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A TV e o rock

PEDRO VIEIRA

A primeira televisão em nossa casa chegou em 1957 ou 1958. Com certeza, foi a primeira da minha quadra. Eu me lembro daquele aparelho enorme, de madeira, que no início ficava desligado a maior parte do dia. A imagem tinha muitos “fantasmas” e a carta de ajuste com o “Indiozinho da Tupi” ficava horas no ar. Mas em casa, às tardes e no final de semana, a sala enchia. As tarde-noites eram do Rin-Tin-Tin, Falcão Negro, Ivanhoé, Papai Sabe-Tudo, Mike Nelson, Fury... um mundo novo, valvulado e direto dos USA. E ainda bem que no pacote veio o rock. A televisão foi a responsável pela popularização do rock que, além de música, é dança, é comportamento, é moda, é imagem. Eu me lembro de, ainda pivete, assistir domingo de manhã aos programas do Júlio Rosemberg. Foi o primeiro programa com bandas de rock que acredito ter visto na TV. Acho que era na TV Paulista.

O cenário era uma cortina fechada que devia esconder algum outro cenário que entraria em seguida. Havia o Antonio Aguillar e rolavam bandas com condições técnicas semiprecárias. Mas bandas com músicos que não erravam, sem videotape: The Rebels, Jordans, Clevers, e até grandes nomes do momento, como Carlos Gonzaga e Sérgio Murillo. 

Mas o novo veículo exigia o novo. Cenários, cortes de cabelos diferentes, roupas vistosas e, principalmente, rostos. Coisa que o rádio dispensava ao talento do artista. Fazer um programa de rock para televisão nos anos de 1960 era mais do que heroico. As câmeras eram gigantescas, o zoom não existia, as mudanças de close para um plano mais aberto eram realizadas após uma manobra, nada fácil, de girar as torres das lentes das enormes câmeras RCA. O áudio, então, um festival de apitos! Mas o rock estava lá.

E assim, na era da televisão surgem Celly Campello e Tony Campello. Celly, além da voz, era um presente para o novo veículo. Com seu rosto perfeito e seu Estúpido Cupido arrebentando no rádio, era a “Namoradinha do Brasil”, graças à televisão. O rock foi percebido e a juventude, pela primeira vez, teve voz e programas, e foi reconhecida como mercado. E o mercado necessitava de um produto rock. Nasce dentro de uma agência de publicidade (a Magaldi e Maia) o programa Jovem Guarda, da TV Record, um fenômeno de audiência. Um programa criado para a televisão, com cenários, bailarinas, figurinos, que ditava moda e trabalhava com mais câmeras e com luz apropriada. E nada melhor para uma eterna colônia do que criar um “Rei”. Mais um mito foi criado pela televisão.

Com a ditadura, nem a Jovem Guarda escapou. O rock submerge na ditadura. Filho da liberdade, é sufocado. Todo cabeludo é “comunista, filho da p., vice-versa ou ambas as coisas”. A Tupi tentou fazer um programa rock-experimental, o Divino Maravilhoso, com Caetano e Gil. A Bandeirantes também teve várias tentativas, como o Band Rock e o Mocidade Independente, mas a caretice da direita era mais forte, não dava para manter no ar “programa com cabeludo”.

Mas o tempo passa e as câmeras tornam-se portáteis, vem o videotape, chegam os anos de 1980 e, com eles, a abertura política. E toda música e toda arte represada por tantos anos vêm com a força da enxurrada e arrebentam na televisão, reverberando o que os muros gritavam e espocavam, aqui em São Paulo, desde o Lira Paulistana – um pequeno teatro na Praça Benedito Calixto – até a Pompeia, berço do rock em São Paulo, em uma unidade do Sesc, no Fábrica do Som, da TV Cultura. As câmeras portáteis, de muitos quilos e com imensos cabos, mais o talento de um apresentador videomaker tiveram e deram, durante quase dois anos, espaço para o rock e para a experiência. Titãs, Paralamas, Cazuza ainda menino, bandas de garagem e artistas consagrados. Na época, o João Gordo ainda estava na plateia. A censura federal ocorria toda semana, depois de o programa editado. Perdemos para a repressão.

Como programa de rock é, além de mal comportado, caro, e videoclipe é barato e limpinho, tivemos a década de 1990 como a Era dos Clipes. Na virada do milênio, a televisão volta a dar uma mãozinha e pipocam Charlie Brown, Mangue Beat, Los Hermanos, Sepultura.

Hoje, a TV aberta esqueceu os programas de bandas ao vivo. O rock – como as árvores, os índios e tudo o que está em perigo de extinção – também é lembrado em data própria e, mais uma vez, a ligação entre televisão e rock é o canal! O dia 13 de julho é uma referência ao Live Aid, realizado em 1985, a mais ambiciosa transmissão usando satélites e televisão de todos os tempos até então. Pela primeira vez, foi criada uma rede tão grande para uma causa: arrecadar fundos contra a fome da Etiópia. Cerca de 1,5 bilhão de espectadores, em mais de 100 países, assistiram às apresentações ao vivo. Aqui, não rolou: só pelo rádio... E o bordão da 89FM virou data oficial: “Dia Mundial do Rock!”

Esse dia, que não serviu para acabar com a fome na Etiópia, não é lembrado nas principais capitais do mundo. É uma data mundial comemorada só no Brasil. Engraçado, não é? Um fenômeno para o Macaco Simão desvendar. Atualmente, sem telinha para se projetar e sem renovação, o rock feito no Brasil some das prateleiras, como se os milhares de fãs do rock brazuca tivessem sumido também. Mas, como o “roque errou” a data, eu concordo com os que acham que o Dia do Rock no Brasil seria 28 de junho, dia no qual nasceu “São Raul Seixas”, o diabo padroeiro do rock nacional.

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Pedro Vieira é diretor de programas de televisão, criador da Fábrica do Som, Musikaos e diretor do documentário História do Rock Brasileiro.

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