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A efervescência da arte contemporânea

AGNALDO FARIAS é professor e curador de artes plásticas. Nascido em Itajubá, Minas Gerais, Farias cresceu em São Paulo e formou-se em Arquitetura pela Universidade de São Paulo. Dentre seus trabalhos mais recentes está a curadoria da Bienal de Artes de São Paulo em 2010, realizada ao lado de Moacir dos Anjos. Com uma trajetória versátil, Farias já foi crítico de música e roadie de grupos musicais como Os Novos Baianos. Em 2011, completa 30 anos como professor.

O senhor tem uma trajetória versátil: já atuou como crítico de música; foi roadie de Os Novos Baianos e de Hermeto Pascoal; estudou Arquitetura. De que forma essas atividades dialogam em sua carreira?

Não creio que seja de modo direto. Nessa minha trajetória de vida versátil, cheia de idas e vindas, fui travando contato com aspectos da cultura bastante diferentes: já trabalhei com cinema, com música, com literatura... e tudo isso me fez ficar atento a aspectos muito distintos, o que é positivo para uma curadoria – entendendo-a como ponto final de um processo que já começa numa visita ao ateliê, numa leitura visual, na compreensão total daquelas obras: que mundo elas tocam, com que elas conversam, quais as diferentes referências dos artistas. Então, nesse sentido eu acho que fui muito ajudado, porque minha gama de referências é bastante ampla. As experiências variadas são importantes para essa ocupação. E há também o fato de que sou professor. Em todos os campos que atravesso tenho uma inclinação natural de tentar compreender as coisas de um modo passível de ser traduzido. Há sempre dentro de mim uma vontade de interpretar, de tentar buscar um fio. Olhando de um modo seco, penso que o trabalho do curador é construir uma narrativa, é ter noção de espaço. E tenho me envolvido com o fato de que a arte contemporânea é multidisciplinar e transdisciplinar. Isso frequentemente tem se travado dentro de mim, com aspectos muito diferentes um do outro. E aí uma formação ampla também acaba ajudando.

Qual sua motivação para cursar Arquitetura e como se deu a passagem para o trabalho com as artes?

Eu queria trabalhar com música. Pensava em ser engenheiro de som. Fui estudar Engenharia, mas me dei muito mal, por não ter nenhuma inclinação para as disciplinas exatas. Eu lia muito naquele período, foi o ano em que mais li na vida. E com isso, evidentemente tomei uma “bomba” no curso. Meio desesperado, sabendo o que eu não queria, um amigo me aconselhou a fazer Arquitetura, já que eu gostava muito de poesia. Foi um curso excelente, porque também é muito aberto, variado, eclético, e dá uma formação bastante abrangente. Nesse período, fui parar em Filosofia, porque achava importante ter mais rigor e uma visão mais refinada, já que a Arquitetura às vezes é um pouco descuidada nesse sentido, acaba tendo essa deficiência por ser superficial. Na Filosofia acabei indo parar na Educação, dando aulas para o segundo grau. Depois, fui dar aulas de Humanidades no curso de Engenharia em São Carlos. Nesse curso, comecei a caminhar em direção à arte e resolvi oferecer um curso de História da Arte, como matéria optativa. Foi muito proveitoso. Em São Carlos, montei o curso de Arquitetura, do qual fui o primeiro coordenador e também o professor de História da Arte para as turmas de primeiro ano.

Quando e em que contexto realizou sua primeira curadoria?

Eu costumava viajar para falar sobre o curso de Arquitetura, e ficava impressionado com o baixo debate sobre artes. Esse trabalho aproximou-me de artistas. Certa ocasião, fui convidado a escrever o catálogo de um deles. Um outro amigo, quando viu, me convidou a escrever numa revista de artes. Descobri que havia espaço e demanda. Passei a ser convidado para mesas redondas, debates, até ser chamado a assumir a curadoria de exposições temporárias do Museu de Arte Contemporânea, em 1990. Virei curador sem, praticamente, nunca ter feito nenhuma curadoria. Foi uma experiência incrível. Acabei ficando amigo do Ricardo Ohtake, que era diretor do Centro Cultural São Paulo e me convidou para trabalhar com ele. Ele se tornou Secretário do Estado da Cultura e me levou como assistente de artes plásticas. Em seguida, fui convidado a fazer a curadoria adjunta da Bienal de Artes de 1996, com Nelson Aguilar. De 1998 a 2000 fui curador do MAM, no Rio de Janeiro, e em 2001 fui convidado a ser curador do Instituto Tomie Ohtake.

Como avalia a realização da última Bienal de Artes de São Paulo, da qual foi curador, ao lado de Moacir dos Anjos?

Acho que foi uma Bienal que deu certo. Minha avaliação é muito positiva. Trabalhar com o Moacir é um privilégio. A diretoria da Bienal foi muito cooperativa e nos acolheu de uma maneira decisiva, muito aberta a sugestões. Avalio que conseguimos realizar num tempo muito curto uma Bienal com novidades. Tivemos uma boa receptividade do público, em que pese parte da imprensa, que está sempre apontando para o lado negativo.

Que diagnóstico o senhor faz sobre a arte contemporânea?

Temos hoje um cenário fresco e irrequieto, de que é muito difícil conseguir extrair conclusões. É maravilhoso ter contato com tamanha efervescência. Não há preponderância de qualquer mídia hoje. Isso convoca a um ambiente de muita abertura, generosidade e disponibilidade no campo não só da expressão, mas também dos suportes. Tudo isso é extraordinário, mas dá muito trabalho, e nos obriga a ficar atentos ao que está acontecendo. Não é simples. Como tudo é possível, a gente se pergunta, então, como avaliar, como medir. É claro que o exercício da crítica é imediato, a queima-roupa, diferentemente do trabalho de um historiador. É fundamental avaliar o trabalho por aquilo que ele apresenta. Não adianta, por exemplo, medir um trabalho cobrando aquilo que ele não se propôs a oferecer. Mas é possível, sim, diagnosticar sua coerência, consistência, seu domínio.

Como o senhor avalia a abordagem que a TV faz sobre as artes plásticas?

Existem várias TVs dentro da TV. A TV atual é essencialmente do entretenimento. Nos canais de TV por assinatura há mais caminhos dispostos a aprofundar-se nos assuntos. Mas o que predomina mesmo é a banalização. O jornalismo é muito mais factual, não é analítico, parte do princípio de que as pessoas não têm tempo. De modo geral, não tem respeito por seu público. A TV usa e abusa de seu poder de alcance. Penso que todos os meios poderiam fazer algo pelas artes. O problema não é a mídia, mas quem está por trás dela. Se a TV se interessa pelas artes, ela é capaz de fazer esse papel. Há programas na TV de altíssimo nível. Existem trabalhos de muita qualidade, mesmo no Brasil. Há espaço e há público, mas as TVs precisam fazer isso acontecer.

Além de atuar como curador, o senhor também se dedica à prática do ensino. Qual a importância de se focar em Educação de artes?

Sou, acima de tudo, professor. Todo o resto é secundário. Mas é da visão que eu tenho de Educação. Para mim, o curador é um professor. Um compromisso ético e também estético. O que a gente faz é eminentemente educativo, de aproximação, de pôr o maior número possível de pessoas em contato com produções de qualidade. Numa sociedade pautada pelas rotinas, a arte é crucial. É uma dádiva estar em contato com as pessoas, discutindo com elas. Isso alimenta, porque eu me coloco no lugar do outro.

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