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Uma festa imodesta

Todo ano ela faz tudo sempre igual! – parafraseando o clássico de Chico Buarque “Cotidiano”. Quando o assunto é o Carnaval, a TV brasileira nos últimos anos vem-se repetindo à exaustão. Pela ótica da telinha, a maior festa do País restringe-se, basicamente, aos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, no Sambódromo paulistano e nas avenidas abarrotadas pelo colorido berrante dos abadás.

É claro que essa concentração midiática tem uma explicação mercadológica: Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador concentram as maiores fatias publicitárias destinadas ao Carnaval made in Brazil. Esse montante tem geralmente como origem as grandes marcas de cerveja do País.

Devido ao grande apelo popular, o Carnaval das escolas de samba tanto do Rio de Janeiro como de São Paulo tornou-se praticamente prisioneiro do próprio sucesso. Entra também nessa dança o desfile de celebridades, que se exibem em cima dos trios elétricos pelas avenidas da capital baiana – Camille Paglia que nos diga.

Não seria exagero afirmar que a transmissão carnavalesca se tornou um “fenômeno exótico”, “para inglês ver”. Em outras palavras: um pacotão de atração turística, extrato televisivo do Carnaval brasileiro. Que rasgue a fantasia quem conseguir se lembrar de algum samba-enredo do ano passado ou de um tema escolhido por uma grande escola de samba.

Sejamos sinceros. Qualquer um que tenha visto um desfile ao vivo sabe que se trata de um espetáculo difícil de ser televisionado. A graça, a grandeza e até mesmo a beleza correm o risco de perder força na TV.

Histórico

O Carnaval, acredite, já foi uma espécie de divisor da grade das grandes emissoras. Houve tempos em que a TV brasileira só abria sua programação anual depois da “festa da carne”. O período entre o Réveillon e o Carnaval transitava a órbita do “recesso da preguiça”.

Pela pauta televisiva, não valia a pena apostar em nenhuma estreia antes do Carnaval. Há praticamente dez anos, era esse o protocolo em cena das grandes redes. Novas novelas, novos programas e novas séries só davam o ar da graça depois da folia.

Era um tempo em que aquele velho bordão, “o ano novo só começa no Brasil depois do Carnaval”, era exaustivamente propagado. A TV, então, assim como todo o País, deu uma guinada. Estreias na programação logo no começo do ano surtiram efeito, tanto do ponto de vista comercial como do da audiência. E assim segue.

É notório que o Carnaval tem uma cobertura maciça. Pesquisas das próprias redes revelam que o folião brasileiro é, em sua maioria, de poltrona. Que tal, então, se as emissoras começassem a repensar a transmissão e a cobertura do Carnaval brasileiro? Essa “apoteose da alegria popular” ainda é, para a grande massa, a festa mais esperada do ano. Seu espetáculo, porém, é bem mais do que o recorte encaixotado feito pelas transmissões televisivas. Quem sabe o público não

queira ver outros tipos de manifestação carnavalesca?

A pauta da grande folia poderia ser mais eclética, assim como é o Carnaval. Quem são os novos mestres rabequeiros? E o legado do maracatu rural? Além da devastada São Luís do Paraitinga, por onde reinam as marchinhas? Por falar nelas, cadê a cobertura dos “hypados” blocos carnavalescos do Rio de Janeiro, que, a cada ano, juntam uma diversidade de foliões de fazer inveja ao Carnaval “mainstream”, de torcida? 

Blocos como “Me Beija Que Sou Cineasta”, “Cordão da Bola Preta”, “Suvaco do Cristo” e “Mulheres de Chico” representam a mais clara retomada do Carnaval brasileiro. Mereciam mais destaque do que apenas flashes-relâmpago nos telejornais da madrugada.

Restringir a transmissão à farta oferta de corpos nus pela passarela é limitar a grandeza de uma festa de proporções continentais como a nossa. Que tal repensar o paradigma da programação televisiva durante a semana mais festiva do País? Até mesmo os tradicionais bailes carnavalescos tornaram-se manifestação em extinção. Muito folião trocou o salão repleto de confete e serpentina pelo conforto preguiçoso do sofá. Preferiu anestesiar-se diante da TV a entregar-se às marchas e aos sambinhas ingênuos do passado.

Talvez a graça e a riqueza do Carnaval como grande espetáculo tenham sido minimizadas, sobretudo pelo enquadramento limitado da TV brasileira. Que outras máscaras venham colorir essa festa.

Roberto de Oliveira é jornalista da Folha de S. Paulo.

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