de programas de acervo, de arte, mais autorais. Só que veio a era Collor e tudo parou.

Naquela época, a produção independente estava só começando, era embrionária. Como eu tinha a ideia de trabalhar o vídeo incorporado a outras artes, eu me identifiquei com o documentário. Fiz uma série chamada Encontro com Artistas e fui convidada a trabalhar na direção de cinema e vídeo do Itaú Cultural, onde permaneci por sete anos. Depois, abri minha própria produtora, cujo primeiro trabalho foi a produção do documentário Do Outro Lado do Rio [em exibição em maio no SESCTV], dirigido por Lucas Bambozzi, e feito na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa.

Qual o papel do produtor no processo de realização de uma obra audiovisual?

Essa é a grande questão do momento. Acho que o produtor é um cara com olhar, com formação, e tem de ser um pouco artista também para trabalhar em parceria com uma equipe de criação de uma obra audiovisual.
É fundamental que o produtor se constitua como tal nesse processo. O que é muito difícil de acontecer com um sistema de financiamento como é o do Brasil, no qual não é o produtor que define os projetos, mas um patrocinador ou uma comissão montada para um edital. Esses processos valorizam mais o projeto do que o produtor. Uma das consequências disso é que o produtor acaba tendo de investir em várias frentes, mais lidando com a diversidade do que criando uma linha editorial mesmo: literalmente atirando para todos os lados.

O produtor no Brasil configura-se mais como um administrador, um advogado, um contador e um prestador de serviços. É muito raro encontrar espaço para um trabalho mais autoral, para desenvolver uma assinatura. Claro que há exceções, mas na média o que vejo é que, no Brasil, é difícil a possibilidade de um produtor ser ele mesmo, de se arriscar num projeto mais ousado ou num diretor desconhecido. No audiovisual, acho que o espaço para arriscar mais ainda está no documentário, pela natureza do gênero mesmo. Não por acaso, é ele quem tem possibilitado uma inovação de linguagem maior.

Como você avalia o cenário da atual produção audiovisual brasileira?

É mais fácil negociar e distribuir documentários do que filmes de ficção, embora o valor pago seja bem menor. Outra realidade atual é que a produção independente tem caído muito no mundo. Li textos sobre o assunto, que avaliavam esse cenário ainda antes dessa crise na Europa. E o Brasil também sofre com isso. Os modelos possíveis de distribuição de uma obra audiovisual são três: coprodução, licenciamento, e prestação de serviços para empresas de produção. Desses, acredito que o Brasil tem mais chance de se destacar na coprodução, porque nosso país conta com uma verba e vem investindo nos últimos cinco anos, fechando acordos com vários países do mundo, como Canadá, França, Argentina e Uruguai. A vantagem desse processo é que ele amplia a distribuição, porque o filme passa a ter duas ou mais nacionalidades. Mas também há as dificuldades em se produzir um filme assim, porque as regras e leis são diferentes em cada país, sem contar os diferentes modelos de fazer e de idealizar a obra. A coprodução é a possibilidade de troca de conhecimento.

Qual a repercussão da produção audiovisual brasileira no exterior?

Sinceramente, acho que não é muito grande; os números não enganam. A gente ainda não é uma indústria, tem coisa que a gente não sabe fazer, como, por exemplo, documentários investigativos, que é o gênero que melhor vende no mundo e o que as pessoas mais querem ver. Não há nem lei que permita fazer um filme sem a autorização do uso de imagem de uma personagem. Os canais de TV também não estão preparados, com um departamento jurídico, como acontece nos Estados Unidos e na França. Nesses países, eles fazem documentários que derrubam um governo. Outro destaque são os filmes de natureza, que exigem muito de equipamento e de equipe.

Documentários de criação, como os feitos por Eduardo Coutinho e João Moreira Salles, são mais fáceis de fazer e, embora eles cheguem às mostras oficiais de audiovisual, não saem bem na distribuição. Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo, filme que eu produzi, foi muito bem nos festivais e ainda assim só conseguimos vender para os Estados Unidos, México e Espanha. Há filmes que fazem boa bilheteria no Brasil, mas que tocam especificamente o público brasileiro, seja pela presença de atores conhecidos por aqui, seja pela linguagem.

Que tipo de produções realizadas no Brasil interessa ao público estrangeiro?

O mercado internacional ainda é muito estereotipado em termos de imagem de Brasil. O que a gente vende muito são produções de música. Menos do que antes, mas ainda bastante, o público também gosta da temática da miséria. Há filmes com bom público no Brasil que chegam aos festivais, mas acabam sendo criticados pela imprensa internacional, como aconteceu com Tropa de Elite, por exemplo. Sem contar que é preciso contextualizar de que festivais estamos falando: há o festival de Cannes e há o Oscar. São linhas bem diferentes. A palavra de ordem é buscar uma segmentação e procurar os nichos, para imprimir uma identidade.

Qual sua atuação no FIPA (Festival International des Programmes Audiovisuels)?

Há três anos, sou correspondente do FIPA no Brasil, ou seja, faço uma ponte entre o festival e os produtores. Ajudo a divulgar o festival aqui e a levar as obras brasileiras para lá. Esse trabalho começa na metade do ano, às vésperas da abertura das inscrições. O interessante é que tem crescido bastante a participação de obras brasileiras no FIPA, o que é muito bom tanto para o festival quanto para os autores. A participação dos produtos brasileiros dá visibilidade ao festival e, ao mesmo tempo, os canais se percebem, identificam suas afinidades, embora estejam em diferentes países do mundo. Já tivemos um telefilme brasileiro que foi selecionado, mas o que mais se destaca ainda são as produções musicais e os espetáculos.

Leia a revista completa em: